terça-feira, 9 de março de 2021

Linhas tênues


Linhas tênues

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Recentemente escrevi um texto falando sobre o “balaio de gato” que se transformou a vida. Basta um piscar de olhos para confundir “alhos com bugalhos” e perder o foco do que realmente importa. Algo que fica muito claro nos cenários do poder, onde parece que o “quanto pior melhor” reina absoluto para dificultar a compreensão isenta e objetiva da população. Isso significa uma investida acirrada de sobreposição, a quaisquer preços, dos interesses políticos em detrimento de quaisquer outros.

Ora, mas o país é sustentado por um arcabouço de leis, regras, códigos, doutrinas para assegurar o equilíbrio e a manutenção da sociedade, evitando ou mitigando a deflagração de eventuais conflitos de interesses. E nesse campo das teias jurídicas, o Brasil dispõe de um arranjo bastante robusto para auxiliá-lo no trânsito das decisões; o que não quer dizer que não possa incorrer em situações equivocadas ou desconfortáveis a opinião majoritária, por conta da própria força e possibilidades existentes na arena do Direito.

Como grande parte da população desconhece os meandros e terminologias jurídicas, não é difícil distanciá-la da reflexão isenta e objetiva em casos de amplo interesse público; sobretudo, quando se permite legitimar os interesses políticos a partir do respaldo de decisões da Justiça. Muito embora, existam pessoas que se permitem aceitar esse processo por vontade própria, por mera conveniência e passividade cidadã.

Assim, o foco do que está em jogo deixa de ser o fato em si, para se resumir aos aspectos periféricos e menos relevantes judicialmente; mas, bem mais simplistas e assimiláveis, criando uma atmosfera de apoio deveras tendenciosa. Porque aquilo que deveria ser o objeto de análise processual, que é necessariamente a razão do assunto ter alcançado a esfera do judiciário, se perde em si mesmo pela fragilidade da peça instituída ou da condução do rito processual. Como se a espuma passasse a despertar mais atenção do que o próprio leite. Daí a necessidade da atenção, da lisura, do comprometimento para evitar a nulidade do processo e, por consequência, a construção de uma dúvida sobre a existência ou não do delito.

Não canso de repetir minhas reflexões sobre o ranço colonial existente no Brasil, especialmente, no tocante a práxis de que “os fins justificam os meios”; mas, é por razões óbvias como essa. As tentativas em se fazer da Justiça um instrumento de legitimação de interesses políticos só faz desvirtuar completamente os seus princípios éticos e morais; como, também, deteriorar a solidez das instituições e do espírito cidadão.

Como tão bem escreveu Rui Barbosa, “saudade da justiça imparcial, exata, precisa. Que estava ao lado da direita, da esquerda, centro ou fundos. Porque o que faz a justiça é o “ser justo”. Tão simples e tão banal. Tão puro. Saudade da justiça pura, imaculada. Aquela que não olha a quem nem o rabo de ninguém. A que não olha o bolso também. Que tanto faz quem dá mais, pode mais, fala mais. Saudade da justiça capaz”.

A quebra de protocolos, de diretrizes, de condutas consagradas, estabelece discrepâncias de julgamentos e de pessoas, ou seja, enfatiza as desigualdades, fomenta as polarizações que inflamam as paixões do mundo. Tendo em vista se tratar da negligência e da desobservância do Direito, cujo comprometimento fundamental deveria ser o de agir com imparcialidade e no atendimento eficiente e responsável as causas que chegam ao seu conhecimento. Afinal, “a defesa não quer dizer o panegírico1 da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais” (Rui Barbosa – Obras Completas, 1942).

Portanto, a coexistência pacífica e equilibrada que não só o Brasil; mas, o mundo anseia, busca no Direito uma resposta precisa, uma decisão que exima dúvidas e questionamentos, que cumpra a justiça o suficiente para desconstruir a banalização do ilícito, onde quer que ele queira emergir.

O ser humano é, por excelência, um ser falível. Ele pode errar por atos, omissões, indecisões ou juízos de valor equivocados. Cabe, então, à Justiça colocar sobre sua balança a apuração dos fatos com objetividade e precisão; para só assim, poder reparar, quando de fato existirem, os desvios cometidos e oferecer a punição cabível dentro dos preceitos das leis em vigência.



1 Elogio solene. Discurso Público em louvor a alguém ou algum ser abstrato.