LOCKDOWN...
Por
Alessandra Leles Rocha
Para quem ainda não entendeu, os vírus
são “parasitas” intracelulares
obrigatórios. O que significa que essas partículas infectantes, medindo cerca
de 1µm
(micrómetro) ou 0,001 milímetro, visíveis apenas com o auxílio de avançados
microscópios eletrônicos, dependem de células vivas para se reproduzir e sobreviver
no ambiente.
E, embora sua estrutura seja
relativamente simples, em linhas gerais um invólucro proteico que protege o
ácido desoxirribonucleico (DNA) ou ácido ribonucleico (RNA) dependendo do tipo,
que são as informações sobre quem é o vírus.
No entanto, são as proteínas presentes
na sua cápsula que lhes conferem as estratégias de adesão, fixação e transporte
desse respectivo ácido nucleico para o interior da célula de um ser vivo. Está nas
mãos delas, então, a capacidade de mutação para garantir a existência de
variantes cada vez mais capazes de resistir e se adaptar aos desafios impostos
por seus hospedeiros.
Dito isso, não é difícil perceber
que os vírus fazem parte do mundo em que vivemos. Aqui, ali ou acolá há
milhares deles à espreita para infectar animais ou plantas. E se serão bem-sucedidos,
vai depender muito da capacidade preventiva exercida pela humanidade. O que não
é tarefa simples, dada a sua invisibilidade. Vírus não reconhecem limites,
fronteiras, ou nenhuma outra noção geográfica. São os seres vivos que os transportam
de um lado para outro sem se dar conta, sem perceber a dimensão dos riscos.
Por isso a ausência de um
discurso coeso e uníssono nessa Pandemia, contribuiu significativamente para a
situação caótica que vive o Brasil. Essa não é uma conjuntura em que caibam
ações distintas ocorrendo simultaneamente. Vetores na mesma direção, mas em
sentidos opostos se anulam. E é exatamente isso o que está acontecendo com as inúmeras
e atabalhoadas medidas de restrição e isolamento que vêm sendo propostas desde
o ano passado.
Essa é uma realidade de “tudo ou nada” para o que se entende
como “LOCKDOWN”, segundo tem mostrado a experiência de vários países,
especialmente os do Reino Unido. Quaisquer prerrogativas que são concedidas
para a ampla e irrestrita circulação viral, significam abrir precedentes para
que o vírus promova suas mutações e se adapte cada vez mais de maneira
eficiente. Observe que ele não está de brincadeira pelo número de variantes já
encontradas em 1 ano de Pandemia.
O ponto de reflexão nessa
história toda é que nem mesmo se houvessem vacinas em dose suficiente para
imunizar toda a população brasileira, o problema não estaria resolvido. Primeiro,
porque o objetivo desses imunobiológicos produzidos tem sido evitar o colapso das
unidades de saúde, especialmente Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), com
pacientes em estado crítico e potencialmente fatal. Portanto, o objetivo das
vacinas disponíveis não é impedir a contaminação pelo vírus; mas, atenuar os
efeitos dessa infecção.
Segundo, porque as variantes
virais circulantes já demonstram capacidade tanto de reinfecção quanto de
coinfecção; então, os cientistas já estudam a possibilidade de que a imunização
perca em parte a sua eficiência nesses casos, dependendo das características dos
vírus em questão.
Aliás, é bom não perder de vista
que o Sars-COV-2 trabalha em uma velocidade muito mais intensa do que podem os
pesquisadores ao redor do mundo. Muitas perguntas não foram ainda plenamente
elucidadas, enquanto outras surgem a cada hora. Todo novo vírus que aparece no
planeta é como um quebra-cabeças de milhões de peças misturado em uma caixa com
outros quebra-cabeças. Até encontrar a peça que se encaixa perfeitamente... é
uma corrida contra o tempo.
Só que as pessoas querem se
apegar ao retorno de uma vida, de uma normalidade, que não existe mais. De modo
que para aplacar essa angustia, deveriam perguntar aos remanescentes dos países
arrasados durante a Segunda Guerra Mundial o que foi renascer das cinzas,
reconstruir material e subjetivamente uma nação, para terem a dimensão exata do
que isso significa.
A Pandemia é uma guerra sem armas
físicas – bombas, granadas, metralhadoras, fuzis; mas, de um inimigo biológico altamente
estratégico e implacável para fazer estragos humanos tão poderosos quanto. E toda
vez que isso acontece a população não permanece a mesma.
Em um país em guerra o cotidiano
para, a economia se submete aos tempos de desafio. Produção e consumo se voltam
para o estritamente necessário. Enfim... Mudam as prioridades. As demandas. Os
projetos. O jeito de pensar. De fazer. De resolver. O pós-guerra é sempre um
tempo de recomeçar. A partir de um novo traçado. De uma nova perspectiva. De novas
expectativas.
A insistência em se apegar em
decisões “abrasileiradas” para
atender a cada senhor que reivindica seus interesses só nos tem feito aprofundar
num abismo ainda maior. Quanto mais os coveiros cavam sepulturas
ininterruptamente... mais a economia cai em queda livre rumo a encontrar o
fundo do poço. Porque a tomada de decisões permanece enovelada por equívocos e
contradições.
E não bastasse tudo isso ser a representação
de perdas humanas, o que deveria ser humanitariamente inadmissível; suas
entrelinhas apontam para o declínio da população economicamente ativa
brasileira. Sim, porque as recentes variantes encontradas no país indicaram uma
tendência de equilíbrio entre os óbitos acima e abaixo de 60 anos. Isso quer
dizer que estamos sim, perdendo as forças para reconstruir, para recomeçar no
Pós-Pandemia.
O país que se gaba de ter 212 milhões
de técnicos de futebol espalhados por cada esquina do seu território, agora faz
o mesmo em relação à Ciência. Nunca existiram tantos “médicos”, “epidemiologistas”, “imunologistas” e afins se
manifestando com argumentos de botequim, ferindo sem quaisquer cerimônias o
art. 47, do Decreto-Lei n. º 3.688, de 1941. Como se a vida humana pudesse
sobreviver aos excessos dos “achismos”
e casuísmos. São mais de 260 mil mortos no Brasil; 116 milhões no mundo. E as cifras
só fazem crescer.
Mas, apesar da cara blasé de uns e outros, ainda há
esperança, porque o mundo aprendeu com o Titanic que se limitar a prestar
atenção só a ponta do iceberg pode ser fatal. Afinal, “fluindo na direção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitavelmente,
todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade
humana de interrompê-las e iniciar algo novo, faculdade inerente à ação como perene
advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas
para começar” (Hannah Arendt – A condição humana).