quarta-feira, 5 de abril de 2017

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". José Saramago

Jeitinho Brasileiro: Comportamento habitual ou está mesmo no DNA?


Por Alessandra Leles Rocha



Jeitinho brasileiro. Ah, como tantos adoram esse slogan e fazem dele uma forma de vangloriarem suas “espertezas”, por aí. Não é à toa que chegamos ao fundo do poço mais dramático de todos os tempos, por conta disso. No entanto, se muitas brasileiras e brasileiros passaram a se dar conta do que os mal feitos nacionais, em maior ou menor escala, são capazes de fazer; outros não fazem outra coisa senão remar na direção contrária e lutar com unhas e dentes pela manutenção dessa famigerada práxis.
Quando estourou o escândalo do Mensalão se chegou a pensar que este seria o início da purgação dos “pecados” nacionais. O chamado Crime do Colarinho Branco, por exemplo, finalmente perdia o glamour para ganhar as páginas policiais e a atenção da Suprema Corte. Estaria a sociedade brasileira diante de uma nova lição de cidadania? Pelo menos, é o que parecia ser.
Mas, que nada! Logo depois emergiu a Operação Lava Jato em sucessivas operações, inclusive com participação de gente graúda, já citada no Mensalão. Então, nos demos conta de que o país não havia aprendido nada. Há três anos, o Brasil vive o constante palpitar de escândalos a cada nova fase dessa operação de investigação da corrupção e da lavagem de dinheiro, como se não houvesse um fundo do poço a se chegar.
Enquanto isso, as mazelas crônicas do país foram também explicadas, na medida em que não era mais possível negar os descaminhos do dinheiro público. Lentamente a população começou a ter a devida dimensão da ineficiência e da irresponsabilidade dos gestores públicos a fazer o contraponto à eficiência e a responsabilidade deles para com a corrupção nacional.
Foi, então, que milhares de brasileiras e brasileiros decidiram apoiar as propostas do Ministério Público Federal para o aprimoramento da legislação brasileira no combate à corrupção, através de um abaixo-assinado cujo número expressivo de assinaturas possibilitou a conversão dessas propostas em Projeto de Lei de Iniciativa Popular, como foi com o Projeto da Ficha Limpa.  
Entretanto, a voz que a Constituição de 1988 reservou ao cidadão comum, na figura desse tipo de projeto, na verdade foi calada nos silêncios das madrugadas de Brasília com a desconfiguração, por completo, das propostas que foram referendadas pelos mais de 2 milhões de assinaturas.  O que se fez travar uma discussão acalorada que chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF) e que, no fim das contas, apesar da promessa de confirmação das milhões de assinaturas para dar legalidade ao processo, o Legislativo Federal acabará aprovando um Projeto, cujo teor não é mais aquele sobre o qual o cidadão se manifestou.
Como se vê, o tal jeitinho não deixa de tentar se manter de pé. São muitas as estratégias de discurso para tal. Inclusive de que a crise é culpa dessas ações anticorrupção (e não o contrário). É na perpetuação da nossa pouca virtude cidadã que fazem morada os nossos mais graves problemas sociais, porque, enquanto fazemos vista grossa e ouvidos de mercador, no rolar do cotidiano, as sutis más intenções se consolidam e cronificam, sem que haja oposição. Daqui e dali, pequenos e grandes praticantes do jeitinho tentam capitalizar simpatia entre aqueles que ainda não têm clara essa compreensão ou preferem, simplesmente, aguardar por uma sobra de quirela de alguma benesse. Por isso, riem, acham graça das suas aventuras em nome do “se dar bem”, como se fosse algo realmente inofensivo. Só se esquecem de que os discursos são mais enfáticos e nocivos pelos exemplos, do que pelas próprias palavras.
Enquanto ruminamos nossa indignação raivosa, mantendo um sorriso etéreo e bem educado, quem nos mal trata continuará a fazê-lo, pois não reconhece nenhum sinal de resistência; tudo parece tranquilo e favorável. É por isso que precisamos nos cansar de nossas ilusões, dessa esperança vazia de que o mundo muda sozinho, sem nenhuma dose do nosso esforço e da nossa responsabilidade. Nossas abstenções de cidadania, conscientes ou não, têm nos custado caro e, como dizia o filósofo Jean-Paul Sartre, “O que somos é o que fizemos do que fizeram de nós”, então...

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