À
deriva...
Por
Alessandra Leles Rocha
Cada dia que passa fica mais
evidente como o Brasil de hoje pensa como o Brasil Colônia. Não só por hábitos
e costumes ultrapassados e constrangedores; mas, porque não se permitiu
acompanhar o curso da história e se preparar para assumir as responsabilidades
de sua própria identidade. Basta uma passada de olhos pelas manchetes midiáticas
do país para confirmar essas percepções. “Perdidaço” seria a expressão mais
adequada para o país nesse momento. Ele não resolve nem o simples e nem o
complexo do seu cotidiano. Tropeça no cadarço o tempo todo. Tonteia de tanto
caminhar em círculos e não sai do lugar.
E nada poderia ser mais oportuno
do que uma Pandemia para iluminar as obscuridades nacionais. Agora, o país perdeu
o direito de dizer que não sabe, não conhece ou que nunca viu seus próprios
problemas, porque estão todos sob um gigantesco holofote, passando recibo de
tudo o que deveria ter sido feito e não foi. Os tapetes foram insuficientes
para conservarem quietinhas tantas poeiras que foram lançadas para baixo de
suas tramas.
Vejam que os aumentos de preços
anunciados hoje, para combustíveis e gás de cozinha, por exemplo, acompanham o
mercado internacional. Acontece que lá fora, os países além de bem-sucedidos na
história têm buscado fazer direitinho as suas lições de casa na Pandemia;
enquanto nós... pobres de nós, escolhemos diretrizes equivocadas, por assim
dizer, e agora só nos resta, mais uma vez, pagar caro, bem caro, por isso.
A própria Pandemia se transformou
em um gigantesco imbróglio nacional. Negligências em cima de negligências. Erros em cima de erros. O que funcionava bem
foi brutalmente desorganizado, desestruturado. Nenhum consenso. Nenhum respeito.
Nenhuma diretriz... E o país tem mais de 230 mil vidas perdidas. E uma
vacinação em curso lenta e temerária pela insuficiência em todos os sentidos.
Quase um ano depois, o país não
salvou a saúde da sua gente e nem, tampouco, a economia. Os avisos globais de
que essa catástrofe promovida pelo SARS-COV-2 iria trazer consequências severas
para a humanidade foram dados desde o início; mas, o Brasil se apropriou de uma
arrogância que jamais poderia. Se o mundo já está mais pobre, o que resta para
nós?
Segundo dados da Pnad Contínua
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,8% da população brasileira
passou a viver com menos de R$246,00/mês, ou seja, R$8,20/dia. Isso é só a
ponta de um iceberg. Há 14,6% da população em situação de desemprego; sem
contar, os 6 milhões de desalentados que tornam esse cenário ainda mais
perverso e cruel. O que traz a dimensão de um contingente em franco crescimento
e dependência do estado para sua sobrevivência, para a manutenção de seus
direitos fundamentais básicos.
Como no Titanic, todo esse
cenário brasileiro, portanto, possibilita vislumbrar o fato de que, certamente,
não haverá “botes salva-vidas” para todos e muitos irão morrer, quando o navio
afundar. Na verdade, já estão. O morticínio sob faces distintas da barbárie humana
já está em curso bem debaixo do nosso nariz. Não é o fato de que a morte possa encenar
o seu rito lentamente o que faz mudar o final macabro da história. Nem mesmo
qual figurino a morte vestirá faz diferença nessa análise. Está na
vulnerabilidade das condições humanas a que foram submetidas mais de 212 milhões
de cidadãos o ponto em questão.
De modo que as perspectivas de
desenvolvimento e progresso para o país não são nada promissoras. Porque se
esse contexto afeta diretamente aos que vivem aqui, por outros vieses da
conjuntura global eles passaram, também, a gerar desconforto e comprometer as
relações diplomáticas e comerciais com outros países. Afinal de contas, a
decisão pessoal do Brasil em não caminhar para frente não impediu que os outros
assim o fizessem e construíssem novas visões e paradigmas de mundo. E quanto
mais o tempo passa, mais essa situação se desgasta e apresenta arestas.
O sonho do Brasil colonial que
podia desfrutar nababescamente dos agrados e quireras da Metrópole e sua corte dirigente,
como contrapartida do sistema de exploração implantado; que não precisava se
preocupar com seus excluídos, dado o contexto da época; que podia viver as
sombras, sem maiores preocupações identitárias, feliz na condição subalterna,
mas confortável, de colônia... de fato, foi mesmo só um sonho. Por isso vive
preso a dois mundos. Insiste em viver de delírios. Entretanto, essa teimosia em
não dar o braço a torcer só piora a situação.
Há mais de 500 anos, o país navega
em rota de colisão. Saiu tão despreparado para a liberdade Republicana, que
vaga perdido até hoje. Meio vira-lata, sem identidade nacional definida, vive
em busca de entender de onde veio e para onde vai. Não é à toa a facilidade com
que “mete os pés pelas mãos” e cria
posições desfavoráveis, as quais só fazem estimular a manifestação de objeções,
cada vez mais contundentes, no cenário internacional.
Reconhecer ou não os fatos,
nessas alturas, pouco importa porque não tardam o colapso e seus
desdobramentos. Mais próximos de ir a pique estamos. As trincheiras da arrogância,
da prepotência, das regalias, dos privilégios, ... estão por um triz. A grande
dúvida é só se o país estará pronto para lidar com essa transformação, se não
vai se encolher e recolher mais uma vez a sua insignificância. Talvez, essa
seja uma das raras oportunidades de passar a história a limpo, de se construir
uma identidade própria e sustentável. Caso contrário, ele permanecerá à deriva, sendo
“um país que foi sem nunca ter sido”.