quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A força das conjunturas


A força das conjunturas

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Inexorável é a força das conjunturas. É dela que vem a materialização das transformações no mundo. Foi nesse “de repente” que a caixa das verdades se abriu, nas últimas semanas. Talvez, nem tenham sido tão surpreendentes as revelações; mas, o importante é o fato de terem exposto a sociedade as suas indigestas e dissimuladas opiniões.

Verdade seja dita, a verborragia que o mundo assiste diariamente não expõe nem um décimo daquilo o que realmente reside na alma humana. Pode-se dizer que há um certo pudor contido, em muitos discursos, decorrente da plena consciência de que certas ideias não cabem mais, não fazem sentido algum, não tem espaço para prosperar. São simplesmente mantidas por insistência tosca e infantil.

O que significa que tentam, sem muito sucesso, então, obscurecê-las sob vieses tão insustentáveis quanto. Mas, é só ler as entrelinhas. Prestar atenção as linguagens corporais. Identificar os participantes no ambiente discursivo para entender de vez que “pingo é letra” e tem significado.

Há tempos venho pensando a respeito das narrativas que permeiam a questão da corrupção nacional, observando as falas inflamadas e indignadas de determinadas pessoas, as linhas dos acontecimentos que parecem nunca ter fim e se retroalimentam em um padrão de comportamentos e de ações, e tudo parece compor sempre uma estrutura já legitimada, institucionalizada historicamente.

E se não se chega a um fim, a um desfecho para tudo isso, é sinal que a corrupção ingressou para o rol dos assuntos que servem de bom pretexto para destilar os tais pensamentos “inconfessáveis” que persistem na sociedade brasileira contemporânea. Um imenso guarda-chuva para abrigar outras ideias de modo subliminar.

Em razão de ser desvio grave que promove a degradação das relações sociais, sobretudo político-partidárias, hastear a bandeira de combate à corrupção, nada mais é, do que buscar reconsolidar fundamentos éticos e morais conservadores. O que está diretamente relacionado ao conjunto ideológico que sustentou a história colonial do país em todas as suas práticas, relações e comportamentos sociais.

Portanto, o que mais incomoda a sociedade brasileira não é a corrupção em si. Afinal de contas, mais de 500 anos de história já seriam suficientes para termos debelado ou, no mínimo, mitigado satisfatoriamente essa mazela. Se ela existe e resiste é porque encontrou meios de conviver “entre tapas e beijos” no seio social. O que incomoda e, talvez, sempre irá incomodar são as rupturas naturais ao processo de evolução social que desconstroem hierarquias, regalias, privilégios, convenções, ...

O pior é que esse incômodo não está restrito a sociedade brasileira. Mundo afora, o conservadorismo luta para resgatar o espaço dos idos tempos Mercantilistas. Aliás, o desconforto causado pela Revolução Francesa, no século XVIII, foi o estopim para que a conservadora burguesia europeia emergente se mobilizasse para conter os arroubos das classes desprivilegiadas.

Antes que a energia do movimento reverberasse por outros cenários monárquicos, eis que a Revolução Industrial, na Inglaterra, impôs uma divisão de classes bem definidas e controlou as tensões sociais com um regime trabalhista intenso e desprovido de direitos. A ascensão das classes menos favorecidas se tornara inviabilizada; de modo que, não ameaçaria os proprietários dos meios de produção, os habitantes do topo da pirâmide social.

O que querem os conservadores aqui, ali ou acolá, é o mesmo. Que seu “pequeno mundinho” não seja ameaçado por uma divisão mais justa dos lucros e dividendos produzidos no país. Que não tenham que pagar mais impostos e tributos. Que não tenham que dividir os mesmos espaços sociais com aqueles considerados “malnascidos”, “subnutridos”, “indigentes”; enfim... Seus esforços trabalham incessantemente na contramão da inclusão.

Por isso eles precisam, tanto, ocupar os centros de poder. É assim que eles garantem todas as políticas segregantes, as quais traduzimos pelos números que colocam o país abaixo das expectativas de competitividade mundo afora. No entanto, ao impedirem o fluxo natural do desenvolvimento e do progresso ao longo do tempo, para limitar o acesso aos direitos fundamentais pela base maior da sua pirâmide social, o país não avança. De modo que a própria realidade idealizada dos conservadores, também, se descontrói por tais limitações. É o chamado “tiro no pé”.

Parece que não aprendemos nada da própria história. Fomos colônia, minha gente. Explorados, espoliados, até a última pepita de ouro ... árvore de Pau-Brasil ... bagaço de cana. Tratados como gente de última categoria. Humilhados de todas as formas. E o que temos feito, depois de tudo isso, é repetir indefinidamente entre si os mesmos absurdos e desvarios? Como assim? Conservar uma tradição deturpada?

Lamento informar que as notícias não são lá alvissareiras. Corre pelo mundo que a Pandemia deixou cada canto de terra mais pobre. A recuperação será lenta, segundo os esforços e capacidades individuais de cada nação. Tudo resumido, então, em 3Ps, ou seja, PLANEJAMENTO, PARCIMÔNIA e PREVIDÊNCIA. Menos gastança. Menos excessos e futilidades. Aos que ainda não entenderam, o menos agora é mais.

Contrariando vontades e quereres dos conservadores de plantão, mais uma vez, nada será como antes. Porque o mundo é assim. De repente ele chega e puxa o tapete, sem pedir licença. Dessa vez, um vírus trouxe o aprendizado dos tempos de guerra. Que cabe para todos, para cada um. Para a base da pirâmide que já vive essa sina há tempos, as dificuldades tendem a ser superadas, de algum modo, com mais sabedoria e perseverança. Mas, para o topo... o sofrimento será atroz.  E não é que a roda da vida virou mesmo!

Portanto, antes de querer conservar alguma ideia, algum hábito ou comportamento, não se esqueça das sábias palavras de Franklin D. Roosevelt 1, “Um conservador é um homem com duas pernas perfeitamente boas que nunca aprendeu a caminhar”. Não são os rodopios evolutivos do mundo que, no fundo, incomodam as pessoas; mas, a sua dificuldade de se desapegar do passado e suas ilusórias zonas de conforto. Pense nisso!



1 32º Presidente dos Estados Unidos da América, entre os anos de 1933 a 1945. 

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