quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Hoje são eles. Amanhã...


Hoje são eles. Amanhã ...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Não, não é só Manaus que clama, que chora, que se desespera. Hoje são eles. Amanhã pode ser qualquer outro ente da federação. O país acaba de cruzar definitivamente a linha que não poderia ter cruzado; a de permitir morrer pessoas pela desassistência no suprimento de oxigênio. Parece, então, que a partir de agora é “ladeira abaixo” no morticínio pela COVID-19. Espero que não cheguemos ao cúmulo de ouvir pedidos para que ninguém mais fique doente.  

Se alguém ainda se pergunta como chegamos a isso, a resposta é simples: há muita gente de olhos, boca e ouvidos fechados. Enclausurados em seus mundinhos de perfeição inquebrável; distantes anos luz da realidade dura e fria. Enxergaram; mas, não viram. Ou, quem sabe, optaram por não fazê-lo; pois, ao ver teriam, por mínima obrigação moral, que agir. Sabe-se lá!

O fato é que agora, mesmo distantes por quilômetros de território, a consciência sabe que os gritos de horror cortam o céu. A morte arrebanha aos milhares, diante da impotência humana qualificada. Sem os instrumentos à mão nada pode ser feito. E se a carência ou a insuficiência deles é um fato, pior ainda. Nem nos mais dramáticos pesadelos, algo tão nefasto poderia ser imaginado.

Nem o próprio vírus foi perverso o bastante! O que fizeram os responsáveis pela gestão da saúde pública foi colocar muito mais vidas de joelhos, rendidas, a mercê de algum milagre. Desumanidade explícita que atinge uma cadeia imensa e diversa de pessoas e serviços; e, cujas experiências jamais serão esquecidas.

Como uma renda bem fiada, essa não é uma história de um ato só. Começou há quase um ano embalada por uma corrente de desinformações e diretrizes mal planejadas. A saúde pública só faz padecer o infortúnio da apologia econômica. Embora, seja relevante pensar que, à beira de cada caixão a Economia se despede de uma fonte de recursos que ela mesma deixou findar. Nem a Gregos. Nem a Troianos. Até aqui prevaleceu Thanatus.

Algo que deixa todo o processo ainda mais obsceno e vulgar. Morrem em nome de quê? Mataram em nome de quê? Não há o que explique. Nem, tampouco, justifique. Uma indignação corrosiva, então, teima em circular pela mente a procura de algum alento; mesmo sabendo ser em vão. A morte é a morte. O fim de uma jornada de vida. Se a sociedade não é coveira de oficio, se tornou a partir de agora no campo moral...

Essas perdas têm que martelar a consciência. Têm que causar remorso. Tem que ser capaz de constranger até a vergonha. Tudo para fazer pulsar minimamente a empatia, o espírito fraterno. Estamos diante de um campo de orfandade regado por lágrimas. De um sofrimento que destroçou estruturas familiares. Que enlutou amigos.... Tudo acontecido em um piscar de um de repente.

Diante dos fatos a insuficiência impera. Nem adiantam medidas paliativas. Nem judicializações. Nem indenizações. As perdas nesse caso são irrecuperáveis, irressarcíveis tanto para os que se foram quanto para os que ficaram. A dor não é mensurável. Ou a tristeza. Ou a saudade. Ou a presença. Nenhum deles queria sair de cena dessa maneira. Nenhum deles queria ficar sem dizer, no mínimo, adeus.

O que será de cada um de nós daqui a um segundo, ou amanhã, ou depois, é uma incógnita. Pensemos seriamente a respeito. Sejamos, por um instante, humanos. Tenhamos compaixão lúcida e equilibrada sobre os fatos. Tenhamos um mínimo de dignidade. Nesse momento não há outra forma de ver a vida. Não cabe outra forma de se posicionar diante dos fatos. Portanto, qualquer nota fora, qualquer desalinho, deixará muito claro sobre sua própria alma.