Coisas
de quem sabe o que diz...
Por
Alessandra Leles Rocha
Em pleno dia Mundial da Educação,
ontem, 28 de abril, foi uma demonstração de visão de futuro a fala do
Presidente dos EUA, Joe Biden, na primeira sessão conjunta do Congresso
Norte-Americano depois de sua posse em janeiro. Para ele, passa pela Educação o
retorno empoderado da democracia do seu país ao cenário da contemporaneidade.
Por isso, ele irá apresentar uma
proposta na área de Educação, que busca constituir um serviço pré-escolar
universal, dois anos de frequência gratuita nas faculdades públicas, 225
bilhões de dólares em cuidados infantis e pagamentos mensais em torno de 250
dólares para os encarregados do setor, com vistas a tornar o cidadão
norte-americano mais competitivo no século XXI.
A importância de discursos,
assim, está justamente na reafirmação de qual é o verdadeiro papel da Educação
dentro de um país. Pensar sobre ela é, portanto, traçar um panorama do que se
aspira como coletividade, como projeto cidadão para o desenvolvimento pleno de
uma sociedade. Portanto, ao contrário de muitas pessoas que olham para o
sistema de educação como um elemento distante e desconectado de suas vidas; na
verdade, ele não é.
O grande desafio está,
justamente, no fato de o mundo ser um lugar tão desigual e arrastar essa
desigualdade para todas as suas estruturas fundamentais, incluindo a Educação. O
que ocorre é que a desigualdade educacional transita, há tempos, por uma
espiral de infinitas desigualdades que se sobrepõem e promovem uma manutenção
de seres humanos distantes de direitos e benefícios fundamentais.
Porque não há proposta de
Educação que se sustente fora da inclusão social. O indivíduo precisa ter seus
direitos fundamentais assegurados para que possa desfrutar do processo de
ensino-aprendizagem, em condições de extravasar o seu potencial intelectual e
cognitivo. Há muitos equívocos nesse sentido, quando os problemas da Educação
são lançados prioritariamente sobre os ombros da instituição de ensino, desconsiderando
que, na maioria das vezes, eles já acontecem muito antes.
É o aluno que vive em condições
precárias e insalubres. É a miséria e a subnutrição que interrompem a
capacidade de aprendizado. É a desassistência de saúde que leva muitos alunos
com problemas oftalmológicos, auditivos, psicológicos, neurológicos, para os
bancos da escola sem que tenham as devidas condições de acompanhar as aulas. É
a impossibilidade de adquirir os materiais escolares e os uniformes do período
letivo. Enfim...
A heterogeneidade social é uma
marca da Educação. Não se trata só da singularidade do indivíduo. As diferenças
se medem muito além, no campo dos estratos sociais, das possibilidades de
ensino – público ou privado, da posição geográfica das unidades de ensino, das
propostas didático-pedagógicas, da consolidação ou não de políticas inclusivas,
...
Portanto, não há como fazer da
Educação uma receita de bolo aplicável homogeneamente, porque não vai
funcionar. Porque a Educação não é só o recurso financeiro. Não é só a construção
de escolas. Não é só remunerar bem o professor. Não é só construir laboratórios
e bibliotecas. Não é só oferecer a merenda. Não é só exigir um Plano Político
Pedagógico anual para cada instituição. É tudo isso e muito mais, porque a Educação
forma pessoas. Como dizia o poeta Mário Quintana, “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os
livros só mudam as pessoas”.
Isso significa que ao permitir a
existência de tantas discrepâncias traduzidas pelos pluralismos das desigualdades
sociais, o governo só faz reafirmar um descaso gigantesco em relação à
população. Entretanto, ao esquecer da importância que reside em constituir
cidadãos, ele opta por um modelo de governança na contramão das demandas do
mundo, ou seja, atrasado, ineficiente e obsoleto. Algo que, há tempos, já vem
sendo revelado por pesquisas nacionais e internacionais na área de Educação.
Seu desalinhamento educacional é
tão representativo, que o Brasil arrasta correntes na alfabetização, nos
multiletramentos, nas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).
Porque, o fato de que a contemporaneidade coloca as pessoas a coexistirem entre
dois mundos, o virtual e o real, não significa necessariamente que desfrutem de
acessibilidade e letramento suficientes para viver essa experiência.
O que ocorre é que há uma
carência natural na estrutura educacional que lhes impede de ter um lastro consolidado
para a construção do conhecimento. De modo que as defasagens educacionais se
acumulam ano a ano, mantendo os alunos, de certa forma, aprisionados por
barreiras que não tendem a ser desconstruídas. É sempre mais do mesmo. Não há
inovação. Não há transformação.
Assim, o governo brasileiro não
só estabelece uma ruptura com a ideia básica de que “A primeira meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer
coisas novas; homens que sejam criadores, inventores, descobridores” (Jean
Piaget), ou seja, de que é possível “formar
gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se
aperfeiçoe a sociedade humana como um todo” (Milton Santos); como subscreve
a impossibilidade de compreender verdadeiramente que “A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem
extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial,
educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente
deseducada para a vida” (Milton Santos).