quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Crônica da Semana

Quando é que o futuro vai chegar?



Por Alessandra Leles Rocha




Há mais de quinhentos anos o Brasil vende o slogan da sua potencialidade como “país do futuro”. No entanto, se esquecem os ardorosos adeptos dessa máxima de que para existir futuro é preciso consolidar o presente e aí, a situação emperra. A Terra Brasilis não consegue de se desapegar do visco colonial e sua teia monarquista; de modo que encontra imensa dificuldade em romper com certos comportamentos e discursos atrasados e ineficientes.
Vez por outra o país, pela voz de uns e outros, reclama a persistente vigência do paternalismo instigado pelas veias populistas que pulsam na latinidade americana. A questão é que se trata de um paternalismo exercido por um “pai” omisso e negligente que não se incomoda em fazer dessa prática de benesses um caminho tortuoso de desassistências, diante de mazelas que só fazem se avolumar e cronificar.
Há uma tendência incontrolável por tornar sinônima a responsabilidade social prevista constitucionalmente e o assistencialismo de migalhas que expõe os cidadãos a uma existência de constante insuficiência e dependência estatal. Por mais que as pessoas se debrucem em suas atividades produtivas, o retorno final desse esforço parece insistir em se converter sempre na impossibilidade de constituir sua autonomia e autossuficiência, fazendo-as manterem-se “presas à barra da calça do Estado”. Traduzindo em miúdos, isso significa que o apreço as desigualdades é um imenso desserviço à nação.
Além de não atenderem ao cumprimento das próprias demandas fundamentais da existência humana, esse contingente populacional permanece à margem de contribuir efetivamente para o aumento do consumo e da produção de bens e serviços, em que ele próprio é mão de obra ativa. De modo que, o país se abstém de capitalizar recursos com o aquecimento da própria economia, por conta dos abismos de desigualdade que ele faz questão de demarcar dentro da sua sociedade.
Mas, essa dinâmica se explica pela visão limitada de manter os interesses políticos acima dos interesses nacionais. Há uma ideia de que a manutenção da sociedade nesses termos garante um capital político, ou seja, a dependência estatal se converte na simpatia eleitoreira. Tendo em vista que os meios de produção e serviços em larga escala concentram-se nas mãos das elites que participam da vida política nacional, o cidadão é sumariamente enredado tanto à dependência do Estado quanto da iniciativa privada, sem muitas vezes se dar conta disso.
Como resultado, a dependência marca o amplo controle da sociedade. Então, em nome desse mecanismo, que garante a manutenção do “status quo” sem maiores riscos de tensão, há o sacrifício inevitável do desenvolvimento e do progresso. Não é à toa que o país caminha sempre alguns passos atrás na esteira pós-contemporânea do mundo, submetendo-se a figurar secundariamente em campos que poderia protagonizar conjuntamente com outras lideranças. Isso, quando não se coloca em posição de dissonância aos parâmetros e paradigmas vigentes, tornando-se pária no cenário global.
A síntese dessa dinâmica é que o Brasil espelha dentro e fora de suas fronteiras todo o ranço colonial que fundamenta sua identidade. A subserviência com os de fora. A impiedade inquisidora com os de dentro. Uma sucessiva reprodução de maus comportamentos, de valores e princípios deturpados e obsoletos, que o fazem mergulhar em uma espiral de contradições, alienações e incivilidades, sem fim. De modo que o país não avança porque replica o passado em versões requentadas de si mesmo, incapazes de avançar e alcançar as efervescências do presente.
O pior é que essa realidade não parece lhes trazer constrangimento nem inquietude para mudança. Estão satisfeitos em ser como nos tempos da Casa Grande e Senzala, ou seja, deixando claras as desigualdades, as inacessibilidades, os conservadorismos, as hipocrisias, as arbitrariedades, as hierarquias, as regalias e os privilégios. Os séculos parecem, então, ter conseguido traduzir que “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une” (Milton Santos).
Mas, a pergunta a se fazer é: até quando? Ainda que as resistências tentem contrariar os fatos, essa Pandemia que assola o mundo já é um marco sinalizador de que a ruptura está em curso, num caminho sem volta. Nesse sentido os espaços e os limites para essa configuração arcaica brasileira parecem mais e mais com os dias contados; a vida pede por ideias, comportamentos, planejamentos,... nunca antes estabelecidos. Afinal, “o mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir” (Milton Santos), a partir do amplo exercício da nossa atenção, responsabilidade, dignidade e cidadania.