quinta-feira, 22 de julho de 2021

Cuidado! Nem todo ócio é criativo.


Cuidado! Nem todo ócio é criativo.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É sempre assim, quando existe uma possibilidade de o brasileiro relaxar e se deixar envolver por assuntos mais amenos, mais leves, mais agradáveis, uma sombra de tensão e desconfiança paira sobre o país. Quem nunca experimentou um feriado, por exemplo, que acabou em notícias de aumentos de preços, ou de decisões tomadas pelo governo na calada da noite, hein?! Ou observou que o mês janeiro é sempre época de desova de impactos negativos sobre a população?

Pois é. Mesmo adiada por um ano, por conta da Pandemia, a Olimpíada de Tóquio chega sob esse mesmo tipo de sombra. Enquanto milhares de brasileiros se permitem desfrutar da maratona de competições, atentos aos acontecimentos do outro lado do planeta, os bastidores do país entram em ebulição. Uma efervescência desconfortante, na medida em que não tende a trazer nada de bom para o cidadão, mais uma vez.

E como tudo isso é chato, desagradável, ... Ninguém precisaria de mais nada de ruim, considerando a experiência nefasta da Pandemia. Mas, no Brasil contemporâneo, cada vez mais a máxima “velhos hábitos nunca morrem” tem sido repetida com mais ênfase e a exaustão. Por isso, elas não perdem nenhuma oportunidade e deixam transparecer que não há intenção de uma trégua, durante os Jogos Olímpicos.

O que nos faz entender, pelo menos em teoria, que será necessária uma escolha, um posicionamento por parte do cidadão. Fazer coro na torcida pela delegação desportiva brasileira, ou se manter atento aos movimentos político-econômicos do país. Porque dentro das atuais conjunturas, tentar compatibilizar as duas opções parece difícil. Afinal, a necessidade que se aponta não me parece tão difícil de perceber; embora, seja sempre necessário contar com a presença de certa alienação nacional que, de algum modo, se compreende dado ao cansaço de viver sob constante tensão.

Seja como for, até aqui, as peças do tabuleiro político-econômico nacional têm estado em franco e diário movimento. Todos os dias nos deparamos com novidades, de notícias escandalosas a temerárias. Os serviços de comunicação e informação trabalham ininterruptamente para dar conta da frenética dinâmica dos acontecimentos. Do raiar do dia ao fim da noite os cenários se reconfiguram de maneira assustadora, promovendo, portanto, desdobramentos e consequências que surpreendem perspectivas e expectativas de analistas experientes.

Isso tudo quer dizer que estamos muito distantes de “ventos de calmaria”, para nos sentirmos suficientemente seguros e tranquilos. Na verdade, estamos muito mais próximos de um confronto direto com icebergs capazes de romper, abruptamente, com o equilíbrio e a sobrevivência do país. Aliás, a começar pelo alicerce democrático nacional, o qual vem sofrendo ataques contínuos, como se estivessem medindo a sua capacidade de resistência.

De modo que, fosse só a Democracia em jogo, isso já seria o suficiente para manter o cidadão em alerta. Talvez, uma grande parcela da geração atual não tenha essa dimensão; pois, “cada geração se imagina mais inteligente do que aquela que veio antes dela, e mais sábia do que a que virá depois dela” (George Orwell – escritor e jornalista inglês). Mas, os demais, certamente, irão concordar que sem ela, o cotidiano brasileiro vira de cabeça para baixo.

Num piscar de olhos, uma permissividade manipulada desconstrói arbitrariamente a liberdade e a escolha, tornando o indivíduo um ser silenciado, invisibilizado, apartado da sua cidadania, com uma vida moldada dentro de uma proposta que não é a sua. Em síntese, isso significa que “a linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell).

Então, quando se está diante de um recorte temporal aprazível, como um feriado, uma festa ou um grande evento, o qual é capaz de exercer uma tentadora influência alienante nas pessoas, não se deve esquecer dos riscos que se impõem, mesmo que estejam apenas subentendidos. Cuidado! Nem todo ócio é criativo.

Afinal, “é necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal”, porque isso nos impede de entender que “não é a morte que me importa, porque ela é um fato. O que me importa é o que eu faço da minha vida enquanto minha morte não acontece, para que essa vida não seja banal, superficial, inútil, pequena”. “Mudar é complicado, mas se acomodar é perecer” (Mario Sergio Cortella – filósofo). Temos que pensar a respeito!