A
força das conjunturas
Por
Alessandra Leles Rocha
Inexorável é a força das
conjunturas. É dela que vem a materialização das transformações no mundo. Foi
nesse “de repente” que a caixa das
verdades se abriu, nas últimas semanas. Talvez, nem tenham sido tão
surpreendentes as revelações; mas, o importante é o fato de terem exposto a
sociedade as suas indigestas e dissimuladas opiniões.
Verdade seja dita, a verborragia
que o mundo assiste diariamente não expõe nem um décimo daquilo o que realmente
reside na alma humana. Pode-se dizer que há um certo pudor contido, em muitos
discursos, decorrente da plena consciência de que certas ideias não cabem mais,
não fazem sentido algum, não tem espaço para prosperar. São simplesmente
mantidas por insistência tosca e infantil.
O que significa que tentam, sem
muito sucesso, então, obscurecê-las sob vieses tão insustentáveis quanto. Mas,
é só ler as entrelinhas. Prestar atenção as linguagens corporais. Identificar
os participantes no ambiente discursivo para entender de vez que “pingo é
letra” e tem significado.
Há tempos venho pensando a
respeito das narrativas que permeiam a questão da corrupção nacional,
observando as falas inflamadas e indignadas de determinadas pessoas, as linhas
dos acontecimentos que parecem nunca ter fim e se retroalimentam em um padrão
de comportamentos e de ações, e tudo parece compor sempre uma estrutura já
legitimada, institucionalizada historicamente.
E se não se chega a um fim, a um
desfecho para tudo isso, é sinal que a corrupção ingressou para o rol dos
assuntos que servem de bom pretexto para destilar os tais pensamentos
“inconfessáveis” que persistem na sociedade brasileira contemporânea. Um imenso
guarda-chuva para abrigar outras ideias de modo subliminar.
Em razão de ser desvio grave que
promove a degradação das relações sociais, sobretudo político-partidárias,
hastear a bandeira de combate à corrupção, nada mais é, do que buscar
reconsolidar fundamentos éticos e morais conservadores. O que está diretamente
relacionado ao conjunto ideológico que sustentou a história colonial do país em
todas as suas práticas, relações e comportamentos sociais.
Portanto, o que mais incomoda a
sociedade brasileira não é a corrupção em si. Afinal de contas, mais de 500
anos de história já seriam suficientes para termos debelado ou, no mínimo,
mitigado satisfatoriamente essa mazela. Se ela existe e resiste é porque
encontrou meios de conviver “entre tapas
e beijos” no seio social. O que incomoda e, talvez, sempre irá incomodar
são as rupturas naturais ao processo de evolução social que desconstroem hierarquias,
regalias, privilégios, convenções, ...
O pior é que esse incômodo não
está restrito a sociedade brasileira. Mundo afora, o conservadorismo luta para
resgatar o espaço dos idos tempos Mercantilistas. Aliás, o desconforto causado
pela Revolução Francesa, no século XVIII, foi o estopim para que a conservadora
burguesia europeia emergente se mobilizasse para conter os arroubos das classes
desprivilegiadas.
Antes que a energia do movimento
reverberasse por outros cenários monárquicos, eis que a Revolução Industrial,
na Inglaterra, impôs uma divisão de classes bem definidas e controlou as
tensões sociais com um regime trabalhista intenso e desprovido de direitos. A
ascensão das classes menos favorecidas se tornara inviabilizada; de modo que, não
ameaçaria os proprietários dos meios de produção, os habitantes do topo da
pirâmide social.
O que querem os conservadores
aqui, ali ou acolá, é o mesmo. Que seu “pequeno
mundinho” não seja ameaçado por uma divisão mais justa dos lucros e
dividendos produzidos no país. Que não tenham que pagar mais impostos e
tributos. Que não tenham que dividir os mesmos espaços sociais com aqueles
considerados “malnascidos”, “subnutridos”,
“indigentes”; enfim... Seus esforços trabalham incessantemente na contramão
da inclusão.
Por isso eles precisam, tanto,
ocupar os centros de poder. É assim que eles garantem todas as políticas
segregantes, as quais traduzimos pelos números que colocam o país abaixo das
expectativas de competitividade mundo afora. No entanto, ao impedirem o fluxo
natural do desenvolvimento e do progresso ao longo do tempo, para limitar o
acesso aos direitos fundamentais pela base maior da sua pirâmide social, o país
não avança. De modo que a própria realidade idealizada dos conservadores,
também, se descontrói por tais limitações. É o chamado “tiro no pé”.
Parece que não aprendemos nada da
própria história. Fomos colônia, minha gente. Explorados, espoliados, até a
última pepita de ouro ... árvore de Pau-Brasil ... bagaço de cana. Tratados
como gente de última categoria. Humilhados de todas as formas. E o que temos
feito, depois de tudo isso, é repetir indefinidamente entre si os mesmos
absurdos e desvarios? Como assim? Conservar uma tradição deturpada?
Lamento informar que as notícias
não são lá alvissareiras. Corre pelo mundo que a Pandemia deixou cada canto de
terra mais pobre. A recuperação será lenta, segundo os esforços e capacidades
individuais de cada nação. Tudo resumido, então, em 3Ps, ou seja, PLANEJAMENTO,
PARCIMÔNIA e PREVIDÊNCIA. Menos gastança. Menos excessos e futilidades. Aos que
ainda não entenderam, o menos agora é mais.
Contrariando vontades e quereres
dos conservadores de plantão, mais uma vez, nada será como antes. Porque o
mundo é assim. De repente ele chega e puxa o tapete, sem pedir licença. Dessa
vez, um vírus trouxe o aprendizado dos tempos de guerra. Que cabe para todos, para
cada um. Para a base da pirâmide que já vive essa sina há tempos, as
dificuldades tendem a ser superadas, de algum modo, com mais sabedoria e
perseverança. Mas, para o topo... o sofrimento será atroz. E não é que a roda da vida virou mesmo!
Portanto, antes de querer
conservar alguma ideia, algum hábito ou comportamento, não se esqueça das sábias
palavras de Franklin D. Roosevelt 1, “Um conservador é um homem com duas pernas
perfeitamente boas que nunca aprendeu a caminhar”. Não são os rodopios
evolutivos do mundo que, no fundo, incomodam as pessoas; mas, a sua dificuldade
de se desapegar do passado e suas ilusórias zonas de conforto. Pense nisso!