Atraídos
pelo “vale quanto pesa”
Por
Alessandra Leles Rocha
Cada dia mais, desperta preocupação
o modo como os seres humanos compreendem a si mesmos. Independentemente do tipo
de análise que se faça, ela acaba, direta ou indiretamente, atrelada ao
dinheiro. Basta observar que o sucesso e o poder têm sido medidos a partir do
quanto podem capitalizar ao indivíduo, no chamado “vale quanto pesa”.
O que significa que, de repente, as
pessoas passaram a ser definidas pela quantidade de recursos financeiros disponíveis
no banco, propriedades e afins. Acontece que, distante do que se imagina, a
vida não permite dizer que alguém é; mas, sim, que alguém está. Tudo é efêmero;
em uma dinâmica, a qual não se tem controle.
E diante desse movimento,
compreendi algo muito significativo. A mitificação e a idolatria que vem se
atribuindo a diversas personalidades, tais como artistas, desportistas,
celebridades etc., tem passado por uma ressignificação exacerbadamente materialista.
A projeção que o indivíduo lança
sobre outro não parte mais de uma base sólida e inspiradora de valores,
princípios e qualidades humanas, mas do que ele (a) foi capaz de conquistar e
fazer uso materialmente. E esse pensamento, portanto, se baseia na construção
de uma verdade intuitiva, sem necessidade de comprovação lógica ou científica,
que se satisfaz pelo encantamento de um desejo realizado de acordo com a sua
vontade e idealização do mundo.
Mas, é justamente nesse ponto que
a questão se polemiza. Não preciso dizer que a contemporaneidade tem sido uma
arena para polarizações ideológicas. Acontece que elas não são tão simples como
tentam, alguns, fazer transparecer. Há uma tendência nítida de seletivização
desse fenômeno, cuja base se sustenta na mitificação e na idolatria
referendadas pelo “vale quanto pesa”. É fácil perceber a existência de
diferenças profundas no trato social em relação aos anônimos e aos famosos.
Entre amigos e familiares, por
exemplo, relações foram sumariamente interrompidas pela polarização política. Mas, quando se tratam de personalidades, aí a condescendência
e a flexibilidade operam, rapidamente, “passando pano” na situação. Traduzindo em
miúdos, as pessoas estão respeitando muito mais as suas projeções materialmente
bem-sucedidas; embora, lançadas sobre seres totalmente desconhecidos do seu convívio
pessoal, do que de seus semelhantes mais próximos.
Afinal de contas, diante da rudeza
da vida, o ideário acena a possibilidade de controlar o mundo, de superar os
medos e as inseguranças, com mais propriedade do que alguém comum, de carne e
osso. Êpa! Mas, eles são de carne e osso também! O que nos chega pelos veículos
de comunicação e informação é uma imagem construída midiaticamente, com o único
propósito de capitalizar mais e mais.
Raríssimas são as exceções, nesse
universo estrelado, que não abdicam das oportunidades de dizer o que pensam, o
que gostam, o que querem, o que almejam, o que sentem. Quase sempre eles estão
imersos sobre camadas e camadas de roteiros, de protocolos, de contratos, que
dificultam quaisquer possibilidades de enxergar a sua verdadeira identidade, a
sua expressão humana e cidadã.
Mas, isso não importa, ou tem
importado cada vez menos, porque o que está em xeque no midiatismo é a atração que
está no quanto se capitaliza, no tilintar das moedas. A sociedade, então, vai
aceitando sem questionar, como se os valores, os princípios, as ideias que
existem sob aquela imagem não repercutissem ou maculassem o encantamento produzido
pela sua fama, pelo seu poder, pela sua influência, enfim...
Com certeza, é um modo estranho de
não admitir que eventuais ranhuras produzidas pelos discursos, narrativas e
comportamentos de seus ídolos causam desconforto e desalinhamento as suas
expectativas. Inclusive, é importante salientar que todo mundo tem direito as próprias
escolhas, a pensar com a própria cabeça.
No entanto, o campo decisório ainda
permanece demarcado pela ética, pela moral, pela justiça, a fim de encontrar
consenso e equilíbrio para uma coexistência humana pacífica e harmônica. Quantos
já não subtraíram os seus minutos de fama pelo o que disseram ou fizeram
publicamente, hein?!
Quando alguém transgride, ou infringe,
ou coloca em risco a si ou a coletividade, ou simplesmente apoia quem age dessa
forma, a sua posição na estrutura hierárquica social perde qualquer importância,
ou pelo menos deveria.
Por isso, é preciso estar atento
ao modo como vemos e lidamos com o mundo, ou do nível de mitificação e
idolatria que atribuímos a uns e outros, por aí. Afinal, como escreveu Orson
Scott Card 1, “Se os porcos pudessem votar, o homem com o balde de lavagem sempre
seria eleito, não importa quantos porcos já houvesse abatido”.
1 É um escritor de ficção científica e fantasia norte-americano. - https://www.famousauthors.org/orson-scott-card