Muito
além da superação...
Por
Alessandra Leles Rocha
Passada a explosão de emoção, a
memória faz lembrar e pensar sobre todo o percurso da história. Pode ser que,
em razão da Pandemia, esses Jogos Olímpicos sejam considerados os “jogos da superação”; mas, para os
brasileiros não, porque superar sempre foi o verbo principal de suas jornadas
desportivas.
Diferentes motivos conduzem
nossos atletas para as arenas da superação. Dificuldades materiais e imateriais
compõem um mosaico de desafios a colocar em xeque as habilidades, competências
e talentos de quem se dedica a ser atleta no Brasil.
Vê-se que a tarefa não é nada
fácil, observando o acervo de medalhas conquistadas ao longo de décadas. Sim, são
poucas se comparadas as expectativas e perspectivas lançadas sobre os atletas.
Mas, cada uma delas representa um
passo à frente rumo a visibilidade do esporte brasileiro, porque muitas das
modalidades disputadas, ainda, carregam o peso da hegemonia geopolítica do
mundo, onde países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, desfrutam de
nenhuma ou muito pouca atenção, privilégio ou regalia em eventos desportivos.
Pois é, se engana quem pensa que
a Olimpíada se resume a elevar os mais fortes, altos e velozes, partindo do
desenvolvimento das aptidões de seus corpos, por meio da prática exaustiva das
séries de exercícios bem treinados. Mais do que isso, a Olimpíada não é um
território neutro na dinâmica de guerra e paz do mundo.
Nas entrelinhas da subjetividade
do olhar de arbítrio dos juízes, e demais atletas, estão motivações
desconhecidas do grande público, razões que o esporte em si não permite
confessar, mas que existem sim.
No entanto, ali, no momento exato
da disputa aparecem ajustadas para caber dentro das regras protocolares específicas
de cada desporto, a fim de se evitar maiores desdobramentos e clamores
reivindicatórios. Quase que uma manifestação de soberania do esporte.
De modo que cada delegação tem o
seu espaço firmado enquanto representação diplomática de um país; pois, as
competições se sucedem, apesar de o mundo, como é, continuar sua saga de
desafios, exibindo uns aos outros seus feitos e derrotas, seus poderes e suas
fragilidades.
Algo que para o Brasil, não
garante, então, uma posição de destaque positivo entre os demais, dadas as ranhuras
desferidas por si mesmo contra a própria imagem geopolítica, em diversos campos
de discussão. Meio ambiente e sustentabilidade. Violências. Pandemia.
Radicalismo dos ideais da extrema-direita. Enfim...
Daí a possibilidade de caberem
tantas “frustrações” pelo caminho.
Mesmo nos esportes individuais, o êxito não pertence só ao indivíduo; mas, a um
conjunto de variáveis objetivas e subjetivas, as quais estão dentro e fora da
sua delegação.
Por isso, não é um caso para se
desculpar diante da derrota. Nem sempre está na falha humana, do atleta, o fiel
dessa balança. Parafraseando Shakespeare, “há
razões que a própria razão desconhece” e, talvez, nunca conhecerá. Sei que
é difícil entender e assimilar tudo isso, pois somos brasileiros, latinos,
passionais ao extremo.
Mas, talvez, este seja o melhor
momento para traçarmos uma outra via de análise sobre essas questões. Porque se
o resultado não reflete só uma dependência exclusiva do atleta, comissão
técnica e infraestrutura de treinamento, o país em si pode estar obstaculizando
o sucesso dos desportistas não só por carências orçamentárias ao esporte e/ou
por eventuais predileções desportivas; mas, pela sua representatividade no
cenário mundial.
Em plena era da tecnologia e da
informação, essa aura pesada que envolve o Brasil já transcendeu mundo afora. O
país está nas manchetes, diariamente, e pelas piores razões possíveis, as quais
vão muito além da forma com a qual tem conduzido a Pandemia.
Então, querendo ou não, isso pesa
sobre os atletas, os cidadãos brasileiros em questão, sejam eles a favor ou
contra o atual governo. Porque o Brasil, ainda, é uma democracia, o que exige
responsabilidade cidadã de todos.
Isso significa que essa
conjuntura, de certo modo, leva a pensar sobre o modo como se desenvolve a
resultante de fragilidades existentes na formação e qualificação dos atletas
brasileiros, visivelmente desprivilegiados como uma prioridade para o país.
Aliás, o esporte nunca foi uma
prioridade nacional, assim como, a Educação, a Cultura, a Ciência. Então,
quando um atleta brasileiro chega para competir, já se imagina que ele está em
uma posição de menor favoritismo. Com exceção daqueles que para se sobressaírem
e conseguirem romper com todos os obstáculos dispostos nos seus caminhos de
treinamento e competição, fazem por si mesmos.
Infelizmente, não dá para
dissociar Esporte de Política ou Economia. Se o país vai mal, certamente o
esporte tende a acompanhar; sobretudo, o esporte de alto rendimento. A
negatividade da imagem de uma nação se reflete no conjunto de todas as ações
que o representam. Por isso, tantas se preocupam em não se tornar um pária
internacional. Porque de maneira objetiva ou subliminar as consequências e os
prejuízos são inevitáveis.
Assim, cada medalha merece ser
celebrada, comemorada e enaltecida de maneira especial. Cada medalha
conquistada se torna um ato de resistência, de bravura, de ousadia, em nome da
dignidade e da cidadania do país; mesmo, quando se sabe que os resultados
poderiam, de algum modo, ser ainda melhores.
Talvez, o mais importante que se
tenha conquistado nesses Jogos Olímpicos seja a compreensão de que não importa
descobrir quem são, ou onde estão, nossos maiores inimigos. Mas, somente, focar
em trabalhar para ultrapassar nossos adversários nos ginásios, nas piscinas,
nas quadras, nas pistas ou em quaisquer outros espaços de competição. Porque “o adversário é um parceiro necessário ao
progresso, a vida da humanidade baseia-se nesse princípio” (Jigoro Kano –
fundador da arte marcial judô e responsável pela reforma do jiu-jitsu).