quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O Circo dos Horrores


O Circo dos Horrores

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

As afrontas recentes à Democracia brasileira são o espelho de toda a displicência negligente desempenhada pela própria sociedade. Foi aceitando “as carteiradas”, “os pequenos poderes”, as usurpações de direitos, os preconceitos, as hipocrisias, ... que os indivíduos foram acreditando que poderiam ser sem limites, fazer e acontecer sem objeções; porque na sua abstenção silenciosa, a sociedade referenda de algum modo essas práticas.

A deturpada consciência que a população brasileira manifesta em relação a sua identidade cidadã é o ponto nevrálgico para essa reflexão. Justamente porque a cidadania nivela os indivíduos a um mesmo nível de direitos e obrigações, e no Brasil, há uma tendência de caráter histórico a uns quererem ser mais do que outros. Coisas de um ranço colonial que não se desprega nem à custa de todos os giros possíveis do tempo.

A polarização que vem se exacerbando há algum tempo no país, não é, necessariamente, política; mas, de valores e pensamentos. Conservadores e progressistas estão disputando um espaço de fala, o qual na verdade não deveria estar em discussão. Segundo li, certa vez, “Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas, então, o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado, é desaparecimento e por outro lado é renascimento. Assim somos nós. Só podemos ir em frente e arriscar” (Osho – guru indiano líder do movimento Rajneesh). Esse impasse, essa resistência, além de nocivo e destruidor é, portanto, inútil.

Independente da mentalidade de uns e outros, o mundo segue seu curso regido pela influência das conjunturas e toda a sua imprevisibilidade. Tudo vai se redesenhando e se reconfigurando a partir de demandas que a própria sociedade passa a manifestar. São os sonhos, os desejos, as aspirações, os conhecimentos, que vão impulsionando o pensamento humano a desbravar cada vez mais os terrenos da sua própria história.

E o que se evidencia em primeiro plano nessa jornada é a inexistência de certo ou errado. A vida humana depende das experimentações a que se permite. De modo que nem tudo serão flores ou espinhos. O que importa é a resultante de aprendizados, de lições valiosas, que se alcança. Os tropeços, os equívocos, as distorções servem para nos interromper e pensar. As vitórias, as conquistas, as descobertas servem para nos impulsionar adiante.

A queda de braços que está se institucionalizando no país já ultrapassa o sentido de simples retrocesso, porque está transitando pelo viés da destruição social. Seres humanos, centenas de milhares deles, estão mortos e outros estão sob o mesmo risco. O Sars-Cov-2 é, no momento, um agente importante desse processo, dada a falta de habilidade e competência das autoridades para lidarem com a situação.

Entretanto, há outras razões para o morticínio. As políticas voltadas para armar a população civil, sem quaisquer embasamentos científicos a respeito; nem tampouco, quaisquer justificativas plausíveis para o desencadeamento de algo nesse sentido. A aporofobia1 que se une a tantas outras formas de radicalismo do ódio social, tais como a Xenofobia, Racismo, Homofobia, Antissemitismo, Sexismo. A miséria que se alastra para a construção de uma indigência qualificada no ciclo vicioso da marginalização social. Enfim...

A pergunta que não quer calar, então, é o que esperar do Brasil, tanto do ponto de vista interno quanto no campo das relações internacionais? Porque esse panorama atual não mostra além de um imobilismo. O país não acena uma imagem contextualizada a realidade mundial do século XXI. Suas teorias e práticas estão ancoradas em fases distintas do passado e não demonstram viabilidade de transição para o presente, quiçá para um futuro próximo. Enquanto a polarização instituída se digladia discutindo o sexo dos anjos, o país está literalmente parado no tempo e no espaço.

E vejam como é curioso, o Brasil que gosta de marginalizar, banir pessoas, “falar grosso” e “arrotar poder”, padece o mesmo, enquanto país, diante do resto do mundo. Tornou-se pária em várias questões. Excluído das mesas de negociações, dos tratados, do diálogo, por optar em permanecer na contramão da evolução, da Ciência, do Meio Ambiente, ... da vida.

Entretanto, sem as pessoas de cá e as de lá, o que é o Brasil? Uma porção de terra na geografia do mundo. Sem ver as pessoas, perceber sua importância, valorar e respeitar a sua identidade e o seu pensamento, nenhum país se torna NAÇÃO. E só NAÇÕES podem discutir Democracia, Direitos Humanos, Sustentabilidade Ambiental, Soberania, etc.etc.etc. Então, basta do circo dos horrores, do teatro dos vampiros! Talvez, seja hora de parar de estancar o fluxo do rio e deixá-lo correr para o mar, antes que a água contida acabe totalmente putrefata.



1 Repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria. [Do grego á-poros, ‘pobre, desamparado, sem recursos’ + fobia]. Fonte: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/aporofobia#:~:text=Rep%C3%BAdio%2C%20avers%C3%A3o%20ou%20desprezo%20pelos,recursos'%20%2B%20%2Dfobia.%5D&text=%E2%80%9CTexto%20criminaliza%20especificamente%20a%20aporofobia,por%20sua%20condi%C3%A7%C3%A3o%20de%20pobreza.%E2%80%9D