Entre a
Natureza e a natureza humana
Por
Alessandra Leles Rocha
Chegamos a um tempo em que a reflexão e a discussão
ambiental se tornou tão polarizada entre exploradores e preservacionistas, que
a única oportunidade de equilíbrio advém do bom senso e de um olhar desapegado
das paixões. Sobretudo, no Brasil.
Não preciso reafirmar que nossa história de
ex-colônia de exploração portuguesa exauriu sobremaneira nossos recursos
naturais e, quase, extinguiu por completo a presença de árvores nobres como o
Pau-Brasil. Tudo para servir aos caprichos e interesses mercantis da Metrópole
europeia.
Por certo eram outros tempos e a humanidade não
dispunha de informações e conhecimentos a respeito dos resultados que
repercutiriam dessas práticas. Aliás, demandaram alguns séculos para que isso
se tornasse efetivamente objeto de estudos e interesses político-econômicos ao
redor do planeta; bem como, de códigos, leis e doutrinas.
Mais precisamente, há pouco mais de meio século, é
que um grupo de pessoas preocupadas com o crescimento populacional e os
impactos da urbanização e industrialização das cidades resolveram se reunir
para estabelecer uma proposta de Desenvolvimento Sustentável para
o planeta. Denominado Clube de Roma, esse foi o evento precursor
para todos os demais que se sucederam, com o apoio da Organização das Nações
Unidas (ONU) e outras entidades ligadas as questões de meio ambiente.
Portanto, se a reincidência de impactos ambientais
negativos persiste no mundo, jamais se pode culpar a sociedade,
justificando-lhe desconhecimento. A ciência tem estado debruçada em tempo
integral, coletando, analisando e interpretando dados oriundos de satélites,
pesquisas de campo, amostras para subsidiar adequadamente as legislações, as
políticas e os modelos de gestão.
Entretanto, é inegável o quão impregnado se
encontra no inconsciente humano os ranços Mercantilistas, dos séculos XV ao
XVIII, especialmente, no que tange as práticas exploratórias dos recursos
naturais. Mesmo cientes de que muitos deles não são renováveis, como o
petróleo, o carvão mineral, os minérios, os materiais radioativos e o gás
natural; o que significa que, suas reservas são finitas.
Tendo em vista que a população mundial em muito
extrapolou as cifras desse passado secular e as atividades econômicas passaram
a orbitar os interesses e as demandas desse contingente em franca expansão, não
é difícil imaginar que dadas às limitações quantitativas de recurso, o tempo
útil de exploração se torna cada vez mais insuficiente e restrito
também. De modo que, uma jazida que era capaz de ser explorada
durante várias décadas, por exemplo, agora é exaurida em muito menos tempo de
exploração, deixando imensas crateras e um solo empobrecido e desprotegido,
vulnerável as intempéries do clima.
E não bastassem os extrativismos legais e ilegais
existentes, as discussões sobre os terríveis impactos ambientais vão muito mais
além das perdas de recursos naturais, de fauna e de flora. Simplesmente, o mau
uso e ocupação do solo perturba a dinâmica natural da vida sobre o planeta e
interfere de maneira direita sobre o clima, o relevo, a vegetação, a hidrografia,
o que se traduz em fenômenos que prejudicam a sobrevivência dos seres humanos.
Efeito estufa e ilhas de calor são exemplos de
impactos climáticos negativos de grande repercussão para a sociedade. Erosão,
desertificação são exemplos dos impactos negativos sobre o relevo.
Desmatamento, queimadas, extrativismo ilegal são exemplos dos impactos
negativos sobre os principais biomas. Assoreamento, poluição, supressão das
matas ciliares são exemplos dos impactos negativos sobre a hidrografia. E tudo
isso está cotidianamente presente nas mídias para nutrir de informação,
ignorantes e letrados.
A questão é que as consequências desses processos
são sentidas direta e indiretamente pela própria sociedade, seja por questões
de ordem econômica seja por questões de qualidade de vida e sobrevivência. O
desenvolvimento insustentável adoece a humanidade pela fome, a partir da baixa
oferta e produção de alimentos em diversas regiões do planeta; pela poluição,
que contamina o ar, a água e os próprios alimentos em níveis intoleráveis a
salubridade; pelas variações extremas de temperatura, que rompem o padrão de
equilíbrio do organismo humano e o torna vulnerável ao acometimento de inúmeras
doenças.
Em linhas gerais, o descaso e a indiferença que se
possa dispensar a essa situação não altera o fato dela estar presente e
repercutindo diariamente sobre cada um. De modo que é preciso parar e pensar
antes de reclamar das mazelas, porque elas são o reflexo do modo como a
humanidade pensa e se comporta; uma reação direta as nossas próprias ações. O
mundo é só um grão de areia na imensidão do infinito. Qualquer posição
contrária é mera questão de perspectiva equivocada ou insensatez deliberada.
Ele não só é uma esfera limitada, mas exibe inúmeras limitações a nossa
presença, muitas das quais não podemos ao menos contornar.
Bem, para quem não sabe, hoje é comemorado o Dia
da Amazônia. Quanta coisa a mais a se pensar, então, sobre Desenvolvimento
Sustentável, Biodiversidade, Consciência Indigenista,...
Afinal, juntamente com a Floresta Tropical do Congo e da Floresta Tropical da
Indonésia, a Floresta Amazônica conserva aproximadamente 50%
da biodiversidade do planeta, sem contar o seu imenso potencial de
armazenamento de dióxido de carbono.
Mas, lentamente ela se curva aos golpes do Neo-Mercantilismo;
sobretudo, na sua porção brasileira. Por isso, não há o que comemorar. Estes
são tempos de celebração do luto. A natureza na sua expressão maior está
morrendo, na medida em que o ser humano falece em valores e
princípios. A Amazônia em chamas, bem como o Cerrado e
o Pantanal, são a materialização da indiferença, da cegueira, da
loucura capital.
Sendo assim, deixemo-nos apenas encontrar algum
tipo de alento em palavras que possam nutrir uma ponta de esperança: “Sonhar
o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não
ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o
inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela
inatingível: essa é a minha busca” (Miguel de Cervantes - Dom
Quixote de La Mancha).