Para
Hamlet ou Macunaíma explicar...
Por
Alessandra Leles Rocha
Dizia vovó que “mentira tem perna curta” e ela tinha
razão. No entanto, pode ser que não seja exatamente uma questão de mentira no
sentido literal. Talvez, uma apropriação da mania horrenda de atalhos para se
alcançar objetivos nada ortodoxos. Seja como for, traduzindo em miúdos, as tais
“perninhas curtas” estão ligadas ao
velho e esfarrapado “jeitinho” para
fazer as coisas do cotidiano caberem dentro dos interesses de uns e outros. Só que
nessa história, todo mundo sempre se esquece de combinar com a verdade e aí,
ela aparece quando menos se espera.
Vejamos que isso no Brasil não é
fato excepcional! Vez por outra “a casa
cai” e muita gente fica com aquela cara de “cachorro que caiu da mudança”, perdidaço. Afinal, parafraseando Hamlet,
de Shakespeare, “há (sempre) algo de podre no reino”.
E como vida, justiça e economia
vivem sob eterna simbiose nessa Terra Brasilis,
é um tal de Bolsa e dólar subindo, caindo, gente infartando de raiva, investidores
se descabelando e mudando de rumo, juros oscilando, ... toda vez que uma verdade,
antes obscura, ganha visibilidade com a batida do martelo. Logo querem arrumar um “bode expiatório” para lançar a culpa das desastrosas repercussões;
o que não passa de pretexto barato.
Porque acontecimentos assim, são simplesmente
coisas de um país que sobrevive, desde o início, aos sobressaltos dentro e fora
de suas fronteiras. Que não tem lá muita estabilidade para suportar quaisquer ventinhos
mais fortes que surjam no horizonte. O mau humor dos mercados e das instituições
já é rotina nacional, independente se o dia está mais para sol do que tempestade.
Mas, apesar dos pesares, a verdade vir à tona continua sendo muito oportuno.
Não deixa de ser um modo sutil de
impor limites a falta de decoro nacional. Sim, porque usar de artifícios e
artimanhas para alcançar determinados propósitos não tem absolutamente nada de
louvável e meritório. Não passa da repetida e amadorística prática de “entrar na festa pela porta dos fundos”.
São tantos os exemplos se acotovelando na memória a respeito de tudo isso, nesse
momento, que chego a ficar desolada.
Afinal, este é um sinal claro da
nossa anticidadania ou efeito Macunaíma 1
de ser. Razão pela qual quem pratica tais vieses (delituosos) não se
constranger e nem se importar com a imagem do seu país mundo afora. São incapazes
de entender como essa percepção é danosa o suficiente para comprometer a
credibilidade das relações diplomáticas e comerciais do país. O “jeitinho” tem custo e consequências que
demandam muito lastro para sustentar.
E quem precisaria dessa “cereja do bolo”, quando o país está
perdido no próprio furacão da incompetência para lidar com a Pandemia. Esse é só
um “algo mais” para quem já é um
pária internacional por vários motivos. Justamente porque escolheu exercer “a lei do menor esforço” e transitar
pelos subterfúgios que lhe parecem mais fáceis e cômodos. É como se o país
tivesse desaprendido o significado do que sejam políticas públicas, para que
servem, porque precisam ser definidas, enfim... poderíamos dizer que esta é uma
gestão que voa em “voo cego” e sem
instrumentos.
Porém, quem paga o preço dessas
desventuras é o coletivo populacional. Uns mais outros menos; mas, o todo sofre
os impactos, os prejuízos, as destruições no seu microcosmo. Todo mundo sai
perdendo até que se chegue ao limite de uma perda irrecuperável, como é o caso
das vidas perdidas nessa Pandemia. Consequências de comportamentos, atitudes e
ideias que vieram sendo consideradas menores, desimportantes, ou até
inofensivas, dada a trivialidade que assumiram ao longo do tempo.
Ora, abrir precedentes é sempre
um risco; bem como, oferecer prerrogativas. Nunca se sabe o que pode desencadear esses supostos
benefícios. Afinal, por trás deles há sempre interesses objetivos e subjetivos.
Talvez, por isso ninguém costume sair por aí assinando cheques em branco. O problema
é que para muita gente os “jeitinhos”,
tão facilmente perdoados e silenciados, não passam de documentos em branco.
E por que continuam a serem
emitidos, então? No fundo a sociedade escolhe seus “bodes expiatórios” e as más condutas para reprovar e condenar,
como uma capa para encobrir a si mesma. Ela aponta para não ser ela mesma
apontada, porque “a origem da mentira
está na imagem idealizada que temos de nós próprios e que desejamos impor aos
outros” (Anaïs Nin – escritora francesa).
O que resulta no óbvio, na continuidade
de todas as mazelas que deveriam ser combatidas e punidas. Discursos que não
coadunam, de modo algum, com as práticas. Fato que, quase sempre, conduz as
promessas eleitorais a não tardarem a se derreter e evaporar depois do pleito, constituindo
e sustentando um verdadeiro ciclo de frustrações.
Isso significa, então, a
necessidade de cada vez mais prudência antes de pendermos a tentação do juízo de
valor quanto ao “jeitinho”, para não
reafirmarmos os próprios equívocos que possam habitar a nossa essência. Não é à
toa que “quando vemos um gigante, temos
primeiro de examinar a posição do sol e observar para termos certeza de que não
é a sombra de um pigmeu” (Friedrich Novalis – representante do Romantismo
alemão).