Há
método. Nada é ao acaso.
Por
Alessandra Leles Rocha
Até onde sei, diálogo é uma
interação comunicativa que depende da disposição e do interesse de duas partes.
E nesses quase 3 anos de governo, o Presidente da República não demonstra muita
simpatia às movimentações dialógicas na política.
Por isso, não entendo o esforço
que tem sido dispensado nos últimos tempos, diante de uma escalada de
beligerância explícita manifesta por ele, no sentido de reunir as
representações do poder nacional em torno de uma mesa para encontrar um
denominador comum e resolutivo para os gigantescos e danosos impasses
constituídos.
Observando à distância, a
impressão que se tem do Presidente é de alguém investido por uma personagem, um
tanto quanto excêntrica, que precisa de muitos ruídos e confrontos constantes
para manter atenta a sua plateia, não permitindo incorrer no erro da monotonia
sem graça e pouco teatral.
Essa é a razão pela qual, ele
jamais se preocupou em moderar as falas, os discursos. O tom precisa ser agressivo,
deselegante, ofensivo, raivoso, para compor satisfatoriamente as demandas
narrativas a serem sustentadas. Pouco lhe importa o que dizer; mas, como dizer.
Ocorre que o tempo em cartaz
costuma desgastar o roteiro e obrigar a trazer elementos surpresa para o
espetáculo. Nada que altere, profundamente, a encenação; mas, que cause um
certo frisson no público.
E no rol das possibilidades
desagradáveis há uma infinidade de opções que ele pode escolher, sem medo de
errar. Aliás, muitas delas, ele e seus asseclas já vêm experimentando, há algum
tempo, a fim de apurar as repercussões causadas durante as demonstrações.
Frente a tudo isso, eu discordo
que esteja em curso somente mais um blefe com fins midiáticos. A ideia de uma
ruptura democrática sempre se apresentou tentadora demais para esse governo e,
tendo encontrado respaldo ideológico no “Trumpismo”, norte-americano, tenho
dúvidas se não tentariam se valer dos mesmos recursos e artifícios.
Ainda que as circunstâncias e
realidades sejam distintas, a base de sustentação de extrema-direita é a mesma;
portanto, a semelhança de princípios, valores e objetivos tende a funcionar
como motivação para uma tentativa. O que não significa uma aposta de sucesso
absoluto, porque a imprevisibilidade nessas situações é uma constante
indomável. Haja vista o resultado na própria terra dos ianques.
Mas, a ideia é promover o
“circo”, o grande espetáculo, causando inquietude e apreensão nas pessoas; mas,
particularmente, irritando os opositores de maneira singular. Porque a
efervescência retira a possibilidade de diálogo tanto para servir de
protagonismo restrito a quem não quer conversa, quanto para postergar, ainda
mais, quaisquer possibilidades de enfrentamento das questões práticas demandantes
de solução urgente.
É assim, que vejo montado o
cenário atual. Há método. Nada é ao acaso. Não há aleatoriedade nos
acontecimentos. A grande questão é que os níveis de tensão estão à beira do
limite e, a mínima ausência de habilidade para conduzir a situação, pode sim, resultar
em algo totalmente fora de controle.
Um ato de exibicionismo, dessa
dimensão, nessa conjuntura atual do planeta, num piscar de olhos pode se voltar
contra os interesses do próprio país. Mesmo porque, até aqui, a imagem brasileira
transmitida para o mundo, em relação a diferentes assuntos, já não tem sido
nada positiva.
O Brasil precisa entender que não
é um pedaço de terra despregado do planeta, autossuficiente o bastante para
viver à revelia de certos parâmetros e paradigmas da sociedade globalizada. Não
figuramos entre as grandes potências para nos atrevermos a arroubos
irresponsáveis.
A verdade é que vivemos na
corda-bamba, há mais de 500 anos, nos equilibrando daqui e dali para
sobreviver; mas, muito longe de viver a vida modulada pelas linhas da dignidade
provida pelos direitos humanos fundamentais. Por isso, qualquer tempestade por
aqui, se torna um tsunami sem maiores esforços.
Afinal, o Brasil não convive com
a excepcionalidade de conjunturas adversas, suas mazelas são crônicas e seculares.
De tempos em tempos, não muito longínquos, o que ocorre são acréscimos de
turbulências extras. Como aconteceu com a Pandemia do Sars-Cov-2, que está
longe de ser superada pela total ineficiência e insuficiência de elementos para
lidar com a situação, satisfatoriamente, e mitigar a gravidade das
consequências.
Então, o que alguns estão
querendo fazer é nada mais nada menos do que “brincar com fogo”. Uma brincadeira cara demais e que pode conduzir
o país a uma instabilidade capaz de deflagrar o colapso das microcrises que já
estão em curso, como a escassez de energia elétrica, a inflação, o aumento na
taxa básica de juros (SELIC), a lentidão do protocolo de vacinação contra a
COVID-19, a redução do poder de compra do consumidor, o desemprego, a pobreza, ...
Parece que a visão de “responsabilidade”
dessas pessoas pode ser sintetizada da seguinte forma, “um fardo descartável e facilmente transferido para os ombros de Deus,
do Destino, da Sina, da Sorte, ou do nosso vizinho. Nos tempos da astrologia,
era comum descarregá-lo para cima de uma estrela” (Ambrose Bierce –
escritor norte-americano).
Mas, sabemos muito bem que não é
assim que a vida funciona. As más escolhas só fazem representar um alto senso
de irresponsabilidade e por isso, “qualquer
vida se torna absurda quando quem a devia governar se deixa levar pela
estagnação dos mesmos hábitos” (José Luís Nunes Martins – filósofo
português).
No fim das contas, a verdade é
que os perigos não estão se desenhando no horizonte, para acontecer hoje,
amanhã ou a qualquer momento. Não, eles já nos atingiram e já nos desalentam no
cotidiano desses últimos anos.
Sendo assim, com ou sem o “circo”, todos os dias, eles já atentam contra as subjetividades e as materialidades da República, da Democracia e da Cidadania, enquanto o povo se submete a aprender a lição de que “Sem dignidade não há liberdade, sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres” (Patrice Lumumba – político congolês). Portanto, o que nos resta saber, agora, é por quanto tempo mais se conseguirá sobreviver a tudo isso.