Páscoa:
você aceita o convite?
Por
Alessandra Leles Rocha
Sempre considerei a
chamada “Malhação do Judas” uma prática, um tanto quanto sem nexo; afinal de
contas, Judas Iscariotes, o discípulo traidor, não precisou de ninguém mais, do
que a própria consciência, para colocar fim a sua vida. Além disso, se
prestarmos bastante atenção, não é essa prática a mesma que promovemos uns aos
outros, sem antes a menor reflexão de nossos próprios defeitos? Independentemente
se cristãos ou não, tal análise vem bem a calhar em tempos tão difíceis como
agora.
Todo mundo se arvora de
direitos, se abstêm dos deveres; mas, ninguém admite as próprias falhas e tropeços,
nem tampouco se arrepende. Até parece que vivemos em um paraíso repleto de
anjos ilibados. Por onde andará a consciência que doía ao menor sinal de culpa,
hein? O que se vê, aqui e ali, são repetições de comportamentos deletérios,
como se as deteriorações éticas e morais pudessem, de fato, ser consideradas
mera trivialidade, já incorporadas ao nosso DNA.
O bom seria que ninguém
precisasse errar para se arrepender; mas, diante da incompletude humana que nos
torna falíveis, já estaria de bom tom a busca por minimizar tais atitudes. E isso
não é tão difícil assim. Basta fazer uso do bom senso, do respeito, da
responsabilidade, da dignidade, enfim... Ter em mente que aquilo que nos
desagrada, também desagrada aos outros. Mas, infelizmente, ainda há muita gente
que vende a alma pelas tais “trinta moedas de prata” e é assim, que se
prolifera a legião dos traidores.
Antes e depois de
Cristo, ou seja, mais de dois mil anos de história e o ser humano se deixa
inebriar pelos falsos valores, pelos falsos poderes, pela reverência desmedida
ao mundo das aparências. Vale quanto pesa, assim balizamos nossos pares,
veneramos nossos ídolos. Permitimo-nos seguir enceguecidos pelas ilusões, ainda
que estas nos façam padecer o pior das atrocidades humanas. Sim, são os
traidores da humanidade, de todos os tempos, que consolidam a fome, a miséria,
a desigualdade, a violência, as guerras entre nós, enquanto dissociamos a
verdade da prática secular de queimar o boneco do Judas. No entanto, ao invés de
nossa consciência nos penitenciar pelos pecados e omissões...
Todos os anos somos
convocados a cruzar o caminho da reflexão transformadora, para que nossa essência
mais pura e humanista possa renascer. Vejo que muitos cumprem o rito, mas não o
propósito; como se o fizessem apenas para
satisfazer aos apelos mundanos, aquilo que esperam os outros. Eu sei que a
transformação é tarefa árdua, dolorosa, complexa; mas, se o nosso próprio corpo
descama para dar renovação e saúde a si mesmo, por que não fazemos também na
alma?
Enquanto não nos permitimos
voluntariamente a nos purificar pela transformação de nossos valores e princípios,
não haverá paz ou luz que nos alcance. É
por isso que para onde quer que se olhe a humanidade vive atormentada, porque
há um movimento perverso de rejeição à transformação. Mas, como disse São Tomás
de Aquino, “Três coisas são necessárias para a salvação do homem: saber o que
deve crer, o que deve querer, o que deve fazer!”. Portanto, debrucemo-nos,
então, na reflexão imperiosa que o convite Pascal nos traz.