A
identidade do poder ou o poder da identidade?
Por
Alessandra Leles Rocha
De repente, comecei a compreender
melhor os meandros que levam tantas pessoas a se ocuparem das disputas de poder,
no Brasil. A questão é que, por ser um
país de características tão peculiares, o poder assume a sua significância não
pelo significado e manifestação, mas pela investidura de determinados cargos e
posições dentro do estrato social. De modo que muitos se perdem na função, por
total desconhecimento em relação ao que lhes impõem aquele determinado poder.
Chega a ser engraçado, como
alguns se transformam pelo simples sentar em uma determinada cadeira
representativa. Chegam a transparecer a ideia absolutista, na qual o poder
monárquico advinha da vontade de Deus; portanto, algo que não poderia ser
questionado. Mas, o poder é sempre o poder e requer muito mais do que se possa
imaginar.
E a Pandemia tem feito isso de
bom, tem mostrado e dissecado o poder de uma maneira nunca antes imaginada. A
começar pelo seu tripé de sustentação, ou seja, conhecimentos, competências e
habilidades. Aquela velha máxima de que “qualquer
um faz” foi sumariamente desconstruída. Cada ato do cotidiano exige um
preparo específico que não é desfrutado por todos homogeneamente. Tanto que, se
faz necessária a análise de currículo para o preenchimento de vagas de emprego.
Em um país tão plural e tão
desigual, como é o Brasil, conhecimentos, competências e habilidades não são
apenas o tripé de sustentação do poder; mas, uma maneira adicional de traçar um
perfil da própria sociedade. Porque há uma fragilidade tão demarcada na
constituição desses elementos, que poucos têm, de fato, a oportunidade de
apresentá-los, quando necessário.
O que significa que o descaso em
relação à Educação, no país, se reflete em momentos assim. Afinal, em termos de
conhecimentos, apesar do século XXI refletir a exuberância das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs), estes têm sido construídos com base em um
aprender e um apreender das informações, demasiadamente, superficial e
inconsistente dentro das diversas áreas; conforme, demonstram mecanismos
avaliativos nacionais e internacionais.
Sobretudo, no campo do
letramento, o qual ultrapassa as fronteiras da alfabetização, a grande maioria
da população ainda não consegue se apropriar efetivamente da leitura e da
escrita como prática social. Isso significa que para as classes C, D e E,
principalmente, os sujeitos sociais não dispõem de uma linguagem fundamentada
na criticidade e com o propósito de auxiliá-los na interação e na ação dentro
dos diversos contextos sociais.
O que explica como a escola
brasileira está distante do seu papel de formadora do indivíduo cidadão, o qual
se desenvolve para constituir as engrenagens do progresso do país a partir da
sua força de trabalho; o que não deixa de ser uma expressão de poder.
E se as pessoas não constituem os
seus conhecimentos torna-se, portanto, mais difícil de determinar o rol das
suas habilidades, as quais exibem a dimensão de suas aptidões para a realização
de uma atribuição específica exitosa; mas, também, de suas competências, que demonstram
como elas realizam as suas tarefas a fim de serem bem-sucedidas ao final.
Talvez, o mais importante dessas considerações
seja trazer à tona a importância que reside em cada papel social desempenhado.
Infelizmente, teima em resistir no inconsciente coletivo brasileiro a ideia de
que a relevância do trabalho está atrelada a remuneração; de modo que, a
importância social passa a ser atribuída em relação ao que recebe financeiramente
o indivíduo.
Esse pensamento fomenta, então,
uma idealização perversa ao mesmo tempo em que reafirma a invisibilização de
centenas de milhares de pessoas. Ora, deixa-se de reconhecer o poder
constituído pelos conhecimentos, habilidades e competências do ser humano, para
considerar um eventual poder advindo do dinheiro e, por consequência, da
posição social que ele venha a ocupar.
Nesse sentido, o país abre mão
voluntariamente de oportunizar a visibilidade de inúmeros talentos humanos, os
quais têm potencial suficiente para tornarem-se protagonistas em diversas
áreas, para permanecer reafirmando os caminhos midiáticos e políticos como
única forma de ascensão. E essa é uma razão pela qual o poder desaparece tão
rapidamente.
Porque as pessoas são levadas a
acreditar que são alguma coisa, quando, na verdade, apenas estão. O estar é
temporário. O poder é fugaz. Chega-se a um determinado ponto em que ele não
representa nada demais, ele cai na trivialidade do comum. Então, o destaque, a
importância, a bajulação, ... tudo se torna opaco e, com o passar do tempo, obsoleto
e sem utilidade.
No entanto, apesar dessa efemeridade,
ele permanece embaçando a própria identidade das pessoas, porque faz com que a carcaça,
a imagem representada, seja vista como mais importante do que o conteúdo.
Embora, elas saibam, muito bem, que estão nos conhecimentos, habilidades e
competências, o essencial para sustentá-las de pé em todas as situações.
Mas, a questão é que, em plena contemporaneidade, quando tudo se evapora rápido ... quando tudo são aparências ... quando tudo é possível ... quando tudo é poder ... Viver de personagens se tornou o caminho mais fácil em nome da sobrevivência; afinal, “Depois que eu acabar de falar, você me desconhecerá ainda mais: é sempre assim que acontece quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer” (Clarice Lispector - A maçã no escuro – 1961).