segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Dia da Árvore (Reflexões para esse 21/09)

A eterna simbiose entre a vida das árvores e as árvores da vida

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Em meio às queimadas, que cobrem o território nacional com uma espessa nuvem de fumaça, e ao desmatamento, que expõe imensas extensões de terra, penso que ainda cabe recordar que amanhã é comemorado o Dia da Árvore.  

E olha que nem foi ideia de algum ecologista de plantão, Organização Não-Governamental (ONG), pesquisador (a) da área de Meio ambiente ou celebridade. Aliás, não foi mera ideia; mas, um decreto governamental de 1965 1, sancionado pelo o 26º presidente brasileiro e o primeiro durante o regime militar, Humberto de Alencar Castelo Branco.

Certamente, um homem de visão e consciente da importância das árvores para a sobrevivência humana; por ter experimentado, algum dia em sua vida, o frescor emanado da sombra de alguma delas, em dia de forte calor na capital federal.

Sim, porque apesar de sua aparência imóvel, cada árvore presente nos mais diversos biomas do planeta trabalha, como ninguém, no desempenho de uma função biológica fundamental expressa no auxílio à manutenção da umidade do ar. Elas são capazes de transferir a umidade do solo para atmosfera, a partir de seu sistema radicular que penetra as camadas mais profundas do solo, alcançando os chamados lençóis freáticos. 

O que, então, possibilita que pela fotossíntese elas promovam a liberação dessa umidade na atmosfera, contribuindo para a retenção de particulados poluentes em suspensão; bem como, do dióxido de carbono (CO2) que é um dos grandes vilões do Efeito Estufa, abundantemente emitido a partir de diversas atividades humanas. Sem contar, que esse processo, também, resulta na formação de nuvens e, por consequência, institui um clima favorável para a manutenção do equilíbrio dos regimes de chuva (pluviométricos).

Saindo de um campo, talvez, muito micro para algo mais perceptível, as árvores são parte essencial da biodinâmica dos ecossistemas, no que diz respeito à preservação da biodiversidade do planeta; não só por seu vasto conjunto populacional, mas enquanto habitat para outras tantas espécies de outros reinos, ou seja, animais, fungos, protistas.

Mas, também, como fornecedoras de matéria-prima para produção de fármacos, alimentos, fibras, madeiras, látex, resinas e pigmentos. Aliás, aos que já se esqueceram do início da história do Brasil, nosso primeiro produto de “exportação” foi justamente o pau-brasil (Caesalpina echinata atual Paubrasilia echinata), em razão de a sua madeira ser muito resistente e da possibilidade de extração de seu pigmento avermelhado para tingimento de tecidos.

Depois dele, quantas outras madeiras de lei seguiram o mesmo caminho do extrativismo não sustentável, não é? Cedro, Mogno, Jacarandá, Imbuia, Jatobá são apenas alguns exemplos de árvores que foram servir aos interesses econômicos, além-mar, no contexto da construção civil, da construção naval, na confecção de móveis e instrumentos musicais.

Vejam só! Apesar de tudo isso, a cada dia elas parecem menos importantes para muitas pessoas. Ao ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) no dia em que se celebra o Dia Mundial de Luta contra a Desertificação e a Seca, 17 de junho, manifestar-se sobre a relação entre a saúde humana e a saúde do planeta e a veemente necessidade de elaboração de um novo tratado com a natureza 2.  De modo que a celebração deste ano focou na mudança de atitudes públicas quanto ao principal motor da desertificação e degradação do solo, ou seja, a produção e o consumo insustentáveis.

Segundo a ONU, “à medida que as populações se tornam maiores, mais ricas e mais urbanas, há uma demanda muito maior por terras para fornecer alimentos, ração animal e fibras para roupas. Enquanto isso, a saúde e a produtividade das terras aráveis existentes estão diminuindo, agravadas pelas mudanças climáticas. Para ter terras produtivas suficientes para atender às demandas de dez bilhões de pessoas até 2050, o estilo de vida precisa mudar”.

Por todas essas considerações, então, não parece estranho ou descabido celebrar o Dia da Árvore. Mais do que nunca esses são tempos de uma reflexão profunda a respeito delas, de nós, do planeta, da vida. Enquanto queima a vida das árvores, as árvores da vida também se consomem. Portanto, não se permita esconder em meio a fumaça que sobe pela força das labaredas flamejantes; porque “as pálpebras limpam os olhos de poeiras. Que pálpebras limpam as poeiras do coração?” (Mia Couto, “Na berma de nenhuma estrada e outros contos”).



1 Decreto n.º55.795, de 24 de fevereiro de 1965. O qual instituiu em todo o território nacional, a Festa Anual das Árvores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D55795.htm#:~:text=Institui%20em%20todo%20territ%C3%B3rio%20nacional%2C%20a%20Festa%20Anual%20das%20%C3%81rvores.

2 https://www.un.org/en/observances/desertification-day