quinta-feira, 29 de abril de 2021

Coisas de quem sabe o que diz...


Coisas de quem sabe o que diz...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Em pleno dia Mundial da Educação, ontem, 28 de abril, foi uma demonstração de visão de futuro a fala do Presidente dos EUA, Joe Biden, na primeira sessão conjunta do Congresso Norte-Americano depois de sua posse em janeiro. Para ele, passa pela Educação o retorno empoderado da democracia do seu país ao cenário da contemporaneidade.

Por isso, ele irá apresentar uma proposta na área de Educação, que busca constituir um serviço pré-escolar universal, dois anos de frequência gratuita nas faculdades públicas, 225 bilhões de dólares em cuidados infantis e pagamentos mensais em torno de 250 dólares para os encarregados do setor, com vistas a tornar o cidadão norte-americano mais competitivo no século XXI. 

A importância de discursos, assim, está justamente na reafirmação de qual é o verdadeiro papel da Educação dentro de um país. Pensar sobre ela é, portanto, traçar um panorama do que se aspira como coletividade, como projeto cidadão para o desenvolvimento pleno de uma sociedade. Portanto, ao contrário de muitas pessoas que olham para o sistema de educação como um elemento distante e desconectado de suas vidas; na verdade, ele não é.

O grande desafio está, justamente, no fato de o mundo ser um lugar tão desigual e arrastar essa desigualdade para todas as suas estruturas fundamentais, incluindo a Educação. O que ocorre é que a desigualdade educacional transita, há tempos, por uma espiral de infinitas desigualdades que se sobrepõem e promovem uma manutenção de seres humanos distantes de direitos e benefícios fundamentais.

Porque não há proposta de Educação que se sustente fora da inclusão social. O indivíduo precisa ter seus direitos fundamentais assegurados para que possa desfrutar do processo de ensino-aprendizagem, em condições de extravasar o seu potencial intelectual e cognitivo. Há muitos equívocos nesse sentido, quando os problemas da Educação são lançados prioritariamente sobre os ombros da instituição de ensino, desconsiderando que, na maioria das vezes, eles já acontecem muito antes.

É o aluno que vive em condições precárias e insalubres. É a miséria e a subnutrição que interrompem a capacidade de aprendizado. É a desassistência de saúde que leva muitos alunos com problemas oftalmológicos, auditivos, psicológicos, neurológicos, para os bancos da escola sem que tenham as devidas condições de acompanhar as aulas. É a impossibilidade de adquirir os materiais escolares e os uniformes do período letivo. Enfim...

A heterogeneidade social é uma marca da Educação. Não se trata só da singularidade do indivíduo. As diferenças se medem muito além, no campo dos estratos sociais, das possibilidades de ensino – público ou privado, da posição geográfica das unidades de ensino, das propostas didático-pedagógicas, da consolidação ou não de políticas inclusivas, ...

Portanto, não há como fazer da Educação uma receita de bolo aplicável homogeneamente, porque não vai funcionar. Porque a Educação não é só o recurso financeiro. Não é só a construção de escolas. Não é só remunerar bem o professor. Não é só construir laboratórios e bibliotecas. Não é só oferecer a merenda. Não é só exigir um Plano Político Pedagógico anual para cada instituição. É tudo isso e muito mais, porque a Educação forma pessoas. Como dizia o poeta Mário Quintana, “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”.

Isso significa que ao permitir a existência de tantas discrepâncias traduzidas pelos pluralismos das desigualdades sociais, o governo só faz reafirmar um descaso gigantesco em relação à população. Entretanto, ao esquecer da importância que reside em constituir cidadãos, ele opta por um modelo de governança na contramão das demandas do mundo, ou seja, atrasado, ineficiente e obsoleto. Algo que, há tempos, já vem sendo revelado por pesquisas nacionais e internacionais na área de Educação.

Seu desalinhamento educacional é tão representativo, que o Brasil arrasta correntes na alfabetização, nos multiletramentos, nas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Porque, o fato de que a contemporaneidade coloca as pessoas a coexistirem entre dois mundos, o virtual e o real, não significa necessariamente que desfrutem de acessibilidade e letramento suficientes para viver essa experiência.

O que ocorre é que há uma carência natural na estrutura educacional que lhes impede de ter um lastro consolidado para a construção do conhecimento. De modo que as defasagens educacionais se acumulam ano a ano, mantendo os alunos, de certa forma, aprisionados por barreiras que não tendem a ser desconstruídas. É sempre mais do mesmo. Não há inovação. Não há transformação.

Assim, o governo brasileiro não só estabelece uma ruptura com a ideia básica de que “A primeira meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas; homens que sejam criadores, inventores, descobridores” (Jean Piaget), ou seja, de que é possível “formar gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo” (Milton Santos); como subscreve a impossibilidade de compreender verdadeiramente que “A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida” (Milton Santos).


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