Medalha
de ouro para a insensatez
Por
Alessandra Leles Rocha
O ápice da carreira desportiva de
um atleta de alto nível está representado pela oportunidade de participar de
uma Olimpíada. Afinal, esse é um privilégio de poucos! Competir entre os mais
velozes, mais altos e mais fortes é transitar por um caminho seleto, marcado
por regras e determinações bastante rígidas.
No entanto, os Jogos Olímpicos que
se iniciarão nos próximos dias, na terra do sol nascente, trazem em si as
cicatrizes da Pandemia, ainda, em curso. Foi preciso cancelar o evento que
aconteceria em 2020 e redesenhá-lo, dentro dos moldes sanitários vigentes, para
possibilitá-lo em 2021.
Tempos difíceis para o Comitê Olímpico
Internacional (COI), Comitê Organizador dos jogos, dirigentes, staff técnico e atletas, quando cada um
teve que reaprender a ser, como cidadão e como desportista, buscando alternativas,
inovando, perseverando nas adversidades impostas pelo vírus. Por isso, concordo
com todos aqueles que já manifestaram que esta não será uma Olimpíada pela
conquista de medalhas, mas da materialização da própria superação.
Razão pela qual, o tamanho da
expectativa centrada nesses jogos. Porque cada ciclo olímpico é único e, nem
sempre, os atletas que participam de um têm a oportunidade de fazê-lo outras
vezes. Idade, peso, lesões, fraturas, doping, são alguns dos fatores que
interferem nas condições do atleta, para buscar o índice que assegura a vaga
nos jogos. É a dedicação de muitos anos sintetizada naquele ciclo preparatório,
para competir, se tudo der certo, por alguns breves minutos.
E dessa vez, muitos padeceram a
infelicidade de contrair o Sars-Cov-2, dentro do ciclo olímpico, e enfrentar os
desafios da recuperação, sem perder, demasiadamente, o nível de desempenho físico
e mental. Fora das suas zonas de conforto para o treinamento, sem competições
para aferir seu grau de rendimento, ser contaminado pelo vírus tornou-se um
desafio, a mais, para a manutenção do equilíbrio e do foco pelos atletas.
Porque até onde se imagina, o
fundamental na vida de um atleta de alta performance é estar sempre no topo das
suas melhores condições físicas, emocionais e psicológicas. Mas, hoje, lendo
uma matéria, publicada pelo UOL News 1,
descobri que dentre os 301 atletas brasileiros, que irão para Tóquio, competir
nesses Jogos Olímpicos, houve quem não aceitasse ser imunizado com a vacina
contra a COVID-19.
Isso significa que questões
político-ideológicas foram elevadas ao rol do fundamental, na vida de alguns
atletas brasileiros de alta performance; mesmo que, isso implique na segurança
da sua saúde para a competição. O que, então, deixa evidenciada a sua
indiferença tanto em relação à conquista de medalhas quanto a superação; posto
que, as suas condições físicas foram colocadas em posição de vulnerabilidade a
um eventual contágio.
Não importa se a vacinação não é
uma exigência estabelecida para a Olimpíada. Esse é um argumento muito inconsistente
diante de uma realidade que já matou mais de 4 milhões de seres humanos em todo
o mundo. Vacinar é um compromisso humanitário de respeito mútuo, porque o
arrefecimento das doenças passíveis de imunização, só acontece depois que a
maior parte da população recebe as doses necessárias da vacina.
E não é pelo “espírito olímpico”
que se vai à Olimpíada? Pela manifestação dos valores que se quer ver no mundo,
ou seja, a vitória pelo próprio esforço, a ética para atingir objetivos, a
aceitação das derrotas e a persistência nutrida pela coragem e determinação?
Então, por que se prestar ao papel de exercer a desigualdade em relação aos
demais competidores? Por que ser diferente dentro de uma conjuntura tão
delicada como agora?
O desrespeito não é uma palavra
que cabe somente dentro de um contexto. Quem desrespeita, desrespeita. Não é à toa
que a história da Olimpíada está repleta, por exemplo, de casos de doping. Alguns
intencionais, outros não; mas, nem por isso, menos traumáticos para os
envolvidos.
Mas, a bola da vez é só uma vacina.
É sobre ela que está recaindo o desrespeito de alguns e reverberando um
mal-estar sobre todo o evento. Uma vacina que já passou pelo crivo das
autoridades competentes e que representa, simplesmente, mais uma estratégia de
segurança contra os avanços da Pandemia.
Recentemente, na Copa América,
realizada no Brasil, todos puderam ver como o risco de contaminação existe em
competições desportivas, ainda que sob protocolos sanitários. Foram 198 casos
confirmados e uma nova variante do Sars-Cov-2, a (VOI) B. 1. 621 deu entrada no
país, por meio de integrantes contaminados nas delegações da Colômbia e do
Equador, que jogaram em Cuiabá 2.
As autoridades responsáveis pela
Copa América assumiram esses riscos e, por consequência, os próprios atletas
que não se abstiveram de participar do evento. Por sorte não houve ocorrências gravíssimas;
mas, na loteria do vírus tudo pode acontecer e, os desdobramentos e consequências,
ainda não podem ser descartados. Ao longo de todo esse período de Pandemia, mesmo
indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves vieram, posteriormente,
apresentar sequelas importantes.
Enfim, a delegação brasileira
rumo à Tóquio segue maculada por essa posição político-ideológica infeliz. Não importa
quem, ou quantos, sejam os atletas que recusaram a vacina. A delegação é uma
representação diplomática do país e precisa ser uníssona nas suas
manifestações. Ora, negar a ciência é negar, também, o esporte.
O que está além do visível nas
quadras, nas piscinas, nas pistas, nos estádios, é a excelência da Ciência e da
Tecnologia, por meio dos equipamentos, das roupas, dos calçados, dos métodos,
dos protocolos de treinamento, da alimentação, ... e tudo isso representa uma
diversidade de esforços e investimentos empenhados, os quais nem todos os brasileiros
têm acesso. Num país de tantas desigualdades, atletas olímpicos são uma elite
privilegiada e não podem se esquecer jamais disso.
Essa negação, portanto, retira do Brasil o direito de celebrar, de comemorar cada milésimo de segundo a menos, cada ponto marcado, cada recorde conquistado, cada degrau do pódio, porque não encontra respaldo numa cidadania digna e consciente. Agora, sabemos como dimensionar o exato tamanho de um, pretenso, “Deus do Olimpo”.