quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Identificação, por favor!


Identificação, por favor!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Não, eu não quero ir para Marte! O que adianta ir para qualquer lugar do Universo, onde os mesmos pensamentos equivocados e distorcidos continuem existindo? Corrida espacial nessas alturas do campeonato, só pode ser piada, e de mal gosto, diga-se de passagem! Para quem, ainda, não percebeu o “planetinha” aqui está “pegando fogo”, problemas para dar e vender! COVID-19, nevasca, furacão, terremoto, enchente, erupção vulcânica, ... só escolher! Mas, mesmo assim, eu não quero ir para Marte!

Desculpem-me a ironia; mas, é que a paciência está chegando no fim. Ela está longe de ser diretamente proporcional aos absurdos que nos deparamos todos os dias. Porque não bastassem os problemas há muita coisa acontecendo e sendo categorizada como tal; mas, que não passa de atitudes impensadas, bizarrices de quem não está nem aí para a vida nem para ninguém.

O ser humano não é mais o mesmo, há tempos. Não se comove com a dor do outro. Não se impacta pelas estatísticas. Não pensa no hoje e nem no amanhã. Não cumpre suas obrigações. Não defende seus direitos. ... Em suma, é um conjunto de individualismos e narcisismos que passam os dias competindo entre si. Talvez, na esperança, de descobrir em quem entre eles ainda resta uma gota de lucidez e de sanidade. O que é muito pouco provável, diante do que vem apresentando.

Parece terem decidido que não compensa mais fazer nada em favor desse mundo. Deram a Terra por causa perdida e querem conquistar outros espaços para não se obrigarem a resolver problemas. Só se esqueceram de que estes são produto genuinamente humano. Plantas não têm problemas. Animais não têm. Pedras não têm. Só pessoas têm problemas, porque dispõem de inteligência e de capacidade cognitiva que lhes permite interagir suas emoções e sentimentos com o mundo.

Para qualquer lugar que você vá, então, os problemas são o seu casco de tartaruga para carregar nas costas; pelo menos, até que consiga resolvê-los. E para isso é preciso vontade de fazer. Vontade de transformar. Vontade de colocar a casa em ordem. O que parte de um movimento individualmente intimista para uma construção coletiva de afinidades, de objetivos comuns, de metas e ações compartilhadas empaticamente.

Mas, sem o primeiro passo, nada feito. Nunca o planeta demandou tanta necessidade de proatividade como agora. O estado caótico impõe arregaçar as mangas e agir. Não dá para ficar na janela vendo “a banda passar”, enquanto centenas de milhares de pessoas caminham sobre estradas de escombros, de mortos e de feridos. Tudo acontecendo simultaneamente, sem tréguas, sem descanso.

Aí, chegam uns e outros com essa ideia de ser astronauta, viajar para Marte. Bela visão do espaço; mas, que garantias de que lá a realidade seria realmente outra, hein?! Nenhuma. “Conversas para boi dormir”, como dizem os mineiros. Apenas idealizações para anestesiar os incômodos e as aflições do agora. Nada mais.

Na verdade, a raça humana se tornaria refugiada. Refugiada de suas guerras materiais e imateriais. Refugiada das epidemias que sua afronta à Ciência permitiu se alastrar. Refugiada de sua ganância que permitiu espalhar fronteiras funestas de desigualdade. Refugiada em razão do seu alto grau de desumanidade. ... Portanto, refugiada para fugir dos compromissos que a sua existência humana cobra com juros e correções diária e ininterruptamente.   

O céu que fascina e atrai tem dessas coisas. Cria esperanças. Tece divagações. Cintila sonhos. Constrói labirintos para fugir da realidade. Baliza a vida por parâmetros ilusórios e pouco resistentes e, assim, se pode acreditar que o jardim do vizinho é sempre mais verde e bonito. Olha para o alto para não ter que enxergar as misérias humanas que produz continuamente aqui embaixo.  

Mas, será mesmo, que em meio as incertezas que a tal viagem transpira, corremos algum risco quanto a acolhida? Sim, porque é muita prepotência e arrogância pensar que só na Terra exista vida. Portanto, não sabemos como seriam os donos de lá. Será que algum homenzinho verde, um extraterrestre, será capaz de nos tratar na mesma reciprocidade com que agimos em relação aos nossos pares por aqui? Seremos humilhados? Maltratados? Escravizados? Espoliados? Coisas que só mentes tão inteligentes e astutas são capazes e que não sabemos se eles estão nesse patamar, ou acima dele.

Talvez, no fim das contas, o que deseja a humanidade é aplacar a sede de seu eterno fastio. Colonizar é uma expressão que lhe desperta os sentidos, lhe aguça as vontades; mas, é só. Depois, é como no fim da festa, as expectativas se esvaem enquanto a realidade retoma o seu curso. O tempo do novo é fugaz e frustrante, evapora tão rápido que nem se chega a perceber o verdadeiro odor. Alice acorda. Cinderela volta a ser a gata borralheira. O encanto se desfaz... De modo que viver em Marte, ou Júpiter, ou qualquer outro canto do nosso sistema solar, não vale a pena, não faz sentido algum, porque seremos sempre os mesmos. É o que diz a nossa identidade mais profunda.