quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A sociedade contemporânea... A estiagem contemporânea...


A sociedade contemporânea... A estiagem contemporânea...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois de relutar sobre a gravidade da situação elétrica no país, por conta da severa estiagem que resultou em um baixíssimo volume hídrico, o Comitê de Monitoramento do setor Elétrico (CMSE) presidido pelo Ministério das Minas e Energia já admite “relevante piora” das condições. Por isso, o “país terá de usar os estoques hídricos armazenados nas usinas e flexibilizar regra de operação do rio São Francisco para tentar evitar apagão e racionamento de energia neste ano” 1..

Poderia dizer até, “antes tarde do que nunca”; mas, nesse caso é perda de tempo. Todas essas medidas são paliativas e insuficientes para dar conta de uma situação que caminha rumo ao extremo, há algumas décadas; mas, teve nesses últimos 3 anos o apogeu da sua catástrofe.

Estou me referindo aqui, ao avassalador processo de queima e desmatamento dos principais biomas nacionais que produz um efeito direto na formação de nuvens e, por consequência, de chuva a ser distribuída em todo o território.

Segundo relatório 2 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), publicado em 2014, “cada árvore amazônica de grande porte pode evaporar mais de mil litros de água por dia. A estimativa é que a floresta amazônica transpire 20 bilhões de toneladas de água por dia (20 trilhões de litros). A grande umidade evaporada pelas árvores gera “rios voadores”3 na atmosfera, que carregam vapor e geram correntes aéreas (ventos) que irrigam regiões distantes. O fluxo de água é conduzido por territórios a leste dos Andes e para áreas continente adentro, no sentido oeste e sudeste. A Amazônia também seria responsável por evitar eventos climáticos extremos em regiões de florestas e arredores. Isso porque a copa das árvores provoca um efeito de ‘frenagem’ dos ventos que vem do oceano, o que equilibra a distribuição e o efeito dissipador da energia dos ventos. Assim, sua cobertura vegetal seria uma proteção contra furacões e tornados” 4.

Diante dessas considerações, se o Brasil mantiver o ritmo de destruição dos biomas, a pluviometria nacional estará comprometida, o que significa que poços, açudes, reservatórios e cursos d’água, incluindo nascentes, córregos, rios e lagos, irão secar e não haverá possibilidade de satisfazer as demandas de energia elétrica de mais de 200 milhões de habitantes.

Mas, não é só isso. A escassez hídrica compromete o abastecimento para fins de higiene, consumo e produção agropecuária; de modo que, ela reflete diretamente nos custos de bens e serviços, impulsionando a inflação e interferindo no Produto Interno Bruto (PIB) do país.

E não se trata de especulação ou alarmismo. O próprio INPE, em seu monitoramento de 1º de janeiro a 23 de agosto deste ano, constatou “mais foco de incêndio do que o total registrado nos oito primeiros meses completos de 2020. Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia e a Mata Atlântica contabilizaram mais focos de incêndio nos primeiros 23 dias de agosto do que os outros índices mensais do ano” 5.

A questão, nessa queda de braços entre ser humano e Meio Ambiente, demonstra com clareza que, inicialmente, quem perde é a Natureza; mas, depois, as consequências para a população são ainda piores e podem sim, matar. Haja vista as oscilações extremas de amplitude térmica, acima (hipertermia) ou abaixo (hipotermia) do padrão normal de temperatura, para o qual o ser humano está adaptado.

É uma pena que uma parcela significativa da população esteja desconsiderando, mais uma vez, os fatos cotidianos e as comprovações científicas, para permanecerem servindo como agentes voluntários da destruição do próprio país. Porque o ônus dessa irresponsabilidade vai muito além do que se possa imaginar.

Não se resume aos impactos negativos causados aos diversos setores da economia. Eles vulnerabilizam, aquilo que deveria ser o bem mais preciso para um ser humano, a saúde. O que se explica pela ocorrência, por exemplo, de insegurança alimentar e nutricional, pela disseminação de doenças virais, bacterianas e fúngicas através dos particulados provenientes das queimadas, pela exposição ao stress climático advindo da formação de ilhas de calor, enfim...

O que traz perplexidade diante de tudo isso, é o fato de que o fogo e o desmatamento que se tem notícia são de origem antrópica. Há pessoas imbuídas em promover esse movimento de extermínio socioambiental, porque acreditam fixamente que esse processo resultará em lucro e enriquecimento rápido; semelhante ao que fizeram os colonizadores no século XVI.

Mas, não. Estamos no século XXI, e os resultados do passado já foram provados e contestados, a tal ponto, que a sociedade contemporânea está as voltas em tentar salvar o que ainda for possível, em nome de sua própria sobrevivência, mesmo que efêmera.  

O interessante é que os indígenas sempre souberam disso. Daí o seu provérbio, “só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro”. Eles podem, então, ser considerados os grandes precursores do que chamamos hoje, Desenvolvimento Sustentável.

Porque sempre compreenderam que sua sobrevivência e existência, em curto, médio e longo prazo, dependia do estabelecimento de uma relação harmônica e de parceria com a Natureza. Enquanto, o restante da humanidade, submetido aos rigores civilizatórios estabelecidos pelos parâmetros urbano-industriais, tornou-se incapaz de tal sutileza.

Como escreveu Aldous Huxley, “A felicidade universal mantém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de fazê-lo” (Admirável Mundo Novo). Isso, talvez, consiga nos fazer entender porque as pessoas não sentem quaisquer receios em viver em um mundo árido, sem vida, sem água.

A maquinização lhes apropriou de tal de forma, que sua razão trabalha à revelia da sensibilidade ou quaisquer outros sentimentos e necessidades humano biológicas. Tudo em si trabalha sob o jugo do poder capital.  Por isso, as perdas são parte da linha de produção, que se contenta com a dinâmica das “peças substituíveis”, independentemente do amanhã.