sábado, 5 de setembro de 2020

#DiaDaAmazonia

Entre a Natureza e a natureza humana




Por Alessandra Leles Rocha




Chegamos a um tempo em que a reflexão e a discussão ambiental se tornou tão polarizada entre exploradores e preservacionistas, que a única oportunidade de equilíbrio advém do bom senso e de um olhar desapegado das paixões. Sobretudo, no Brasil.
Não preciso reafirmar que nossa história de ex-colônia de exploração portuguesa exauriu sobremaneira nossos recursos naturais e, quase, extinguiu por completo a presença de árvores nobres como o Pau-Brasil. Tudo para servir aos caprichos e interesses mercantis da Metrópole europeia.
Por certo eram outros tempos e a humanidade não dispunha de informações e conhecimentos a respeito dos resultados que repercutiriam dessas práticas. Aliás, demandaram alguns séculos para que isso se tornasse efetivamente objeto de estudos e interesses político-econômicos ao redor do planeta; bem como, de códigos, leis e doutrinas.
Mais precisamente, há pouco mais de meio século, é que um grupo de pessoas preocupadas com o crescimento populacional e os impactos da urbanização e industrialização das cidades resolveram se reunir para estabelecer uma proposta de Desenvolvimento Sustentável para o planeta. Denominado Clube de Roma, esse foi o evento precursor para todos os demais que se sucederam, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades ligadas as questões de meio ambiente.
Portanto, se a reincidência de impactos ambientais negativos persiste no mundo, jamais se pode culpar a sociedade, justificando-lhe desconhecimento. A ciência tem estado debruçada em tempo integral, coletando, analisando e interpretando dados oriundos de satélites, pesquisas de campo, amostras para subsidiar adequadamente as legislações, as políticas e os modelos de gestão.
Entretanto, é inegável o quão impregnado se encontra no inconsciente humano os ranços Mercantilistas, dos séculos XV ao XVIII, especialmente, no que tange as práticas exploratórias dos recursos naturais. Mesmo cientes de que muitos deles não são renováveis, como o petróleo, o carvão mineral, os minérios, os materiais radioativos e o gás natural; o que significa que, suas reservas são finitas.
Tendo em vista que a população mundial em muito extrapolou as cifras desse passado secular e as atividades econômicas passaram a orbitar os interesses e as demandas desse contingente em franca expansão, não é difícil imaginar que dadas às limitações quantitativas de recurso, o tempo útil de exploração se torna cada vez mais insuficiente e restrito também.  De modo que, uma jazida que era capaz de ser explorada durante várias décadas, por exemplo, agora é exaurida em muito menos tempo de exploração, deixando imensas crateras e um solo empobrecido e desprotegido, vulnerável as intempéries do clima.
E não bastassem os extrativismos legais e ilegais existentes, as discussões sobre os terríveis impactos ambientais vão muito mais além das perdas de recursos naturais, de fauna e de flora. Simplesmente, o mau uso e ocupação do solo perturba a dinâmica natural da vida sobre o planeta e interfere de maneira direita sobre o clima, o relevo, a vegetação, a hidrografia, o que se traduz em fenômenos que prejudicam a sobrevivência dos seres humanos.
Efeito estufa e ilhas de calor são exemplos de impactos climáticos negativos de grande repercussão para a sociedade. Erosão, desertificação são exemplos dos impactos negativos sobre o relevo. Desmatamento, queimadas, extrativismo ilegal são exemplos dos impactos negativos sobre os principais biomas. Assoreamento, poluição, supressão das matas ciliares são exemplos dos impactos negativos sobre a hidrografia. E tudo isso está cotidianamente presente nas mídias para nutrir de informação, ignorantes e letrados.
A questão é que as consequências desses processos são sentidas direta e indiretamente pela própria sociedade, seja por questões de ordem econômica seja por questões de qualidade de vida e sobrevivência. O desenvolvimento insustentável adoece a humanidade pela fome, a partir da baixa oferta e produção de alimentos em diversas regiões do planeta; pela poluição, que contamina o ar, a água e os próprios alimentos em níveis intoleráveis a salubridade; pelas variações extremas de temperatura, que rompem o padrão de equilíbrio do organismo humano e o torna vulnerável ao acometimento de inúmeras doenças.
Em linhas gerais, o descaso e a indiferença que se possa dispensar a essa situação não altera o fato dela estar presente e repercutindo diariamente sobre cada um. De modo que é preciso parar e pensar antes de reclamar das mazelas, porque elas são o reflexo do modo como a humanidade pensa e se comporta; uma reação direta as nossas próprias ações. O mundo é só um grão de areia na imensidão do infinito. Qualquer posição contrária é mera questão de perspectiva equivocada ou insensatez deliberada. Ele não só é uma esfera limitada, mas exibe inúmeras limitações a nossa presença, muitas das quais não podemos ao menos contornar. 
Bem, para quem não sabe, hoje é comemorado o Dia da Amazônia.  Quanta coisa a mais a se pensar, então, sobre Desenvolvimento SustentávelBiodiversidadeConsciência Indigenista,... Afinal, juntamente com a Floresta Tropical do Congo e da Floresta Tropical da Indonésia, a Floresta Amazônica conserva aproximadamente 50% da biodiversidade do planeta, sem contar o seu imenso potencial de armazenamento de dióxido de carbono.
Mas, lentamente ela se curva aos golpes do Neo-Mercantilismo; sobretudo, na sua porção brasileira. Por isso, não há o que comemorar. Estes são tempos de celebração do luto. A natureza na sua expressão maior está morrendo, na medida em que o ser humano falece em valores e princípios. A Amazônia em chamas, bem como o Cerrado e o Pantanal, são a materialização da indiferença, da cegueira, da loucura capital.      
Sendo assim, deixemo-nos apenas encontrar algum tipo de alento em palavras que possam nutrir uma ponta de esperança: “Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela inatingível: essa é a minha busca” (Miguel de Cervantes -  Dom Quixote de La Mancha).