quinta-feira, 29 de julho de 2021

Muito além da superação...


Muito além da superação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Passada a explosão de emoção, a memória faz lembrar e pensar sobre todo o percurso da história. Pode ser que, em razão da Pandemia, esses Jogos Olímpicos sejam considerados os “jogos da superação”; mas, para os brasileiros não, porque superar sempre foi o verbo principal de suas jornadas desportivas.

Diferentes motivos conduzem nossos atletas para as arenas da superação. Dificuldades materiais e imateriais compõem um mosaico de desafios a colocar em xeque as habilidades, competências e talentos de quem se dedica a ser atleta no Brasil.

Vê-se que a tarefa não é nada fácil, observando o acervo de medalhas conquistadas ao longo de décadas. Sim, são poucas se comparadas as expectativas e perspectivas lançadas sobre os atletas.

Mas, cada uma delas representa um passo à frente rumo a visibilidade do esporte brasileiro, porque muitas das modalidades disputadas, ainda, carregam o peso da hegemonia geopolítica do mundo, onde países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, desfrutam de nenhuma ou muito pouca atenção, privilégio ou regalia em eventos desportivos.

Pois é, se engana quem pensa que a Olimpíada se resume a elevar os mais fortes, altos e velozes, partindo do desenvolvimento das aptidões de seus corpos, por meio da prática exaustiva das séries de exercícios bem treinados. Mais do que isso, a Olimpíada não é um território neutro na dinâmica de guerra e paz do mundo.

Nas entrelinhas da subjetividade do olhar de arbítrio dos juízes, e demais atletas, estão motivações desconhecidas do grande público, razões que o esporte em si não permite confessar, mas que existem sim.

No entanto, ali, no momento exato da disputa aparecem ajustadas para caber dentro das regras protocolares específicas de cada desporto, a fim de se evitar maiores desdobramentos e clamores reivindicatórios. Quase que uma manifestação de soberania do esporte.

De modo que cada delegação tem o seu espaço firmado enquanto representação diplomática de um país; pois, as competições se sucedem, apesar de o mundo, como é, continuar sua saga de desafios, exibindo uns aos outros seus feitos e derrotas, seus poderes e suas fragilidades.

Algo que para o Brasil, não garante, então, uma posição de destaque positivo entre os demais, dadas as ranhuras desferidas por si mesmo contra a própria imagem geopolítica, em diversos campos de discussão. Meio ambiente e sustentabilidade. Violências. Pandemia. Radicalismo dos ideais da extrema-direita. Enfim...

Daí a possibilidade de caberem tantas “frustrações” pelo caminho. Mesmo nos esportes individuais, o êxito não pertence só ao indivíduo; mas, a um conjunto de variáveis objetivas e subjetivas, as quais estão dentro e fora da sua delegação.

Por isso, não é um caso para se desculpar diante da derrota. Nem sempre está na falha humana, do atleta, o fiel dessa balança. Parafraseando Shakespeare, “há razões que a própria razão desconhece” e, talvez, nunca conhecerá. Sei que é difícil entender e assimilar tudo isso, pois somos brasileiros, latinos, passionais ao extremo. 

Mas, talvez, este seja o melhor momento para traçarmos uma outra via de análise sobre essas questões. Porque se o resultado não reflete só uma dependência exclusiva do atleta, comissão técnica e infraestrutura de treinamento, o país em si pode estar obstaculizando o sucesso dos desportistas não só por carências orçamentárias ao esporte e/ou por eventuais predileções desportivas; mas, pela sua representatividade no cenário mundial.

Em plena era da tecnologia e da informação, essa aura pesada que envolve o Brasil já transcendeu mundo afora. O país está nas manchetes, diariamente, e pelas piores razões possíveis, as quais vão muito além da forma com a qual tem conduzido a Pandemia.

Então, querendo ou não, isso pesa sobre os atletas, os cidadãos brasileiros em questão, sejam eles a favor ou contra o atual governo. Porque o Brasil, ainda, é uma democracia, o que exige responsabilidade cidadã de todos.  

Isso significa que essa conjuntura, de certo modo, leva a pensar sobre o modo como se desenvolve a resultante de fragilidades existentes na formação e qualificação dos atletas brasileiros, visivelmente desprivilegiados como uma prioridade para o país.

Aliás, o esporte nunca foi uma prioridade nacional, assim como, a Educação, a Cultura, a Ciência. Então, quando um atleta brasileiro chega para competir, já se imagina que ele está em uma posição de menor favoritismo. Com exceção daqueles que para se sobressaírem e conseguirem romper com todos os obstáculos dispostos nos seus caminhos de treinamento e competição, fazem por si mesmos.

Infelizmente, não dá para dissociar Esporte de Política ou Economia. Se o país vai mal, certamente o esporte tende a acompanhar; sobretudo, o esporte de alto rendimento. A negatividade da imagem de uma nação se reflete no conjunto de todas as ações que o representam. Por isso, tantas se preocupam em não se tornar um pária internacional. Porque de maneira objetiva ou subliminar as consequências e os prejuízos são inevitáveis. 

Assim, cada medalha merece ser celebrada, comemorada e enaltecida de maneira especial. Cada medalha conquistada se torna um ato de resistência, de bravura, de ousadia, em nome da dignidade e da cidadania do país; mesmo, quando se sabe que os resultados poderiam, de algum modo, ser ainda melhores.

Talvez, o mais importante que se tenha conquistado nesses Jogos Olímpicos seja a compreensão de que não importa descobrir quem são, ou onde estão, nossos maiores inimigos. Mas, somente, focar em trabalhar para ultrapassar nossos adversários nos ginásios, nas piscinas, nas quadras, nas pistas ou em quaisquer outros espaços de competição. Porque “o adversário é um parceiro necessário ao progresso, a vida da humanidade baseia-se nesse princípio” (Jigoro Kano – fundador da arte marcial judô e responsável pela reforma do jiu-jitsu).