Quando é que
o futuro vai chegar?
Por
Alessandra Leles Rocha
Há mais de quinhentos anos o Brasil vende o slogan da
sua potencialidade como “país do futuro”. No entanto, se esquecem
os ardorosos adeptos dessa máxima de que para existir futuro é preciso
consolidar o presente e aí, a situação emperra. A Terra Brasilis não
consegue de se desapegar do visco colonial e sua teia monarquista; de modo que
encontra imensa dificuldade em romper com certos comportamentos e discursos
atrasados e ineficientes.
Vez por outra o país, pela voz de uns e outros,
reclama a persistente vigência do paternalismo instigado pelas veias populistas
que pulsam na latinidade americana. A questão é que se trata de um paternalismo
exercido por um “pai” omisso e negligente que não se incomoda em fazer dessa
prática de benesses um caminho tortuoso de desassistências, diante de mazelas
que só fazem se avolumar e cronificar.
Há uma tendência incontrolável por tornar sinônima
a responsabilidade social prevista constitucionalmente e o assistencialismo de
migalhas que expõe os cidadãos a uma existência de constante insuficiência e
dependência estatal. Por mais que as pessoas se debrucem em suas atividades
produtivas, o retorno final desse esforço parece insistir em se converter
sempre na impossibilidade de constituir sua autonomia e autossuficiência,
fazendo-as manterem-se “presas à barra da calça do Estado”.
Traduzindo em miúdos, isso significa que o apreço as desigualdades é um imenso
desserviço à nação.
Além de não atenderem ao cumprimento das próprias
demandas fundamentais da existência humana, esse contingente populacional
permanece à margem de contribuir efetivamente para o aumento do consumo e da
produção de bens e serviços, em que ele próprio é mão de obra ativa. De modo
que, o país se abstém de capitalizar recursos com o aquecimento da própria
economia, por conta dos abismos de desigualdade que ele faz questão de demarcar
dentro da sua sociedade.
Mas, essa dinâmica se explica pela visão limitada
de manter os interesses políticos acima dos interesses nacionais. Há uma ideia
de que a manutenção da sociedade nesses termos garante um capital político, ou
seja, a dependência estatal se converte na simpatia eleitoreira. Tendo em vista
que os meios de produção e serviços em larga escala concentram-se nas mãos das
elites que participam da vida política nacional, o cidadão é sumariamente
enredado tanto à dependência do Estado quanto da iniciativa privada, sem muitas
vezes se dar conta disso.
Como resultado, a dependência marca o amplo
controle da sociedade. Então, em nome desse mecanismo, que garante a manutenção
do “status quo” sem maiores riscos de tensão, há o sacrifício
inevitável do desenvolvimento e do progresso. Não é à toa que o país caminha
sempre alguns passos atrás na esteira pós-contemporânea do mundo, submetendo-se
a figurar secundariamente em campos que poderia protagonizar conjuntamente com
outras lideranças. Isso, quando não se coloca em posição de dissonância aos
parâmetros e paradigmas vigentes, tornando-se pária no cenário global.
A síntese dessa dinâmica é que o Brasil espelha
dentro e fora de suas fronteiras todo o ranço colonial que fundamenta sua
identidade. A subserviência com os de fora. A impiedade inquisidora com os de
dentro. Uma sucessiva reprodução de maus comportamentos, de valores e
princípios deturpados e obsoletos, que o fazem mergulhar em uma espiral de
contradições, alienações e incivilidades, sem fim. De modo que o país não
avança porque replica o passado em versões requentadas de si mesmo, incapazes
de avançar e alcançar as efervescências do presente.
O pior é que essa realidade não parece lhes trazer
constrangimento nem inquietude para mudança. Estão satisfeitos em ser como nos
tempos da Casa Grande e Senzala, ou seja, deixando claras as desigualdades, as
inacessibilidades, os conservadorismos, as hipocrisias, as arbitrariedades, as
hierarquias, as regalias e os privilégios. Os séculos parecem, então, ter
conseguido traduzir que “a força da alienação vem dessa fragilidade
dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que
os une” (Milton Santos).
Mas, a pergunta a se fazer é: até quando? Ainda que
as resistências tentem contrariar os fatos, essa Pandemia que assola o mundo já
é um marco sinalizador de que a ruptura está em curso, num caminho sem volta.
Nesse sentido os espaços e os limites para essa configuração arcaica brasileira
parecem mais e mais com os dias contados; a vida pede por ideias,
comportamentos, planejamentos,... nunca antes estabelecidos. Afinal, “o
mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente
existir” (Milton Santos), a partir do amplo exercício da nossa atenção,
responsabilidade, dignidade e cidadania.