A
eterna simbiose entre a vida das árvores e as árvores da vida
Por Alessandra Leles Rocha
Em meio às queimadas, que cobrem o
território nacional com uma espessa nuvem de fumaça, e ao desmatamento, que
expõe imensas extensões de terra, penso que ainda cabe recordar que amanhã é
comemorado o Dia da Árvore.
E olha que nem foi ideia de algum
ecologista de plantão, Organização Não-Governamental (ONG), pesquisador (a) da
área de Meio ambiente ou celebridade. Aliás, não foi mera ideia; mas, um
decreto governamental de 1965 1, sancionado pelo o 26º presidente
brasileiro e o primeiro durante o regime militar, Humberto de Alencar Castelo
Branco.
Certamente, um homem de visão e
consciente da importância das árvores para a sobrevivência humana; por ter
experimentado, algum dia em sua vida, o frescor emanado da sombra de alguma
delas, em dia de forte calor na capital federal.
Sim, porque apesar de sua aparência
imóvel, cada árvore presente nos mais diversos biomas do planeta trabalha, como
ninguém, no desempenho de uma função biológica fundamental expressa no auxílio
à manutenção da umidade do ar. Elas são capazes de transferir a umidade do solo
para atmosfera, a partir de seu sistema radicular que penetra as camadas mais
profundas do solo, alcançando os chamados lençóis freáticos.
O que, então, possibilita que pela
fotossíntese elas promovam a liberação dessa umidade na atmosfera, contribuindo
para a retenção de particulados poluentes em suspensão; bem como, do dióxido de
carbono (CO2) que é um dos grandes vilões do Efeito Estufa, abundantemente
emitido a partir de diversas atividades humanas. Sem contar, que esse processo,
também, resulta na formação de nuvens e, por consequência, institui um clima
favorável para a manutenção do equilíbrio dos regimes de chuva (pluviométricos).
Saindo de um campo, talvez, muito
micro para algo mais perceptível, as árvores são parte essencial da biodinâmica
dos ecossistemas, no que diz respeito à preservação da biodiversidade do
planeta; não só por seu vasto conjunto populacional, mas enquanto habitat para
outras tantas espécies de outros reinos, ou seja, animais, fungos, protistas.
Mas, também, como fornecedoras de
matéria-prima para produção de fármacos, alimentos, fibras, madeiras, látex,
resinas e pigmentos. Aliás, aos que já se esqueceram do início da história do
Brasil, nosso primeiro produto de “exportação” foi justamente o pau-brasil (Caesalpina echinata atual Paubrasilia echinata), em razão de a sua madeira ser muito resistente e da
possibilidade de extração de seu pigmento avermelhado para tingimento de
tecidos.
Depois dele, quantas outras madeiras
de lei seguiram o mesmo caminho do extrativismo não sustentável, não é? Cedro,
Mogno, Jacarandá, Imbuia, Jatobá são apenas alguns exemplos de árvores que
foram servir aos interesses econômicos, além-mar, no contexto da construção
civil, da construção naval, na confecção de móveis e instrumentos musicais.
Vejam só! Apesar de tudo isso, a cada
dia elas parecem menos importantes para muitas pessoas. Ao ponto de a
Organização das Nações Unidas (ONU) no dia em que se celebra o Dia
Mundial de Luta contra a Desertificação e a Seca, 17 de junho,
manifestar-se sobre a relação entre a saúde humana e a saúde do planeta e a
veemente necessidade de elaboração de um novo tratado com a natureza 2. De modo que a celebração
deste ano focou na mudança de atitudes públicas quanto ao principal motor da
desertificação e degradação do solo, ou seja, a produção e o consumo
insustentáveis.
Segundo a ONU, “à medida que as
populações se tornam maiores, mais ricas e mais urbanas, há uma demanda muito
maior por terras para fornecer alimentos, ração animal e fibras para roupas.
Enquanto isso, a saúde e a produtividade das terras aráveis existentes estão
diminuindo, agravadas pelas mudanças climáticas. Para ter terras produtivas
suficientes para atender às demandas de dez bilhões de pessoas até 2050, o
estilo de vida precisa mudar”.
Por todas essas considerações, então,
não parece estranho ou descabido celebrar o Dia da Árvore. Mais do
que nunca esses são tempos de uma reflexão profunda a respeito delas, de nós,
do planeta, da vida. Enquanto queima a vida das árvores, as árvores da vida
também se consomem. Portanto, não se permita esconder em meio a fumaça que sobe
pela força das labaredas flamejantes; porque “as pálpebras limpam os
olhos de poeiras. Que pálpebras limpam as poeiras do coração?” (Mia Couto,
“Na berma de nenhuma estrada e outros contos”).
1 Decreto
n.º55.795, de 24 de fevereiro de 1965. O qual instituiu em todo o território
nacional, a Festa Anual das Árvores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D55795.htm#:~:text=Institui%20em%20todo%20territ%C3%B3rio%20nacional%2C%20a%20Festa%20Anual%20das%20%C3%81rvores.
2 https://www.un.org/en/observances/desertification-day