domingo, 18 de julho de 2021

Será que “José” virou palhaço?!


Será que “José” virou palhaço?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Então, é assim? Coloquem no rosto o seu nariz de palhaço, porque o escárnio é geral. Já se preocuparam em saber as principais manchetes do dia? Elas deixam isso bem claro. Mas, nem cabe o espanto, porque no ritmo das contemporizações, dos panos quentes, de uma diplomacia interpartidária de botequim, o Brasil está sendo esfacelado sem que ninguém tome uma providência a respeito.  

Enquanto boa parte do mundo luta com unhas e dentes para recuperar-se dos efeitos desastrosos da Pandemia, o Brasil, cuja situação já era periclitante antes da catástrofe sanitária, parece não se importar em permanecer derretendo a olhos vistos, graças a diretrizes e políticas absurdamente equivocadas, para não dizer, erráticas.

Segundo dados de 2020, publicados pelo Anuário de Competitividade Mundial, desenvolvido pelo IMD World Competitiveness Center, que é dedicado a verificar o ambiente econômico e social do país para gerar inovação e se destacar no cenário global, o Brasil se encontra na 57ª posição dentro de uma lista de 64 países. Uma informação teórica consistente para uma realidade prática experimentada pelo cidadão nacional.

Miséria. Desemprego. Desalento. Déficit educacional. Desestímulo acadêmico-científico. Guerra contra o desenvolvimento sustentável. São apenas alguns itens de um cardápio variado da deterioração nacional, que vem se agravando nos últimos 2,5 anos, sem vistas de recuperação, melhora ou transformação. Há uma inação institucional em curso, a qual, por mais que se tente compreender, é totalmente inexplicável, segundo o panorama do mundo atual.

E beirando as raias de uma dramaticidade socioeconômica gritante, não me parece estranho pensar que as decisões estapafúrdias, que vêm sendo tomadas no contexto da Pandemia, sejam de algum modo convenientes para ofuscar a incapacidade de resolver os problemas criados anteriormente. Afinal, o imobilismo que se enxerga nos diversos setores da vida cotidiana tem sido justificado pela Pandemia, de modo que isso cria uma expectativa em torno de uma retomada quando ela arrefecer.

Ora, diante de uma lentidão extraordinária da vacinação populacional, da inexistência de um plano de testagem em massa, do constante enviesamento discursivo sobre as medidas de isolamento e prevenção – uso de máscaras, higienização das mãos, álcool em gel, a expectativa do cidadão se torna cada vez mais uma expectativa, distante, futurista. Sem contar que não se vê esforços concretos, por parte das autoridades, de quem poderia agir para coibir tamanho desrespeito e negligência.

Estamos diante de um gigantesco palanque retórico, cujos discursos são meras palavras aspergidas ao vento, sem nenhuma intenção responsável de cuidar e preservar a vida e a dignidade de centenas de milhares de cidadãos pagadores costumazes de impostos e tributos.  Assistindo ao desastre de sermos soterrados pela incompetência e inabilidade elevadas à enésima potência, em tempo real.

Mais de meio milhão de brasileiros já foi morto. A questão é que se a COVID-19, uma causa visível e palpável entre todos, não foi capaz de mudar o curso dos acontecimentos, o que será do restante da população diante de inúmeras outras causas de letalidade, hein? Sim, porque o panorama conjuntural não vem deixando dúvidas de que esse tende a ser o caminho.

Afinal, o Brasil é notoriamente conhecido como um país de desassistências crônicas, seculares, cujas epidemias acontecem de acordo com o grau de desorganização imposto pelas conjunturas. Uma hora são doenças. Tuberculose. AIDS. Febre Amarela. Dengue, Zika e Chikungunya. Malária. ... Outra são as violências. Chacinas. Espancamentos. Cárcere privado. Atropelamento. Abuso de autoridade. ... Outra são as carências. Desnutrição e subnutrição. Desemprego. Evasão escolar. Mendicância. Déficit habitacional. ...   

Não precisa ser nenhum gênio para perceber que estamos andando em círculos, sem resolver absolutamente nada. Nos intoxicando diariamente por cortinas de fumaça, enquanto os dias parecem não ter fim. Estamos vivendo sob um cotidiano massificado pela arbitrariedade da inoperância. Consumidos pela força invisível da carência de perspectivas e de expectativas. Na mais perfeita personificação de José, poema 1 de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente em 1942, em plena 2ª Guerra Mundial.  

A questão é que se as palavras de Drummond já nos definiram, resta saber, quando nos apropriaremos do protagonismo que elas nos ofertam. Assim, queiram ou não admitir chegamos ao nosso ponto de inflexão.

Hora de responder objetiva e responsavelmente às seguintes perguntas, que nos chegam de maneira subliminar: “De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei? ” (Mia Couto – O Fio das Missangas 2).

Porque o tempo urge e a vida é breve. Enquanto estabelecemos essa reflexão, os absurdos corroem o país como uma ferrugem voraz. O que demonstra que não falta disposição no país; apenas, o ímpeto e a verdadeira cidadania para querer fazer a coisa certa.



2 COUTO, M. O Fio das Missangas. Alfragide, Portugal: Caminho, 2003. 152p.  

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