terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

À deriva...


À deriva...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

 

Cada dia que passa fica mais evidente como o Brasil de hoje pensa como o Brasil Colônia. Não só por hábitos e costumes ultrapassados e constrangedores; mas, porque não se permitiu acompanhar o curso da história e se preparar para assumir as responsabilidades de sua própria identidade. Basta uma passada de olhos pelas manchetes midiáticas do país para confirmar essas percepções. “Perdidaço” seria a expressão mais adequada para o país nesse momento. Ele não resolve nem o simples e nem o complexo do seu cotidiano. Tropeça no cadarço o tempo todo. Tonteia de tanto caminhar em círculos e não sai do lugar.

E nada poderia ser mais oportuno do que uma Pandemia para iluminar as obscuridades nacionais. Agora, o país perdeu o direito de dizer que não sabe, não conhece ou que nunca viu seus próprios problemas, porque estão todos sob um gigantesco holofote, passando recibo de tudo o que deveria ter sido feito e não foi. Os tapetes foram insuficientes para conservarem quietinhas tantas poeiras que foram lançadas para baixo de suas tramas.

Vejam que os aumentos de preços anunciados hoje, para combustíveis e gás de cozinha, por exemplo, acompanham o mercado internacional. Acontece que lá fora, os países além de bem-sucedidos na história têm buscado fazer direitinho as suas lições de casa na Pandemia; enquanto nós... pobres de nós, escolhemos diretrizes equivocadas, por assim dizer, e agora só nos resta, mais uma vez, pagar caro, bem caro, por isso.

A própria Pandemia se transformou em um gigantesco imbróglio nacional. Negligências em cima de negligências.  Erros em cima de erros. O que funcionava bem foi brutalmente desorganizado, desestruturado. Nenhum consenso. Nenhum respeito. Nenhuma diretriz... E o país tem mais de 230 mil vidas perdidas. E uma vacinação em curso lenta e temerária pela insuficiência em todos os sentidos.

Quase um ano depois, o país não salvou a saúde da sua gente e nem, tampouco, a economia. Os avisos globais de que essa catástrofe promovida pelo SARS-COV-2 iria trazer consequências severas para a humanidade foram dados desde o início; mas, o Brasil se apropriou de uma arrogância que jamais poderia. Se o mundo já está mais pobre, o que resta para nós?

Segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,8% da população brasileira passou a viver com menos de R$246,00/mês, ou seja, R$8,20/dia. Isso é só a ponta de um iceberg. Há 14,6% da população em situação de desemprego; sem contar, os 6 milhões de desalentados que tornam esse cenário ainda mais perverso e cruel. O que traz a dimensão de um contingente em franco crescimento e dependência do estado para sua sobrevivência, para a manutenção de seus direitos fundamentais básicos.

Como no Titanic, todo esse cenário brasileiro, portanto, possibilita vislumbrar o fato de que, certamente, não haverá “botes salva-vidas” para todos e muitos irão morrer, quando o navio afundar. Na verdade, já estão. O morticínio sob faces distintas da barbárie humana já está em curso bem debaixo do nosso nariz. Não é o fato de que a morte possa encenar o seu rito lentamente o que faz mudar o final macabro da história. Nem mesmo qual figurino a morte vestirá faz diferença nessa análise. Está na vulnerabilidade das condições humanas a que foram submetidas mais de 212 milhões de cidadãos o ponto em questão.

De modo que as perspectivas de desenvolvimento e progresso para o país não são nada promissoras. Porque se esse contexto afeta diretamente aos que vivem aqui, por outros vieses da conjuntura global eles passaram, também, a gerar desconforto e comprometer as relações diplomáticas e comerciais com outros países. Afinal de contas, a decisão pessoal do Brasil em não caminhar para frente não impediu que os outros assim o fizessem e construíssem novas visões e paradigmas de mundo. E quanto mais o tempo passa, mais essa situação se desgasta e apresenta arestas.

O sonho do Brasil colonial que podia desfrutar nababescamente dos agrados e quireras da Metrópole e sua corte dirigente, como contrapartida do sistema de exploração implantado; que não precisava se preocupar com seus excluídos, dado o contexto da época; que podia viver as sombras, sem maiores preocupações identitárias, feliz na condição subalterna, mas confortável, de colônia... de fato, foi mesmo só um sonho. Por isso vive preso a dois mundos. Insiste em viver de delírios. Entretanto, essa teimosia em não dar o braço a torcer só piora a situação.

Há mais de 500 anos, o país navega em rota de colisão. Saiu tão despreparado para a liberdade Republicana, que vaga perdido até hoje. Meio vira-lata, sem identidade nacional definida, vive em busca de entender de onde veio e para onde vai. Não é à toa a facilidade com que “mete os pés pelas mãos” e cria posições desfavoráveis, as quais só fazem estimular a manifestação de objeções, cada vez mais contundentes, no cenário internacional.

Reconhecer ou não os fatos, nessas alturas, pouco importa porque não tardam o colapso e seus desdobramentos. Mais próximos de ir a pique estamos. As trincheiras da arrogância, da prepotência, das regalias, dos privilégios, ... estão por um triz. A grande dúvida é só se o país estará pronto para lidar com essa transformação, se não vai se encolher e recolher mais uma vez a sua insignificância. Talvez, essa seja uma das raras oportunidades de passar a história a limpo, de se construir uma identidade própria e sustentável. Caso contrário, ele permanecerá à deriva, sendo “um país que foi sem nunca ter sido”.