A
gente colhe o que planta...
Por
Alessandra Leles Rocha
O que seria enfrentar a Pandemia
de um vírus desconhecido, realmente ninguém sabia. Mas, uma coisa
importantíssima, que a Ciência deixou bem claro desde o início, era que a
capacidade humana de responder adequadamente as medidas sanitárias exigidas
tornaria o processo de recuperação econômica muito mais rápido. E o que fizemos?
Seguir exatamente na direção contrária dessa orientação.
Por isso agora, quase um ano
depois da deflagração da Pandemia, estamos caminhando em círculos sem sair do
lugar. Assistindo estupefatos a morte de centenas de milhares de pessoas, ao
mesmo tempo em que outras tantas insistem em exercer a sua anticidadania de
maneira explícita. Sem contar, a espiral do fracasso econômico a divulgar seus
números aterrorizantes que não vislumbram tão cedo uma recuperação que dê
folego de sobrevivência aos cidadãos.
Quando vejo pequenos grupos se
manifestando ardorosamente em favor de seus interesses particulares e em
desfavor da realidade científica que precisa vigorar, me pergunto se suas
pautas não estariam, no mínimo, equivocadas. Deveriam eles estar cobrando das
correntes maléficas e deturpantes, que vieram movendo as ondas da sociedade na
contramão da Ciência, toda a responsabilidade sobre a inação do país durante
essa Pandemia.
Cada ser que se dedicou a
trabalhar em desfavor da vida humana nesse momento é responsável sim, por cavar
um buraco bem mais profundo do que as próprias valas que vêm sendo abertas para
sepultar os mortos decorrentes da COVID-19. O que significa o aprofundamento do
abismo das desigualdades nacionais numa perspectiva de velocidade e intensidade
jamais vistas. Será que temos mesmo algum motivo para comemorar, quando as
vísceras de nossas mazelas estão expostas para quem quiser olhar?
Não, o humor deprimido que nos
preenche a alma nesse momento não é culpa do Sars-Cov-2. Ele foi apenas um
catalisador de uma reação devastadora que já vínhamos formulando
silenciosamente. Tudo já estava esgarçado, carcomido, em fiapos. Economia.
Desemprego. Pobreza. Miséria. Saúde. Educação. Segurança. ... tudo vinha de mal
a pior há séculos, sob névoas de delírios e negligências. Oportunas fugas da
realidade pulsante.
No entanto, agora, ou se toma
atitude em nome da sobrevivência em meio ao que nos resta ou nos rendemos a “vender a massa falida” ao preço de banana
a quem possa interessar. Porque uma eventual recuperação em bases mais
consistentes demandaria, segundo economistas, mais de uma década se fosse
implementada imediatamente. E não é o que parece acontecer. Como cachorros de
rua, continuamos correndo atrás do próprio rabo sem objetivo algum.
Está aí a consequência do nosso exercício
negligente da cidadania. Na base do riso e da piada, pagando para ver a torto e
a direita, de repente o país estava desmantelado. De desconstrução em
desconstrução foram desorganizando e sucateando as diversas áreas da
administração pública, em nome de destruir supostos resquícios de interferência
ideológica. Até que elas foram tão minadas que começaram a paralisar suas
atividades e não conseguiram mais responder as suas próprias funções.
Vimos na prática esse resultado
durante as queimadas nos principais biomas do país. Na substituição de corpos
técnico-científicos de primeira linha por contratados através de acordos
políticos. Na perda abrupta da excelência do nosso programa de imunização
nacional. ... De modo que perdemos
qualquer vestígio de qualidade na resolução dos problemas mais triviais, por
pura incompetência.
Como escreveu o poeta do samba, o
mestre Cartola, “Ouça-me bem, amor /
Preste atenção, o mundo é um moinho / Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho /
Vai reduzir as ilusões a pó...” 1. A
Pandemia atingiu o mundo; mas, não da mesma forma. As diferenças sociais,
culturais, políticas e, particularmente, econômicas nos obrigam a não
estabelecer comparações a partir da mesma régua. E justamente por isso, os
ventos de calmaria não tendem a chegar por aqui tão cedo. Razão pela qual se
torna tão infeliz e absurdas as atitudes que tentam transparecer otimismo em
meio a um caos instalado.
Quem ousa responder como será o
amanhã, só pode estar de brincadeira! O eixo de uma dinâmica que se devolvia
foi totalmente alterado. Só para se ter uma ideia, a prioridade do planeta hoje
é imunizar uma população de aproximadamente 8 bilhões de seres humanos e, para
tal, esforços econômicos têm se concentrado tanto para produzir quanto para
comercializar vacinas. Mas, a tarefa é longa e árdua; na medida em que os
cientistas estimam que o processo deve perdurar por vários anos.
Portanto, tudo o que está
acontecendo conosco é só mais um preço a se pagar pela nossa anticidadania. O
que significa que vamos sim, arrastar correntes além da conta se permanecermos
alheios, inertes, alienados. Não ter Carnaval, não ter mesa de boteco, não ter
muvuca aqui e ali, ... vai ficar “fichinha”
perto de todas as privações que as consequências terríveis do não planejamento,
da inação e do descompromisso voluntário vão nos proporcionar. Porque não há “lentes cor de rosa” suficientemente
capazes de acenar com uma expectativa melhor ou diferente. A gente colhe o que
planta. Nem adianta querer que melancia dê em árvore.