Sororidade...
Por
Alessandra Leles Rocha
Abandonando as águas rasas da
reflexão e mergulhando rumo as complexidades é fácil perceber a verdadeira
história da participação feminina na sociedade. Nem só de confrontos com os
homens vivem as mulheres. A falta de Sororidade demonstra ser o grande desafio
na construção de um mundo alinhado à igualdade, a equidade e a justiça. Esse é
ponto que desconstrói a ideia de que os obstáculos sociais para as mulheres
advêm exclusivamente dos sistemas de controle e poder masculinos.
Que o mundo, em pleno século XXI,
ainda se sustente sobre as bases do “clube
do Bolinha”, ninguém duvida. Eles permanecem detentores das rédeas do
planeta porque, passado de geração em geração, o “corporativismo masculino” lhes assegura coesão e coerência além
dos discursos, mas nas práticas e táticas da sobrevivência social. Juntos, eles
se fortalecem para o bem e para o mal.
Algo que as mulheres começam a
entender só agora. A rivalidade feminina sempre custou caro a sua sobrevivência
e direitos, de modo que os comportamentos competitivos têm esfacelado a união
entre elas e vulnerabilizado a sua existência e participação na sociedade. Razão
pela qual favorecem diretamente as ações masculinas e fortalecem as aspirações sociais
deles.
O que para eles é algo genuíno,
inerente a condição do homem, para elas esse é o grande “tendão de Aquiles”;
pois, trata-se de um processo de construção, de elaboração lenta e gradual. É necessário
que cada mulher perceba e compreenda a necessidade e o valor dessa teia
relacional denominada Sororidade.
O que não deixa de ser uma tarefa
árdua, porque nessa posição elas se predispõem a admitir uma condição feminina
de igualdade. Medos, angústias, sofrimentos, violências, carências,
frustrações, sonhos, desejos, ... passam a ser entendidos como questões
pertencentes a todas e, não somente, a esse ou aquele grupo. Portanto, nenhuma
mulher é mais ou menos do que a outra. Todas estão no mesmo barco.
De um jeito ou de outro, seus
cotidianos femininos existem sob a batuta deles, os homens. Não importam as
razões que fomentam a sua objetificação, o seu silenciamento, a sua
invisibilização, a sua discriminação, o seu banimento... porque as consequências
disso são perversas e cruéis da mesma maneira para qualquer mulher. Como também
não importam a idade, a raça, a escolaridade, a religião, a renda, ... o que
importa é que mulheres são seres humanos. E a consolidação da Sororidade busca,
justamente, formar essa consciência.
Há milênios o discurso feminino é
entrecortado por ideias e narrativas que as colocam em um contexto à parte da
humanidade. Como uma subespécie, um subproduto, um artigo de segunda linha. Capaz
de cumprir determinados papéis preestabelecidos; mas, sem direito de manifestar
ou reivindicar algo mais dentro da sociedade.
Assim, ao invés de aprenderem a
se comunicar, elas passaram a ser meras figuras decorativas e contemplativas. Na
sua grande população não construíram pontes entre si, canais de diálogo,
espaços de discussão de sua própria existência. Sempre se olharam com
curiosidade. Sempre teceram ideias especulativas e irreais sobre as vidas umas
das outras. Sempre cobiçaram suas existências como se isso pudesse ser um
mecanismo de libertação. ... Por isso, tantas rivalidades, tantos revanchismos,
tanta hipocrisia, tanto tempo perdido nas horas que pudessem emergir o seu
verdadeiro SER.
De algum modo, esse panorama explica
porque as mulheres ainda engatinham na sua Sororidade. Pensar diferente. Pensar
por si mesma. Pensar. Aprender a pensar. ... O mundo ainda é uma caixa
apertada, o que faz da liberdade uma aspiração e o senso de coletividade uma
construção a ser erguida. Basta ler alguns textos, como “The girl who can”1 (Ama Ata
Aidoo) e “Girl” 2(Jamaica
Kincaid), para entender como essa estratégia social impositiva em minar a construção
de elos e afinidades femininas, criou verdadeiras prisões subjetivas que mantêm
agrilhoadas, até hoje, milhões de mulheres.
Ao invés do diálogo, da argumentação,
do questionamento, as mulheres se tornaram simples repetidoras dos discursos preestabelecidos
na sociedade, tanto por homens quanto por suas próprias ancestralidades. Raras
foram as que impetuosamente desafiaram o modus
operandi vigente. Tudo muito pontual; sem contar, que a resistência interior
de muitas delas existe como um escudo de proteção, uma zona de conforto onde
podem transitar sem deflagração de conflito, sem serem estereotipadas como “difíceis de lidar”, “intransigentes”, “briguentas”
ou “problemáticas”.
Por isso, a Sororidade é tão bem-vinda.
Que suas correntes em curso possam avançar cada vez mais sobre as almas
femininas e os terrenos ocupados pelos homens. Assim, elas chegarão
verdadeiramente a compreensão de sua identidade, de seu valor, de sua
participação conjunta na sociedade. Este, então, será o dia em que será
possível à mulher “amar-se em sua força e
não em sua fraqueza; não para fugir de si mesma, mas para se encontrar; não
para se renunciar, mas para se afirmar; nesse dia, então, o amor tornar-se-á
para ela, como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal” (Simone de
Beauvoir – escritora, filósofa e teórica social francesa). Afinal de contas,
somente amando a Sororidade é capaz de aflorar.