segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A gente colhe o que planta...


A gente colhe o que planta...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

O que seria enfrentar a Pandemia de um vírus desconhecido, realmente ninguém sabia. Mas, uma coisa importantíssima, que a Ciência deixou bem claro desde o início, era que a capacidade humana de responder adequadamente as medidas sanitárias exigidas tornaria o processo de recuperação econômica muito mais rápido. E o que fizemos? Seguir exatamente na direção contrária dessa orientação.

Por isso agora, quase um ano depois da deflagração da Pandemia, estamos caminhando em círculos sem sair do lugar. Assistindo estupefatos a morte de centenas de milhares de pessoas, ao mesmo tempo em que outras tantas insistem em exercer a sua anticidadania de maneira explícita. Sem contar, a espiral do fracasso econômico a divulgar seus números aterrorizantes que não vislumbram tão cedo uma recuperação que dê folego de sobrevivência aos cidadãos.

Quando vejo pequenos grupos se manifestando ardorosamente em favor de seus interesses particulares e em desfavor da realidade científica que precisa vigorar, me pergunto se suas pautas não estariam, no mínimo, equivocadas. Deveriam eles estar cobrando das correntes maléficas e deturpantes, que vieram movendo as ondas da sociedade na contramão da Ciência, toda a responsabilidade sobre a inação do país durante essa Pandemia.

Cada ser que se dedicou a trabalhar em desfavor da vida humana nesse momento é responsável sim, por cavar um buraco bem mais profundo do que as próprias valas que vêm sendo abertas para sepultar os mortos decorrentes da COVID-19. O que significa o aprofundamento do abismo das desigualdades nacionais numa perspectiva de velocidade e intensidade jamais vistas. Será que temos mesmo algum motivo para comemorar, quando as vísceras de nossas mazelas estão expostas para quem quiser olhar?

Não, o humor deprimido que nos preenche a alma nesse momento não é culpa do Sars-Cov-2. Ele foi apenas um catalisador de uma reação devastadora que já vínhamos formulando silenciosamente. Tudo já estava esgarçado, carcomido, em fiapos. Economia. Desemprego. Pobreza. Miséria. Saúde. Educação. Segurança. ... tudo vinha de mal a pior há séculos, sob névoas de delírios e negligências. Oportunas fugas da realidade pulsante.

No entanto, agora, ou se toma atitude em nome da sobrevivência em meio ao que nos resta ou nos rendemos a “vender a massa falida” ao preço de banana a quem possa interessar. Porque uma eventual recuperação em bases mais consistentes demandaria, segundo economistas, mais de uma década se fosse implementada imediatamente. E não é o que parece acontecer. Como cachorros de rua, continuamos correndo atrás do próprio rabo sem objetivo algum.

Está aí a consequência do nosso exercício negligente da cidadania. Na base do riso e da piada, pagando para ver a torto e a direita, de repente o país estava desmantelado. De desconstrução em desconstrução foram desorganizando e sucateando as diversas áreas da administração pública, em nome de destruir supostos resquícios de interferência ideológica. Até que elas foram tão minadas que começaram a paralisar suas atividades e não conseguiram mais responder as suas próprias funções.

Vimos na prática esse resultado durante as queimadas nos principais biomas do país. Na substituição de corpos técnico-científicos de primeira linha por contratados através de acordos políticos. Na perda abrupta da excelência do nosso programa de imunização nacional.  ... De modo que perdemos qualquer vestígio de qualidade na resolução dos problemas mais triviais, por pura incompetência.

Como escreveu o poeta do samba, o mestre Cartola, “Ouça-me bem, amor / Preste atenção, o mundo é um moinho / Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho / Vai reduzir as ilusões a pó...” 1. A Pandemia atingiu o mundo; mas, não da mesma forma. As diferenças sociais, culturais, políticas e, particularmente, econômicas nos obrigam a não estabelecer comparações a partir da mesma régua. E justamente por isso, os ventos de calmaria não tendem a chegar por aqui tão cedo. Razão pela qual se torna tão infeliz e absurdas as atitudes que tentam transparecer otimismo em meio a um caos instalado.

Quem ousa responder como será o amanhã, só pode estar de brincadeira! O eixo de uma dinâmica que se devolvia foi totalmente alterado. Só para se ter uma ideia, a prioridade do planeta hoje é imunizar uma população de aproximadamente 8 bilhões de seres humanos e, para tal, esforços econômicos têm se concentrado tanto para produzir quanto para comercializar vacinas. Mas, a tarefa é longa e árdua; na medida em que os cientistas estimam que o processo deve perdurar por vários anos.

Portanto, tudo o que está acontecendo conosco é só mais um preço a se pagar pela nossa anticidadania. O que significa que vamos sim, arrastar correntes além da conta se permanecermos alheios, inertes, alienados. Não ter Carnaval, não ter mesa de boteco, não ter muvuca aqui e ali, ... vai ficar “fichinha” perto de todas as privações que as consequências terríveis do não planejamento, da inação e do descompromisso voluntário vão nos proporcionar. Porque não há “lentes cor de rosa” suficientemente capazes de acenar com uma expectativa melhor ou diferente. A gente colhe o que planta. Nem adianta querer que melancia dê em árvore.