Será
que “José” virou palhaço?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Então, é assim? Coloquem no rosto
o seu nariz de palhaço, porque o escárnio é geral. Já se preocuparam em saber as
principais manchetes do dia? Elas deixam isso bem claro. Mas, nem cabe o
espanto, porque no ritmo das contemporizações, dos panos quentes, de uma
diplomacia interpartidária de botequim, o Brasil está sendo esfacelado sem que
ninguém tome uma providência a respeito.
Enquanto boa parte do mundo luta
com unhas e dentes para recuperar-se dos efeitos desastrosos da Pandemia, o
Brasil, cuja situação já era periclitante antes da catástrofe sanitária, parece
não se importar em permanecer derretendo a olhos vistos, graças a diretrizes e
políticas absurdamente equivocadas, para não dizer, erráticas.
Segundo dados de 2020, publicados
pelo Anuário de Competitividade Mundial, desenvolvido pelo IMD World
Competitiveness Center, que é dedicado a verificar o ambiente econômico e
social do país para gerar inovação e se destacar no cenário global, o Brasil se
encontra na 57ª posição dentro de uma lista de 64 países. Uma informação
teórica consistente para uma realidade prática experimentada pelo cidadão
nacional.
Miséria. Desemprego. Desalento.
Déficit educacional. Desestímulo acadêmico-científico. Guerra contra o
desenvolvimento sustentável. São apenas alguns itens de um cardápio variado da
deterioração nacional, que vem se agravando nos últimos 2,5 anos, sem vistas de
recuperação, melhora ou transformação. Há uma inação institucional em curso, a
qual, por mais que se tente compreender, é totalmente inexplicável, segundo o
panorama do mundo atual.
E beirando as raias de uma
dramaticidade socioeconômica gritante, não me parece estranho pensar que as
decisões estapafúrdias, que vêm sendo tomadas no contexto da Pandemia, sejam de
algum modo convenientes para ofuscar a incapacidade de resolver os problemas criados
anteriormente. Afinal, o imobilismo que se enxerga nos diversos setores da vida
cotidiana tem sido justificado pela Pandemia, de modo que isso cria uma expectativa
em torno de uma retomada quando ela arrefecer.
Ora, diante de uma lentidão extraordinária
da vacinação populacional, da inexistência de um plano de testagem em massa, do
constante enviesamento discursivo sobre as medidas de isolamento e prevenção –
uso de máscaras, higienização das mãos, álcool em gel, a expectativa do cidadão
se torna cada vez mais uma expectativa, distante, futurista. Sem contar que não
se vê esforços concretos, por parte das autoridades, de quem poderia agir para
coibir tamanho desrespeito e negligência.
Estamos diante de um gigantesco
palanque retórico, cujos discursos são meras palavras aspergidas ao vento, sem
nenhuma intenção responsável de cuidar e preservar a vida e a dignidade de
centenas de milhares de cidadãos pagadores costumazes de impostos e tributos. Assistindo ao desastre de sermos soterrados
pela incompetência e inabilidade elevadas à enésima potência, em tempo real.
Mais de meio milhão de
brasileiros já foi morto. A questão é que se a COVID-19, uma causa visível e palpável
entre todos, não foi capaz de mudar o curso dos acontecimentos, o que será do
restante da população diante de inúmeras outras causas de letalidade, hein? Sim,
porque o panorama conjuntural não vem deixando dúvidas de que esse tende a ser
o caminho.
Afinal, o Brasil é notoriamente
conhecido como um país de desassistências crônicas, seculares, cujas epidemias
acontecem de acordo com o grau de desorganização imposto pelas conjunturas. Uma
hora são doenças. Tuberculose. AIDS. Febre Amarela. Dengue, Zika e Chikungunya.
Malária. ... Outra são as violências. Chacinas. Espancamentos. Cárcere privado.
Atropelamento. Abuso de autoridade. ... Outra são as carências. Desnutrição e
subnutrição. Desemprego. Evasão escolar. Mendicância. Déficit habitacional. ...
Não precisa ser nenhum gênio para
perceber que estamos andando em círculos, sem resolver absolutamente nada. Nos intoxicando
diariamente por cortinas de fumaça, enquanto os dias parecem não ter fim. Estamos
vivendo sob um cotidiano massificado pela arbitrariedade da inoperância. Consumidos
pela força invisível da carência de perspectivas e de expectativas. Na mais
perfeita personificação de José, poema 1
de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente em 1942, em plena 2ª
Guerra Mundial.
A questão é que se as palavras de
Drummond já nos definiram, resta saber, quando nos apropriaremos do protagonismo
que elas nos ofertam. Assim, queiram ou não admitir chegamos ao nosso ponto de
inflexão.
Hora de responder objetiva e
responsavelmente às seguintes perguntas, que nos chegam de maneira subliminar: “De
que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei? ” (Mia Couto – O Fio das
Missangas 2).
Porque o tempo urge e a vida é
breve. Enquanto estabelecemos essa reflexão, os absurdos corroem o país como
uma ferrugem voraz. O que demonstra que não falta disposição no país; apenas, o
ímpeto e a verdadeira cidadania para querer fazer a coisa certa.