Protagonismo
coadjuvante ...
Por
Alessandra Leles Rocha
A política do caos foi a
estratégia utilizada pelo governo brasileiro para justificar a sua inação nas
mais diversas áreas. Há um processo de desconstrução e de desmantelamento que
vem se operacionalizando, desde 2019, que cria focos de instabilidade, os quais,
não raras as vezes, dificultam a vigilância e o acompanhamento por parte dos
serviços de comunicação e informação; mas, também da própria sociedade. Pois, tudo
tende a acontecer simultaneamente.
Uma passada de olhos breve, pela
mídia nacional, para se ter a dimensão exata disso. A Pandemia, seus
desdobramentos e investigações na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
dividem espaço com problemas oriundos do Ministério do Meio Ambiente, dúvidas
quanto à realização do Censo Demográfico, incertezas sobre o orçamento aprovado,
idas e vindas de uma suposta reforma tributária, expansão da pobreza no país,
turbulências nas relações diplomáticas por atitudes inapropriadas, ...
No entanto, se engana quem pensa
que essa miscelânea da tragicidade só irá prejudicar a população. Não. Se é
ruim para alguns, a verdade é que ruim para todos, incluindo o próprio governo.
Porque apurar e administrar tantos conflitos, ao mesmo tempo, pode sair fora do
controle.
O excesso de centralização de
poder que se tenta impor, por parte do governo, acaba resultando em um tremendo
descontrole; especialmente, quando, no agravamento das situações, as pautas são
levadas à judicialização, a fim de uma resolução fundamentada nos princípios do
ordenamento jurídico nacional, com destaque para a Constituição Federal de
1988.
De modo que a escolha por esse
caminho centralizador, controlador, manipulador, no fim das contas, esvai o
protagonismo do próprio governo. Na ânsia de governar sob as vozes da própria
cabeça, se esquecem de que nenhum governo pode tudo e que há regras a serem respeitadas
e cumpridas, até mesmo por quem está no poder.
Ao bater de frente com as
instâncias jurídicas superiores, nas constantes tentativas de fazer prevalecer
as suas vontades, o governo vai esgarçando a sua credibilidade e a sua
governabilidade. A cada decisão mal tomada. A cada manobra imprevidente. A cada
erro de cálculo. A política do caos cobra seu preço.
Não se pode esquecer de que a
governança não se define pelos limites territoriais internos; mas, ela tem
braços externos. Sobretudo, considerando a realidade globalizada e globalizante
do mundo. Tudo é acompanhado de perto, quase que em tempo real; portanto, um
passo em falso não causa instabilidade somente para si. Haja vista a frenética
movimentação do Mercado Financeiro.
O limite do improviso, da tomada
de decisões próprias, é muito restrito. De certa forma, a governança tem
scripts pré-definidos, maleáveis o bastante para se ajustar as eventuais
variações conjunturais; mas, é só. Por isso é preciso estar atento, o tempo
todo, ao que acontece em cada canto.
É um erro crasso pensar que há
assuntos menos importantes e mais importantes, quando a vida é uma teia de
complexidades, onde todos os elos permanecem em constante agregação e
desagregação. É só olhar para a contemporaneidade. Essa jornada de incertezas,
de retrocessos, não consegue responder a si mesma a que veio. A dinâmica
imposta ao cotidiano adquiriu um caráter tão amadorístico que constrange.
Não se vê lampejos de
consciência, de percepção bem constituída, conduzindo as decisões ou as
mudanças que precisam ser implementadas. Daí a necessidade constante de uma
figura capaz de tutorar institucionalmente; como já dito anteriormente, na
referência à judicialização.
O curioso é que muitos eleitores,
ainda, não se deram conta disso. Seu voto elegeu indivíduos que, sem lhes dar
satisfação alguma, tem optado por abdicar do protagonismo para serem
coadjuvantes. Por isso, eles se sentem tão confortáveis em tecer narrativas em
que tentam se dissociar de suas responsabilidades e obrigações, lançando-as
amiúde sobre a quem possa interessar. Sendo assim, quem está segurando, de
fato, o leme dessa embarcação, hein?
Diante dessa política do caos que
vem continuamente se reafirmando pela lógica da necropolítica de Achille Mbembe
e do “fazer viver e deixar morrer” da
Biopolítica foucaultiana, com quase 400 mil mortos só pelo Sars-COV-2, sem
contar tantas outras causas, a verdade é que o governo não tem como se abster
ou incinerar o compromisso que assumiu nas urnas.
Porque todo esse movimento
retroalimenta as demandas que chegam à judicialização; de modo que, o governo vai
sendo colocado em uma posição fora da sua “pseudo
zona de conforto”. Até que um dia, se perceba que a política do caos não
conduziu nada a lugar nenhum.
Enfim, a permissividade da inação
expandiu de tal forma as suas fronteiras áridas e improdutivas, que o país
passou a servir apenas para sepultar ... Gente. Sonhos. Esperanças. Trabalho. Progresso.
Desenvolvimento. Constituiu-se, então, o panorama indefinido do absoluto
ostracismo; pois, como escreveu João Guimarães Rosa, “O trágico não vem a conta-gotas”.