De
que lado da história se pretende estar?
Por
Alessandra Leles Rocha
Com todas as cartas sobre a mesa,
o Brasil sacode o baú da história e traz à tona explicações mais claras sobre
si mesmo. Muita gente deve ter se espantado com a receptividade desfrutada por uma
deputada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), representante de ideias
neonazistas e neta de um ex-ministro de Adolf Hitler, em visita ao país. Recebida
por autoridades do Legislativo Federal 1,
ligadas ao atual Presidente da República, e pelo Ministro da Cultura 2, o passado não demorou para emergir na
memória de quem soube do encontro.
Do fim da 2ª Guerra Mundial até
hoje se passaram 76 anos; mas, como “a
história é para sempre”, toda vez que se toca no assunto os gatilhos são
disparados e eles não excluem o Brasil. Antes de se unir aos Aliados contra as ações do Eixo – Alemanha, Itália e Japão -, o
país demonstrava cordialidade e apreço aos alemães, algo que se confirma na
história de Olga.
De família judia-alemã, Olga Gutmann
Benário Prestes era militante do Partido Comunista Alemão (KPD), o que a levou
a conhecer e se casar com Luiz Carlos Prestes, um militar e político comunista
brasileiro. Grávida de sua única filha, ela foi entregue pelo governo de
Getúlio Vargas a Gestapo e deportada para a Alemanha, onde foi encaminhada à
prisão de mulheres Barnimstrasse e, posteriormente, ao campo de extermínio de Bernburg.
Olga faleceu aos 34 anos de idade, na câmara de gás.
Mas as pressões geopolíticas e ataques
aos navios brasileiros, que patrulhavam a costa nacional, obrigaram a uma
mudança de discurso, em 1942. A busca por acender uma vela para um e
uma para o outro não deu certo e o país teve que recolher suas âncoras ideológicas
radicais de extrema-direita e afinar o discurso rapidinho com os franceses,
ingleses, norte-americanos e, por incrível que pareça, os russos, que constituíam
a força dos Aliados. E cumpriram
direitinho o seu papel, inclusive, sendo um dos primeiros países a reconhecer o
Estado de Israel, em 1948, e mantendo, desde então, uma boa relação diplomática
com o povo judeu.
Acontece que o que se passa na
intimidade mais profunda do poder é sempre um mistério. De repente, tudo leva a
crer que durante mais de 7 décadas, o Brasil se manteve como brasa encoberta por
cinzas. A simpatia pela ideologia da extrema-direita nazista não se perdeu no
tempo. O que se explica, de certo modo, pelo fato de que algumas narrativas nazistas
retroalimentam as próprias bases da identidade colonial brasileira, ou seja, Racismo,
intolerância religiosa, Homofobia, Xenofobia, Sexismo, Misoginia e Aporofobia.
Então, tendo em vista os constantes
movimentos de recrudescimento dos grupos políticos de extrema-direita ao redor
do planeta, não seria diferente que isso acontecesse, também, no Brasil. Onde
as raízes históricas são muito apegadas ao passado, constituindo uma imensa resistência
a qualquer ruptura com regalias e privilégios legitimados, ou legalizados, ao
longo do tempo. A evolução da sociedade, em qualquer forma ou sentido, é tida
como uma ameaça que precisa ser contida, não importa como.
E é exatamente isso o que está
acontecendo bem debaixo dos nossos narizes. A visita da deputada alemã não é
por acaso; mas, uma maneira de creditar aos esforços do atual governo um
respaldo teórico internacional, a fim de que não sejam vistos como uma ilha
isolada no seu próprio pensamento ultrapassado.
O estranho é que não faz muito
tempo, O Brasil parecia em plena “lua de
mel” com o povo judeu, exibindo sua bandeira a torto e a direito,
distribuindo promessas e mesuras as suas autoridades, fazendo viagens
diplomáticas a Israel; enfim... Não é possível que o Brasil esteja, de novo, acendendo
uma vela para um e uma para o outro! Errar é humano; mas, permanecer no erro é
pura burrice.
Na categoria de pária
internacional, não há discurso ou narrativa que faça do Brasil um bom aliado,
nessas alturas do campeonato. Então, se alguém vê algum sentido em dialogar com
o Brasil faz-se necessário entender o porquê. Quais interesses sustentam uma
empreitada assim? Quais as entrelinhas dessas linhas precisam ser melhor
dissecadas, hein?! Essa atitude mostrou como o país não tem apreço e nem
respeito por ninguém, por nenhuma nação. Suas relações são frívolas e interesseiras.
Mesmo assim, dada a aura pesada
que emergiu desse encontro inusitado, promovido entre representantes da
extrema-direita brasileira e alemã, talvez, seja bastante oportuno recordar
algumas palavras que foram escritas por um sobrevivente do Holocausto e
endereçadas ao médico polonês Janusz Korczak, porque elas dizem muito ao
presente e a todos nós.
“Caro
professor. Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o
que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros
ilustres; crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos
mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados
por gente formada em ginásio, colégio e Universidade. Por isso, caro professor,
eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: Ajude seus estudantes a se
tornarem humanos. Seus esforços, professor, nunca devem produzir monstros
eruditos e cultos, psicopatas e Eichmans
educados. Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a
tornar nossas crianças mais humanas” 3.
Diante disso, responda a si mesmo, de que lado
da história você pretende estar?