sábado, 24 de julho de 2021

De que lado da história se pretende estar?


De que lado da história se pretende estar?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Com todas as cartas sobre a mesa, o Brasil sacode o baú da história e traz à tona explicações mais claras sobre si mesmo. Muita gente deve ter se espantado com a receptividade desfrutada por uma deputada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), representante de ideias neonazistas e neta de um ex-ministro de Adolf Hitler, em visita ao país. Recebida por autoridades do Legislativo Federal 1, ligadas ao atual Presidente da República, e pelo Ministro da Cultura 2, o passado não demorou para emergir na memória de quem soube do encontro.

Do fim da 2ª Guerra Mundial até hoje se passaram 76 anos; mas, como “a história é para sempre”, toda vez que se toca no assunto os gatilhos são disparados e eles não excluem o Brasil. Antes de se unir aos Aliados contra as ações do Eixo – Alemanha, Itália e Japão -, o país demonstrava cordialidade e apreço aos alemães, algo que se confirma na história de Olga.

De família judia-alemã, Olga Gutmann Benário Prestes era militante do Partido Comunista Alemão (KPD), o que a levou a conhecer e se casar com Luiz Carlos Prestes, um militar e político comunista brasileiro. Grávida de sua única filha, ela foi entregue pelo governo de Getúlio Vargas a Gestapo e deportada para a Alemanha, onde foi encaminhada à prisão de mulheres Barnimstrasse e, posteriormente, ao campo de extermínio de Bernburg. Olga faleceu aos 34 anos de idade, na câmara de gás.

Mas as pressões geopolíticas e ataques aos navios brasileiros, que patrulhavam a costa nacional, obrigaram a uma mudança de discurso, em 1942. A busca por acender uma vela para um e uma para o outro não deu certo e o país teve que recolher suas âncoras ideológicas radicais de extrema-direita e afinar o discurso rapidinho com os franceses, ingleses, norte-americanos e, por incrível que pareça, os russos, que constituíam a força dos Aliados. E cumpriram direitinho o seu papel, inclusive, sendo um dos primeiros países a reconhecer o Estado de Israel, em 1948, e mantendo, desde então, uma boa relação diplomática com o povo judeu.   

Acontece que o que se passa na intimidade mais profunda do poder é sempre um mistério. De repente, tudo leva a crer que durante mais de 7 décadas, o Brasil se manteve como brasa encoberta por cinzas. A simpatia pela ideologia da extrema-direita nazista não se perdeu no tempo. O que se explica, de certo modo, pelo fato de que algumas narrativas nazistas retroalimentam as próprias bases da identidade colonial brasileira, ou seja, Racismo, intolerância religiosa, Homofobia, Xenofobia, Sexismo, Misoginia e Aporofobia.

Então, tendo em vista os constantes movimentos de recrudescimento dos grupos políticos de extrema-direita ao redor do planeta, não seria diferente que isso acontecesse, também, no Brasil. Onde as raízes históricas são muito apegadas ao passado, constituindo uma imensa resistência a qualquer ruptura com regalias e privilégios legitimados, ou legalizados, ao longo do tempo. A evolução da sociedade, em qualquer forma ou sentido, é tida como uma ameaça que precisa ser contida, não importa como.

E é exatamente isso o que está acontecendo bem debaixo dos nossos narizes. A visita da deputada alemã não é por acaso; mas, uma maneira de creditar aos esforços do atual governo um respaldo teórico internacional, a fim de que não sejam vistos como uma ilha isolada no seu próprio pensamento ultrapassado.

O estranho é que não faz muito tempo, O Brasil parecia em plena “lua de mel” com o povo judeu, exibindo sua bandeira a torto e a direito, distribuindo promessas e mesuras as suas autoridades, fazendo viagens diplomáticas a Israel; enfim... Não é possível que o Brasil esteja, de novo, acendendo uma vela para um e uma para o outro! Errar é humano; mas, permanecer no erro é pura burrice.

Na categoria de pária internacional, não há discurso ou narrativa que faça do Brasil um bom aliado, nessas alturas do campeonato. Então, se alguém vê algum sentido em dialogar com o Brasil faz-se necessário entender o porquê. Quais interesses sustentam uma empreitada assim? Quais as entrelinhas dessas linhas precisam ser melhor dissecadas, hein?! Essa atitude mostrou como o país não tem apreço e nem respeito por ninguém, por nenhuma nação. Suas relações são frívolas e interesseiras.

Mesmo assim, dada a aura pesada que emergiu desse encontro inusitado, promovido entre representantes da extrema-direita brasileira e alemã, talvez, seja bastante oportuno recordar algumas palavras que foram escritas por um sobrevivente do Holocausto e endereçadas ao médico polonês Janusz Korczak, porque elas dizem muito ao presente e a todos nós.

“Caro professor. Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres; crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio, colégio e Universidade. Por isso, caro professor, eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: Ajude seus estudantes a se tornarem humanos. Seus esforços, professor, nunca devem produzir monstros eruditos e cultos, psicopatas e Eichmans educados. Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a tornar nossas crianças mais humanas” 3. Diante disso, responda a si mesmo, de que lado da história você pretende estar?