Cadernos... Livros... Outubros...
Por Alessandra Leles Rocha
Aquilo que está escrito no coração não necessita de
agendas, porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.
Rubem Alves
Concordo plenamente com
Rubem Alves. Na vida, quando precisamos de uma data especial no calendário, ou
de um bilhete na agenda, para nos darmos conta da importância disso ou daquilo,
é sinal que algo não está nada bom.
Foi por isso que escolhi o
educador Rubem Alves para iniciar a minha reflexão sobre o Dia do Professor.
Para despertar em cada leitor a consciência sobre a ‘inconsciência’ negligente
que temos dedicado a esse profissional.
Quando olhamos para o mundo
e nos deparamos com a sua dinâmica de obrigações e de afazeres, certamente
vamos manifestando uma percepção clara sobre o que seríamos capazes de realizar
e o que não seríamos; movidos por uma série de argumentos práticos e teóricos
presentes em nossa identidade social.
De fato, ninguém é capaz de
jogar nas onze, de ser um sucesso de polivalência no mundo. E é por essa razão,
que vez por outra damos o braço a torcer e reconhecemos a nossa carência de
habilidade, de competência e até, certa, vontade para fazer o que outros tantos
fazem.
No entanto, quando chega à
vez de se imaginar professor, cada vez mais as pessoas refutam de imediato a
ideia. Com olhares de desprezo e muitos ‘Deus, me livre!’ dispensados sem
nenhum pudor ou remorso, é assim que o exercício da docência se transforma em
blasfêmia nos dias de hoje.
E antes de lançar a culpa
sobre os ombros do Sistema, façamos nossa mea
culpa. Sim, cada cidadão brasileiro tem seu quinhão de responsabilidade
sobre o esfacelamento da Educação brasileira e, consequentemente, da profissão
docente. O fato de pagarmos impostos que originam recursos para investimento na
máquina educacional, infelizmente, não é o bastante e nossa responsabilidade
não é nem de longe aplacada.
Vejamos, por exemplo, que o
mesmo se faz em relação à saúde, à segurança, ao transporte; mas, quando nos
deparamos com os descaminhos pelos quais eles transitam, a grande maioria da
população manifesta-se em ‘prosa e verso’, valendo-se de todas as mídias de
repercussão nacional e internacional. Ninguém espera pelo Dia da Saúde, ou da
Segurança, ou do Transporte para dar publicidade e, porque não dizer
visibilidade, à sua indignação. Mas, quando o assunto é a Educação...
Embora tenhamos plena
consciência de que para ser professor nesse país, o docente precisa ter curso
superior, e até pós-graduação em alguns casos, não nos causa estranheza e nem
tampouco constrangimento, o fato dele receber um salário médio que equivale a 54,5% do que recebem outros profissionais também com curso
superior. Por essa razão, não é difícil imaginar que ele precise duplicar, ou
até triplicar, a jornada de trabalho para receber um salário suficiente para a
sua sobrevivência e, em muitos casos, a de sua família.
Quem de nós,
então, se preocupa com a qualidade de vida do professor? Ao contrário disso,
não carecem comentários sobre a impaciência, o destempero, o despreparo
etc.etc.etc. desse profissional. Como se suas condições de trabalho fossem
plenamente satisfatórias e ele não passasse de um insatisfeito com a vida, um
frustrado sem razão de ser, um desocupado que adora fazer greve para ficar sem
trabalhar.
Então, eu
pergunto a você: sem condições dignas, sem salário justo, você sentiria prazer
em sair de casa para trabalhar? Você enxergaria razões para continuar labutando
diante de tantas mazelas na sua profissão? Nessas horas, antes de emitir alguma
opinião, reflita e se coloque na posição do professor. Além do pó de giz, quantos
saem de casa cedo, enfrentam trânsito, violência e toda sorte de desgastes para
exercer a docência, enquanto se esquecem de si mesmos, de seus sonhos, de suas
necessidades, de suas famílias...
Infelizmente,
nosso olhar sobre o universo escolar não é dos melhores. Somos rasos,
superficiais, imediatistas e inquisidores. Queremos a escola de portas abertas,
funcionando, como mero ‘depósito’ de crianças e jovens, enquanto cumprimos
nossa própria rotina laboral. Na maioria das vezes, muito mais preocupados se
vai ter ou não merenda, do que propriamente se há professores ou não
lecionando.
É, queremos
o cumprimento do livro didático ao final do ano, a aprovação,... Mas, não nos
atemos ao disparate de um currículo obsoleto e pouco atraente, a ausência de
laboratórios para apresentar os conteúdos de uma maneira mais conectada a
realidade do aluno, a existência de disciplinas que poderiam intermediar e
facilitar a absorção de outras já oferecidas, enfim... Quantas vezes cobramos a
aplicação de recursos para a Educação e não sabemos quando e de que forma eles
irão ser aplicados; bem como, se de fato o atual modelo de gestão ficaria ou
não melhor do que está? Nós, cidadãos brasileiros, nos abstemos de colocar as
mãos na massa e nos posicionamos no conforto da crítica improdutiva, que na
verdade não constrói nada.
Está aí uma boa parte da
explicação para não enxergamos a existência do professor. Nós temos o
invisibilizado, do modo mais cruel e perverso, como se ele fosse menos cidadão
do que nós. Como se ele não merecesse respeito e nem dignidade na sua
existência. Às vezes, até com a arrogância, de culpabilizá-lo de todas as
demandas educacionais do país.
Então, sem essa, por favor,
de que a docência é um ‘sacerdócio’; como se isso fosse o bastante para nos
eximir de todas as injustiças, todas as carências, todos os absurdos, todo o
nosso desrespeitoso silêncio em favor das reivindicações dos professores. O que adianta nos lembrarmos do professor em
um dia de outubro e nos esquecermos dele em todos os outros, em todos os anos? Pecamos
por falta de ação; mas, sobretudo, por omissão. Não nos esqueçamos de que tudo
passa pela Educação, pelo trabalho incessante e dedicado do professor.