Cuidado! Nem todo
ócio é criativo.
Por Alessandra
Leles Rocha
É sempre assim, quando existe uma
possibilidade de o brasileiro relaxar e se deixar envolver por assuntos mais
amenos, mais leves, mais agradáveis, uma sombra de tensão e desconfiança paira sobre o país. Quem nunca experimentou um feriado, por exemplo, que acabou em
notícias de aumentos de preços, ou de decisões tomadas pelo governo na calada
da noite, hein?! Ou observou que o mês janeiro é sempre época de desova de
impactos negativos sobre a população?
Pois é. Mesmo adiada por um ano, por conta da
Pandemia, a Olimpíada de Tóquio chega sob esse mesmo tipo de sombra. Enquanto
milhares de brasileiros se permitem desfrutar da maratona de competições,
atentos aos acontecimentos do outro lado do planeta, os bastidores do país
entram em ebulição. Uma efervescência desconfortante, na medida em que não
tende a trazer nada de bom para o cidadão, mais uma vez.
E como tudo isso é chato, desagradável, ...
Ninguém precisaria de mais nada de ruim, considerando a experiência nefasta da
Pandemia. Mas, no Brasil contemporâneo, cada vez mais a máxima “velhos hábitos nunca morrem” tem sido
repetida com mais ênfase e a exaustão. Por isso, elas não perdem nenhuma
oportunidade e deixam transparecer que não há intenção de uma trégua, durante
os Jogos Olímpicos.
O que nos faz entender, pelo menos em teoria,
que será necessária uma escolha, um posicionamento por parte do cidadão. Fazer
coro na torcida pela delegação desportiva brasileira, ou se manter atento aos
movimentos político-econômicos do país. Porque dentro das atuais conjunturas, tentar
compatibilizar as duas opções parece difícil. Afinal, a necessidade que se
aponta não me parece tão difícil de perceber; embora, seja sempre necessário
contar com a presença de certa alienação nacional que, de algum modo, se
compreende dado ao cansaço de viver sob constante tensão.
Seja como for, até aqui, as peças do tabuleiro
político-econômico nacional têm estado em franco e diário movimento. Todos os
dias nos deparamos com novidades, de notícias escandalosas a temerárias. Os
serviços de comunicação e informação trabalham ininterruptamente para dar conta
da frenética dinâmica dos acontecimentos. Do raiar do dia ao fim da noite os
cenários se reconfiguram de maneira assustadora, promovendo, portanto,
desdobramentos e consequências que surpreendem perspectivas e expectativas de
analistas experientes.
Isso tudo quer dizer que estamos muito
distantes de “ventos de calmaria”,
para nos sentirmos suficientemente seguros e tranquilos. Na verdade, estamos
muito mais próximos de um confronto direto com icebergs capazes de romper, abruptamente, com o equilíbrio e a
sobrevivência do país. Aliás, a começar pelo alicerce democrático nacional, o
qual vem sofrendo ataques contínuos, como se estivessem medindo a sua
capacidade de resistência.
De modo que, fosse só a Democracia em jogo,
isso já seria o suficiente para manter o cidadão em alerta. Talvez, uma grande
parcela da geração atual não tenha essa dimensão; pois, “cada geração se imagina mais inteligente do que aquela que veio antes
dela, e mais sábia do que a que virá depois dela” (George Orwell – escritor
e jornalista inglês). Mas, os demais, certamente, irão concordar que sem ela, o
cotidiano brasileiro vira de cabeça para baixo.
Num piscar de olhos, uma permissividade manipulada
desconstrói arbitrariamente a liberdade e a escolha, tornando o indivíduo um
ser silenciado, invisibilizado, apartado da sua cidadania, com uma vida moldada
dentro de uma proposta que não é a sua. Em síntese, isso significa que “a linguagem política, destina-se a fazer
com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como
imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell).
Então, quando se está diante de um recorte
temporal aprazível, como um feriado, uma festa ou um grande evento, o qual é
capaz de exercer uma tentadora influência alienante nas pessoas, não se deve
esquecer dos riscos que se impõem, mesmo que estejam apenas subentendidos. Cuidado!
Nem todo ócio é criativo.
Afinal, “é
necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e
começarmos a achar que tudo é normal”, porque isso nos impede de entender
que “não é a morte que me importa, porque
ela é um fato. O que me importa é o que eu faço da minha vida enquanto minha
morte não acontece, para que essa vida não seja banal, superficial, inútil,
pequena”. “Mudar é complicado, mas se acomodar é perecer” (Mario Sergio
Cortella – filósofo). Temos que pensar a respeito!