Independentes. Será?!
Por Alessandra Leles Rocha
Independência... Uma palavra bonita. Uma abstração
repleta de relativismos. Uma aspiração humana. Uma sensação de liberdade. ...
Um muito de um bocado de coisas a se perceber e se compreender nessa vida com
mais profundidade e atenção.
Para falar de independência é preciso enxergar o
mundo, do jeitinho que ele é. Sem filtros. Sem retoques. Sem seletivismos.
Portanto, marcado de diversas formas pelas desigualdades que nos afastam e nos
unem, sem muitas vezes nos darmos conta desse estranho movimento.
Como uma manifestação profunda de um inconsciente
coletivo, a independência pulsa, lateja dentro de cada ser humano, ainda que se
saiba, bem lá no fundo, que a existência não transita sozinha. A cada momento
se é surpreendido pela impossibilidade de ser único, em uma demonstração
absoluta da carência de autossuficiência.
Já começa pelo nascimento. Para vir ao mundo você
depende do outro. Para sobreviver ao mundo você precisa de vários. Dos mais
humildes aos mais nobres. Dos mais inocentes aos mais astutos. Dos mais
ignorantes aos mais sábios. Dos mais devotos aos mais infiéis. Porque essa
mescla é fundamental, essencial para o nosso aprendizado, a nossa construção
humana.
De modo que as tramas da vida vão nos conectando
uns aos outros, quase que involuntariamente, e tecendo emoções e sentimentos
que ao contrário da independência nos tornam interdependentes. O que rompe
definitivamente com quaisquer ideias em relação a uma existência plena de
isolamento.
De repente, se percebe que o máximo atingível dessa
idealização, denominada independência, é a autonomia. A partir dela o ser
humano é capaz de existir e coexistir fundamentado nas suas próprias decisões e
vontades. Ela traz a dimensão exata quanto aos limites e as
fronteiras existentes no mundo e quais seriam possíveis serem derrubadas, ou ao
menos flexibilizadas, pela determinação individual.
É essa autonomia que traz as pessoas o domínio da
existência, ou seja, “o domínio do trabalho, da cultura, da história,
dos valores – domínio em que os seres humanos experimentam a dialética entre
determinação e liberdade” (FREIRE, 1982, p.66) 1. Elas passam a entender o seu papel
social, no sentido de assumir o seu direito e o seu dever de decidir. E isso se
reflete não só na postura individual; mas, também, na postura cidadã, coletiva.
Quanto mais a sociedade é estimulada ao exercício
da autonomia; mais, ela consegue se desvencilhar das amarras dependentes
socialmente instituídas. Trata-se, portanto, de um processo que está em
constante desenvolvimento. A autonomia é um exercício reivindicatório, não é
uma benesse, um agrado. “Afinal, minha presença no mundo não é a de quem
apenas se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para
não ser apenas objeto, mas sujeito também da História” (FREIRE, 2000, p.60) 2.
Como se vê, queremos ser independentes antes de
sermos autônomos e esse é um equívoco imperdoável. Primeiro porque a
independência é só uma história contada. Segundo porque devaneios não nos levam
a lugar algum. Diante de tamanha impossibilidade, então, o jeito que se tem
para dar um pouco mais de asas à liberdade é forjar com afinco cada centímetro
de autonomia que possa caber em nós.
2 ______. Pedagogia
da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15.ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.