terça-feira, 24 de agosto de 2021

Há método. Nada é ao acaso.


Há método. Nada é ao acaso.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Até onde sei, diálogo é uma interação comunicativa que depende da disposição e do interesse de duas partes. E nesses quase 3 anos de governo, o Presidente da República não demonstra muita simpatia às movimentações dialógicas na política.

Por isso, não entendo o esforço que tem sido dispensado nos últimos tempos, diante de uma escalada de beligerância explícita manifesta por ele, no sentido de reunir as representações do poder nacional em torno de uma mesa para encontrar um denominador comum e resolutivo para os gigantescos e danosos impasses constituídos.

Observando à distância, a impressão que se tem do Presidente é de alguém investido por uma personagem, um tanto quanto excêntrica, que precisa de muitos ruídos e confrontos constantes para manter atenta a sua plateia, não permitindo incorrer no erro da monotonia sem graça e pouco teatral.

Essa é a razão pela qual, ele jamais se preocupou em moderar as falas, os discursos. O tom precisa ser agressivo, deselegante, ofensivo, raivoso, para compor satisfatoriamente as demandas narrativas a serem sustentadas. Pouco lhe importa o que dizer; mas, como dizer.

Ocorre que o tempo em cartaz costuma desgastar o roteiro e obrigar a trazer elementos surpresa para o espetáculo. Nada que altere, profundamente, a encenação; mas, que cause um certo frisson no público.

E no rol das possibilidades desagradáveis há uma infinidade de opções que ele pode escolher, sem medo de errar. Aliás, muitas delas, ele e seus asseclas já vêm experimentando, há algum tempo, a fim de apurar as repercussões causadas durante as demonstrações.

Frente a tudo isso, eu discordo que esteja em curso somente mais um blefe com fins midiáticos. A ideia de uma ruptura democrática sempre se apresentou tentadora demais para esse governo e, tendo encontrado respaldo ideológico no “Trumpismo”, norte-americano, tenho dúvidas se não tentariam se valer dos mesmos recursos e artifícios.

Ainda que as circunstâncias e realidades sejam distintas, a base de sustentação de extrema-direita é a mesma; portanto, a semelhança de princípios, valores e objetivos tende a funcionar como motivação para uma tentativa. O que não significa uma aposta de sucesso absoluto, porque a imprevisibilidade nessas situações é uma constante indomável. Haja vista o resultado na própria terra dos ianques.

Mas, a ideia é promover o “circo”, o grande espetáculo, causando inquietude e apreensão nas pessoas; mas, particularmente, irritando os opositores de maneira singular. Porque a efervescência retira a possibilidade de diálogo tanto para servir de protagonismo restrito a quem não quer conversa, quanto para postergar, ainda mais, quaisquer possibilidades de enfrentamento das questões práticas demandantes de solução urgente.

É assim, que vejo montado o cenário atual. Há método. Nada é ao acaso. Não há aleatoriedade nos acontecimentos. A grande questão é que os níveis de tensão estão à beira do limite e, a mínima ausência de habilidade para conduzir a situação, pode sim, resultar em algo totalmente fora de controle.

Um ato de exibicionismo, dessa dimensão, nessa conjuntura atual do planeta, num piscar de olhos pode se voltar contra os interesses do próprio país. Mesmo porque, até aqui, a imagem brasileira transmitida para o mundo, em relação a diferentes assuntos, já não tem sido nada positiva.

O Brasil precisa entender que não é um pedaço de terra despregado do planeta, autossuficiente o bastante para viver à revelia de certos parâmetros e paradigmas da sociedade globalizada. Não figuramos entre as grandes potências para nos atrevermos a arroubos irresponsáveis.

A verdade é que vivemos na corda-bamba, há mais de 500 anos, nos equilibrando daqui e dali para sobreviver; mas, muito longe de viver a vida modulada pelas linhas da dignidade provida pelos direitos humanos fundamentais. Por isso, qualquer tempestade por aqui, se torna um tsunami sem maiores esforços.

Afinal, o Brasil não convive com a excepcionalidade de conjunturas adversas, suas mazelas são crônicas e seculares. De tempos em tempos, não muito longínquos, o que ocorre são acréscimos de turbulências extras. Como aconteceu com a Pandemia do Sars-Cov-2, que está longe de ser superada pela total ineficiência e insuficiência de elementos para lidar com a situação, satisfatoriamente, e mitigar a gravidade das consequências.

Então, o que alguns estão querendo fazer é nada mais nada menos do que “brincar com fogo”. Uma brincadeira cara demais e que pode conduzir o país a uma instabilidade capaz de deflagrar o colapso das microcrises que já estão em curso, como a escassez de energia elétrica, a inflação, o aumento na taxa básica de juros (SELIC), a lentidão do protocolo de vacinação contra a COVID-19, a redução do poder de compra do consumidor, o desemprego, a pobreza, ...  

Parece que a visão de “responsabilidade” dessas pessoas pode ser sintetizada da seguinte forma, “um fardo descartável e facilmente transferido para os ombros de Deus, do Destino, da Sina, da Sorte, ou do nosso vizinho. Nos tempos da astrologia, era comum descarregá-lo para cima de uma estrela” (Ambrose Bierce – escritor norte-americano).

Mas, sabemos muito bem que não é assim que a vida funciona. As más escolhas só fazem representar um alto senso de irresponsabilidade e por isso, “qualquer vida se torna absurda quando quem a devia governar se deixa levar pela estagnação dos mesmos hábitos” (José Luís Nunes Martins – filósofo português).

No fim das contas, a verdade é que os perigos não estão se desenhando no horizonte, para acontecer hoje, amanhã ou a qualquer momento. Não, eles já nos atingiram e já nos desalentam no cotidiano desses últimos anos.

Sendo assim, com ou sem o “circo”, todos os dias, eles já atentam contra as subjetividades e as materialidades da República, da Democracia e da Cidadania, enquanto o povo se submete a aprender a lição de que “Sem dignidade não há liberdade, sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres” (Patrice Lumumba – político congolês). Portanto, o que nos resta saber, agora, é por quanto tempo mais se conseguirá sobreviver a tudo isso.