O
envelhecimento sob análise...
Por
Alessandra Leles Rocha
Disseram que eles seriam
o público-alvo preferencial da letalidade pelo COVID-19; mas, sem maiores
explicações científicas, a democracia do vírus desconsiderou tal prognóstico
inicial e reescreveu a narrativa. E lá se vão os milhões de idosos pelo mundo
na sua jornada de sobrevivência ao caos pandêmico e suas imposições sociais. Porque
apesar de todos os pesares, a certeza do envelhecimento populacional ainda
permanece entre nós.
A escalada do tempo
por milhões e milhões de seres humanos segue rumo veloz. Segundo o Fundo de
População das Nações Unidas (UNFPA), em 2012, “no mundo todo, a cada segundo 2 pessoas celebram seu sexagésimo aniversário
– em um total anual de quase 58 milhões de aniversários de 60 anos. Uma em cada
9 pessoas no mundo tem 60 anos de idade ou mais, e estima-se um crescimento
para 1 em cada 5 por volta de 2050”; portanto, “projeta-se que esse número alcance 1 bilhão em menos de 10 anos e que
duplique até 2050, alcançando 2 bilhões” 1.
Tudo isso decorrente
do desenvolvimento dos fatores que envolvem a qualidade de vida e ampliam as
expectativas de longevidade humana, ou seja, tratamentos médicos, medicamentos,
maior conhecimento nutricional, atividade física, engajamento social,
atividades educacionais e culturais. De modo que, embora de maneira não linear
e abrangente em todos os lugares do planeta, essas transformações ao mesmo
tempo em que beneficiam milhões de pessoas fazem emergir reflexões importantes.
Afinal, está em
curso a ruptura de um perfil sedentário e socialmente marginalizado para o
idoso, abrindo espaço para um movimento ativo e socialmente inclusivo. O que impõe
não esquecer de que essa é uma parcela populacional bastante heterogênea e, nesse
sentido, demande políticas e planejamentos bastante estruturados e conscientes
para que as intervenções se mostrem efetivas e satisfatórias. Ora, são muitos
grupos dentro de um grande grupo a serem referenciados a partir da renda, da
faixa etária, da etnia, do grau de escolaridade e das condições clínicas de saúde.
Mas, para deslocar
da teoria para a prática, garantindo a dignidade e a segurança necessária aos
idosos é preciso que não só os gestores públicos e as entidades não governamentais
estejam envolvidos nesse processo; mas, toda a população. O que se inicia pelo respeito
à dignidade e independência do idoso, aceitando-o plenamente como membro
natural da sociedade, sem quaisquer ações discriminatórias que possam de algum
modo lhes tolher as oportunidades, a acessibilidade e a igualdade de direitos.
Trabalhar na
contramão dessa lógica empática e cidadã é totalmente antiproducente. A
cooperação mútua entre os diversos segmentos sociais é o que permite alcançar
um desenvolvimento muito mais sustentável e equilibrado para todos. A participação
de cada indivíduo na sociedade agrega, em maior ou menor escala, contribuições
de ordem material e subjetiva essenciais. Portanto, a longevidade não pode ser um
requisito para desqualificar ou banir nenhum ser humano, diante de uma escala
de envelhecimento tão emblemática quanto temos diante de nós.
Frente a tantas
outras estatísticas, verdadeiramente dramáticas, tais como o desemprego, a miséria,
a carência de habitação, a insuficiência de saneamento básico, milhões de
idosos e de outras faixas etárias demandam por uma ampliação real de oportunidades
de sobrevivência. De serem lembrados em suas habilidades e competências humanas,
ao contrário de serem excluídos por razões e argumentos extremamente
inconsistentes e desumanos.
Segundo escreveu o
executivo americano, Samuel Ullman, “Ninguém
envelhece apenas por viver vários anos. Nós envelhecemos abandonando nossos
ideais. Os anos podem enrugar a pele, mas desistir do entusiasmo enruga a alma”.
E estes são tempos do imediatismo, da pressa, da ansiedade exacerbada. Mas, no
fim das contas, nada disso tem levado a sociedade além da desistência de si
mesma, absorvida por excessivas frustrações e desapontamentos que só fazem
adoecer o corpo e a alma e, de algum modo, antecipar
o processo de envelhecimento.
Como se vê, não é o envelhecer
o grande obstáculo da sociedade contemporânea; mas, ela própria, na medida em
que não consegue enxergar dentro de si e reconhecer o seu verdadeiro valor, na
individualidade de cada ser. Afinal, “Vivemos
em uma cultura obcecada com a juventude que está constantemente tentando nos
dizer que, se não somos jovens, e não estamos brilhando, e não somos gostosos,
que não importamos. Eu me recuso a deixar que um sistema ou uma cultura ou uma
visão distorcida da realidade me digam que eu não sou importante. Eu sei que só
sabendo quem e o que você é, você pode começar a aproveitar a plenitude da
vida. Todos os anos devem nos ensinar uma lição valiosa. Se você entende a
lição realmente só depende de você” (Oprah Winfrey, Oprah Magazine, 2011).