sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Independentes. Será?!

Independentes. Será?!



Por Alessandra Leles Rocha




Independência... Uma palavra bonita. Uma abstração repleta de relativismos. Uma aspiração humana. Uma sensação de liberdade. ... Um muito de um bocado de coisas a se perceber e se compreender nessa vida com mais profundidade e atenção.
Para falar de independência é preciso enxergar o mundo, do jeitinho que ele é. Sem filtros. Sem retoques. Sem seletivismos. Portanto, marcado de diversas formas pelas desigualdades que nos afastam e nos unem, sem muitas vezes nos darmos conta desse estranho movimento.
Como uma manifestação profunda de um inconsciente coletivo, a independência pulsa, lateja dentro de cada ser humano, ainda que se saiba, bem lá no fundo, que a existência não transita sozinha. A cada momento se é surpreendido pela impossibilidade de ser único, em uma demonstração absoluta da carência de autossuficiência.
Já começa pelo nascimento. Para vir ao mundo você depende do outro. Para sobreviver ao mundo você precisa de vários. Dos mais humildes aos mais nobres. Dos mais inocentes aos mais astutos. Dos mais ignorantes aos mais sábios. Dos mais devotos aos mais infiéis. Porque essa mescla é fundamental, essencial para o nosso aprendizado, a nossa construção humana.
De modo que as tramas da vida vão nos conectando uns aos outros, quase que involuntariamente, e tecendo emoções e sentimentos que ao contrário da independência nos tornam interdependentes. O que rompe definitivamente com quaisquer ideias em relação a uma existência plena de isolamento.
De repente, se percebe que o máximo atingível dessa idealização, denominada independência, é a autonomia. A partir dela o ser humano é capaz de existir e coexistir fundamentado nas suas próprias decisões e vontades.  Ela traz a dimensão exata quanto aos limites e as fronteiras existentes no mundo e quais seriam possíveis serem derrubadas, ou ao menos flexibilizadas, pela determinação individual.
É essa autonomia que traz as pessoas o domínio da existência, ou seja, “o domínio do trabalho, da cultura, da história, dos valores – domínio em que os seres humanos experimentam a dialética entre determinação e liberdade” (FREIRE, 1982, p.66) 1. Elas passam a entender o seu papel social, no sentido de assumir o seu direito e o seu dever de decidir. E isso se reflete não só na postura individual; mas, também, na postura cidadã, coletiva.
Quanto mais a sociedade é estimulada ao exercício da autonomia; mais, ela consegue se desvencilhar das amarras dependentes socialmente instituídas. Trata-se, portanto, de um processo que está em constante desenvolvimento. A autonomia é um exercício reivindicatório, não é uma benesse, um agrado. “Afinal, minha presença no mundo não é a de quem apenas se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História” (FREIRE, 2000, p.60) 2.
Como se vê, queremos ser independentes antes de sermos autônomos e esse é um equívoco imperdoável. Primeiro porque a independência é só uma história contada. Segundo porque devaneios não nos levam a lugar algum. Diante de tamanha impossibilidade, então, o jeito que se tem para dar um pouco mais de asas à liberdade é forjar com afinco cada centímetro de autonomia que possa caber em nós.    





1 FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
2 ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.


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