A
sociedade contemporânea... A estiagem contemporânea...
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de relutar
sobre a gravidade da situação elétrica no país, por conta da severa estiagem que
resultou em um baixíssimo volume hídrico, o Comitê de Monitoramento do setor
Elétrico (CMSE) presidido pelo Ministério das Minas e Energia já admite “relevante piora” das condições. Por
isso, o “país terá de usar os estoques
hídricos armazenados nas usinas e flexibilizar regra de operação do rio São
Francisco para tentar evitar apagão e racionamento de energia neste ano” 1..
Poderia dizer até, “antes tarde do que nunca”; mas, nesse
caso é perda de tempo. Todas essas medidas são paliativas e insuficientes para
dar conta de uma situação que caminha rumo ao extremo, há algumas décadas; mas,
teve nesses últimos 3 anos o apogeu da sua catástrofe.
Estou me referindo
aqui, ao avassalador processo de queima e desmatamento dos principais biomas
nacionais que produz um efeito direto na formação de nuvens e, por
consequência, de chuva a ser distribuída em todo o território.
Segundo relatório 2 do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), publicado em 2014, “cada
árvore amazônica de grande porte pode evaporar mais de mil litros de água por
dia. A estimativa é que a floresta amazônica transpire 20 bilhões de toneladas
de água por dia (20 trilhões de litros). A grande umidade evaporada pelas
árvores gera “rios voadores”3 na
atmosfera, que carregam vapor e geram correntes aéreas (ventos) que irrigam
regiões distantes. O fluxo de água é conduzido por territórios a leste dos
Andes e para áreas continente adentro, no sentido oeste e sudeste. A Amazônia
também seria responsável por evitar eventos climáticos extremos em regiões de
florestas e arredores. Isso porque a copa das árvores provoca um efeito de
‘frenagem’ dos ventos que vem do oceano, o que equilibra a distribuição e o
efeito dissipador da energia dos ventos. Assim, sua cobertura vegetal seria uma
proteção contra furacões e tornados” 4.
Diante dessas
considerações, se o Brasil mantiver o ritmo de destruição dos biomas, a
pluviometria nacional estará comprometida, o que significa que poços, açudes,
reservatórios e cursos d’água, incluindo nascentes, córregos, rios e lagos,
irão secar e não haverá possibilidade de satisfazer as demandas de energia
elétrica de mais de 200 milhões de habitantes.
Mas, não é só isso. A
escassez hídrica compromete o abastecimento para fins de higiene, consumo e
produção agropecuária; de modo que, ela reflete diretamente nos custos de bens
e serviços, impulsionando a inflação e interferindo no Produto Interno Bruto
(PIB) do país.
E não se trata de
especulação ou alarmismo. O próprio INPE, em seu monitoramento de 1º de janeiro
a 23 de agosto deste ano, constatou “mais
foco de incêndio do que o total registrado nos oito primeiros meses completos
de 2020. Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia e a Mata Atlântica
contabilizaram mais focos de incêndio nos primeiros 23 dias de agosto do que os
outros índices mensais do ano” 5.
A questão, nessa
queda de braços entre ser humano e Meio Ambiente, demonstra com clareza que,
inicialmente, quem perde é a Natureza; mas, depois, as consequências para a
população são ainda piores e podem sim, matar. Haja vista as oscilações
extremas de amplitude térmica, acima (hipertermia) ou abaixo (hipotermia) do
padrão normal de temperatura, para o qual o ser humano está adaptado.
É uma pena que uma
parcela significativa da população esteja desconsiderando, mais uma vez, os
fatos cotidianos e as comprovações científicas, para permanecerem servindo como
agentes voluntários da destruição do próprio país. Porque o ônus dessa
irresponsabilidade vai muito além do que se possa imaginar.
Não se resume aos
impactos negativos causados aos diversos setores da economia. Eles
vulnerabilizam, aquilo que deveria ser o bem mais preciso para um ser humano, a
saúde. O que se explica pela ocorrência, por exemplo, de insegurança alimentar
e nutricional, pela disseminação de doenças virais, bacterianas e fúngicas
através dos particulados provenientes das queimadas, pela exposição ao stress
climático advindo da formação de ilhas de calor, enfim...
O que traz
perplexidade diante de tudo isso, é o fato de que o fogo e o desmatamento que
se tem notícia são de origem antrópica. Há pessoas imbuídas em promover esse
movimento de extermínio socioambiental, porque acreditam fixamente que esse processo
resultará em lucro e enriquecimento rápido; semelhante ao que fizeram os
colonizadores no século XVI.
Mas, não. Estamos no
século XXI, e os resultados do passado já foram provados e contestados, a tal
ponto, que a sociedade contemporânea está as voltas em tentar salvar o que
ainda for possível, em nome de sua própria sobrevivência, mesmo que efêmera.
O interessante é que
os indígenas sempre souberam disso. Daí o seu provérbio, “só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o
último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro”. Eles
podem, então, ser considerados os grandes precursores do que chamamos hoje,
Desenvolvimento Sustentável.
Porque sempre compreenderam
que sua sobrevivência e existência, em curto, médio e longo prazo, dependia do
estabelecimento de uma relação harmônica e de parceria com a Natureza. Enquanto,
o restante da humanidade, submetido aos rigores civilizatórios estabelecidos
pelos parâmetros urbano-industriais, tornou-se incapaz de tal sutileza.
Como escreveu Aldous
Huxley, “A felicidade universal mantém as
engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de
fazê-lo” (Admirável Mundo Novo). Isso, talvez, consiga nos fazer entender
porque as pessoas não sentem quaisquer receios em viver em um mundo árido, sem
vida, sem água.
A maquinização lhes apropriou de tal de forma, que sua razão trabalha à revelia da sensibilidade ou quaisquer outros sentimentos e necessidades humano biológicas. Tudo em si trabalha sob o jugo do poder capital. Por isso, as perdas são parte da linha de produção, que se contenta com a dinâmica das “peças substituíveis”, independentemente do amanhã.