Da luz para as trevas...
Por
Alessandra Leles Rocha
É perda de tempo querer
confrontar os rodopios do relógio. Lá na segunda metade do século XVIII, quando
a Revolução Industrial surgiu na Inglaterra, as conjunturas socioeconômicas e ambientais
do mundo eram bem diferentes de hoje. As cidades começavam a se organizar para receber
o contingente populacional de origem rural e transformá-lo em urbanoindustrial.
Razão pela qual se iniciaram os graves e complexos problemas de
compatibilização entre os recursos naturais e o crescimento de demandas
sociais. E como tinha que ser, essa “bola de neve” cresceu sem que as devidas
precauções fossem tomadas.
A matemática, nesse caso, explica
tudo de maneira bastante simples. Sinônimo de desenvolvimento e progresso, a
Revolução Industrial acenou com infinitas possibilidades de ter e ser para a
população da época. Portanto, houve um verdadeiro boom populacional nos países europeus.
Afinal de contas, eles passaram a demandar não somente mão-de-obra; mas,
também, mercado consumidor de produtos que estavam sendo produzidos em larga
escala, a partir daquele momento, e de serviços que surgiram para atender a
nova dinâmica social.
Esse cenário, então, impactou tanto
as condições de sustentabilidade ambiental em decorrência de um maior consumo
de recursos naturais, tais como a água e o carvão mineral; bem como, as consequências
de um uso e ocupação do solo sem o devido planejamento. De modo que o volume
maior de habitantes nas cidades refletiu as inúmeras carências relativas ao
tratamento de esgotos e efluentes, à diversidade de resíduos produzidos e a
vulnerabilidade sanitária, com surtos e epidemias recorrentes, principalmente,
em ambientes aglomerados como eram os cortiços habitados por operários e a
população mais pobre.
O que em síntese significa que o
aumento populacional é diretamente proporcional à exaustão dos recursos naturais.
Sendo assim, antes de permitir os arrojos desenvolvimentistas que vieram nos
séculos seguintes, originando versões cada vez mais aprimoradas da Revolução
Industrial do século XVIII, a humanidade deveria ter sido mais previdente e responsável.
Mas, ao contrário dessa consciência, o que se viu foram iniciativas
fundamentadas em um consumo inconsequente, o qual pode ser traduzido por um
crescimento populacional, cada vez mais expressivo, que surge para suprir os
movimentos de expansão de demandas não essenciais, criadas para satisfazer aos
interesses da indústria e do comércio.
É como se esse processo, de quase
300 anos, tivesse feito desaparecer da consciência humana a visão de um planeta
caracterizado por diversos ecossistemas, e só existissem espaços urbanoindustriais
ou agrícolas. Até que, de repente, em algum momento a matemática do equilíbrio faliu
e as consequências desastrosas vieram à tona, dada a limitação geoambiental do
planeta. Sim, a pequena esfera azul que vaga na imensidão silenciosa da Via
Láctea não é capaz de se expandir ou reconstituir as perdas já consolidadas.
E isso não é uma constatação
restrita ao relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), recentemente divulgado. Desde a segunda metade do século XX, as
Ciências Naturais já apresentavam dados e faziam alertas importantes a
respeito. De certa forma, o jogo acabou. O Meio Ambiente colocou a humanidade em
xeque-mate. O que cabe agora são medidas de contenção para garantir um mínimo de
sobrevivência digna para a raça humana e demais seres vivos. Sem exceção, todos
os segmentos sociais estão à mercê da sua própria consciência e vestígio de responsabilidade
e senso de sobrevivência.
A manchete do dia é “Governo cria nova bandeira, e taxa extra na
conta de luz vai subir 50%” 1; mas, e
daí?! Isso apenas encobre a dependência, que não parece ser temporária, na qual
o país se encontra em relação as fontes energéticas de elevadíssimo custo, como
é o caso das termoelétricas. Portanto, esses aumentos exponenciais recorrentes
não são uma solução porque não mudam o panorama da realidade hídrica
brasileira. Não fazem chover na medida necessária. Não abastecem os
reservatórios subterrâneos e superficiais. Enfim... E, paralelamente, a essa
conjuntura, o país tem hoje uma população de mais de 213 milhões de habitantes.
Sendo assim, tanto a escassez hídrica
e de energia elétrica quanto os reajustes de tarifas aprovados representam um
péssimo cenário para os interesses nacionais, porque em ambos os casos as repercussões
negativas trarão impacto direto para a população e para todos os setores da
economia, ou seja, primário – agricultura, pecuária, extrativismo vegetal,
mineração, caça e pesca, secundário – indústria, e terciário – venda de produtos
e prestação de serviços. Simplesmente, porque essa realidade está inscrita em
um padrão de desenvolvimento cientifico e tecnológico que não projetou os
riscos da própria necessidade de recursos naturais. O mundo real e o mundo virtual
se encontram em uma tomada, em um carregador de bateria.
A recusa em combater o
desmatamento, as queimadas clandestinas, o assoreamento dos rios, a poluição
das fontes de água doce, ... só irá intensificar os prejuízos. O ecossistema é
uma rede integrada composta por componentes bióticos e abióticos profundamente sensíveis
a mudanças e alterações abruptas; por isso, qualquer deslize pode ser fatal,
tanto biológica quanto economicamente.
Cada vez que a sociedade “dobra a aposta” na contramão dos fatos,
a conta fica mais cara e o problema mais insolúvel. Sem contar que, dessa vez,
ninguém nem ao menos cogitou a possibilidade de uma eventual garantia para
impedir interrupções repentinas de fornecimento elétrico 2.
Se os “apagões” se confirmarem, os
ciclos de perdas e prejuízos tenderão a ser ainda maiores. Alimentos na
geladeira e nos entrepostos comerciais. Medicamentos e vacinas nos freezers das
unidades de saúde. Leite e derivados nas fazendas e laticínios. ...
Infelizmente, a luz da Revolução Industrial pode acabar nos lançando de volta às trevas. Então, ao invés de acender uma vela, melhor pensar seriamente sobre tudo isso.