domingo, 1 de maio de 2016

Caro trabalhador, leia e reflita.


TEMPOS MODERNOS. É um filme de 1936 do cineasta Charlie Chaplin .

 Trabalho. Lida. Labuta.  

Por Alessandra Leles Rocha

“O trabalho poupa-nos de três grandes males: tédio, vício e necessidade”. (Voltaire)

 Nada mais oportuno do que realizarmos neste 1º de Maio uma reflexão profunda sobre os (des) caminhos das relações de trabalho; seja no Brasil ou em quaisquer outros lugares do planeta.
Para início de conversa, engana-se quem pensa que trabalho é uma ação restrita ao ato de sair de casa todos os dias para realizar uma tarefa e no final do mês receber um salário por isso. Antes de pensarmos no trabalho assalariado, que garante o pão de cada dia e a sobrevivência digna do ser humano, cada um de nós trabalha em prol do semelhante, da construção de uma sociedade, conscientemente ou não.
E é fundamental que isso seja percebido para que possamos abolir definitivamente com a equivocada ideia de autossuficiência que teima em corroer muitos de nós. Não, não somos autossuficientes. Estamos sempre a precisar dos gestos mais simples e abdicados de quem nos rodeia, ainda que nem o conheçamos e suas imagens nem se façam refletidas em nossas retinas. Afinal de contas, seria impossível na nossa solitude satisfazermos todas as nossas demandas.
Então, justamente por isso, por essa condição tão básica de auxílio mútuo e cooperação é que se torna possível compreender por onde se iniciam os problemas nas relações de trabalho. O não perceber que se precisa do outro é só a ponta do iceberg. Depois vem a questão de que estamos sempre pensando que uns são mais importantes do que outros e, por isso, merecem também ser mais bem remunerados. Enfim... De repente, a sociedade estabelece uma hierarquização que compromete a dignidade existencial do individuo, permitindo que seres humanos subjuguem outros seres humanos e tornem suas vidas um ato desesperado pela simples sobrevivência.
A cada vez que se aprofundam as discussões em torno das relações de trabalho, a perversidade parece ganhar contornos ainda mais cruéis. Além de se permitir que haja trabalhadores menos ou mais importantes, que pessoas possam receber menos do que o imprescindível para sua sobrevivência e dessa forma tenham que dobrar, ou até triplicar, a jornada de trabalho em nome do mínimo necessário, há diferenças brutais comprometendo a igualdade de gênero, de etnia, de credo, seja do ponto de vista salarial seja em respeito e profissionalismo.  
Sem contar, o que se permite fazer em relação aos trabalhadores que tiveram suas vidas transformadas drasticamente por alguma mazela física e/ou mental e que, portanto, passaram a compor o contingente de mão-de-obra aposentada (muitos precocemente). O impacto da impossibilidade de trabalho não deixa de ser ainda mais severa do ponto de vista econômico e social do que a própria realidade laboral existente, pois se trata da certeza concreta do desamparo e da insuficiência.
Ouço sempre discursos inquisidores que culpam o sistema econômico capitalista como o grande promotor desses absurdos; mas, me pergunto se por detrás dele, ou na constituição dele, não está tão somente o ser humano na condição de mentor intelectual e agente incondicional de colocá-lo em prática. Sim. As teorias econômicas são frutos da mente humana e, por essa razão, pode-se dizer que elas se abstêm voluntariamente da humanidade necessária para promover o bem de todos, sem distinção.
Portanto, muito antes da passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a qual incentivou o nascimento do chamado capitalismo mercantil e das grandes navegações, a história da humanidade já apontava todos os tipos de abusos de exploração e escravização humana nas suas páginas. Os grandes impérios assim se tornaram à custa da percepção de que a vida humana pode ser definida entre os que merecem ou não viver entre os que têm ou não valor; como se isso fosse realmente correto e admissível.
Então, quando chegamos ao século XXI e nos deparamos com a repetição dos mesmos erros é estarrecedor; mesmo porque, o mundo tem hoje uma população de mais de 7 bilhões de pessoas. Vidas que almejam cumprir sua existência de maneira digna, produtiva. Mas, ao contrário disso, segundo comunicado do Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC), “A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reviu, hoje, em alta as suas estimativas do desemprego mundial e pediu um "pacto mundial sobre o emprego" para ajudar a superar a actual crise. Segundo estatísticas divulgadas hoje, a OIT calcula que o número de desempregados, no período de 2007 a 2009, seria de 210 a 239 milhões de pessoas, o que corresponde a uma taxa de desemprego mundial  entre 6,5% e 7,4%,  ou a aumentos do número de desempregados que se situam entre 39 e 59 milhões, desde 2007. Há três meses, a OIT previa que o desemprego mundial no período referido registaria provavelmente um aumento entre 24 milhões – o que corresponde a uma taxa de desemprego de 6,3% – e 52 milhões de pessoas – ou 7,1%. "Estamos a assistir a um aumento sem precedentes do desemprego e do número de trabalhadores em risco de ser lançados para uma situação de pobreza, este ano", disse Juan Somavia, Director-Geral da OIT."Isto constitui um motivo de grande preocupação. A fim de evitar uma recessão social mundial, necessitamos de um pacto mundial sobre o emprego, para combater a crise e atenuar os seus efeitos nas pessoas. A escolha é nossa e o momento de agir é já". A OIT diz que as projecções indicam que, entre 2007 e 2009, 200 milhões de trabalhadores estão em risco de ir engrossar as fileiras daqueles que vivem com menos de 2 dólares por dia.O número de jovens desempregados deverá aumentar entre 11 e 17 milhões, entre 2008 e 2009. Prevê-se que a taxa de desemprego juvenil registe um aumento de cerca de 12%, em 2008, para 14% a 15%, em 2009” 1.
Tudo isso, sob um prisma global. Agora, se olharmos puntualmente para o Brasil, as notícias são ainda mais impactantes. Conforme publicou a Agência Brasil de Notícias (EBC), na última sexta-feira (29/04/2016), “A taxa de desocupação atingiu 10,9% no trimestre móvel encerrado em março último, resultado 1,9 ponto percentual acima da taxa de 9% do trimestre fechado em dezembro de 2015 e 3 pontos percentuais a mais que no mesmo trimestre de 2015, quando o desemprego estava em 7,9%. Esta é a maior taxa de desemprego da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) iniciada em 2012. Os dados foram divulgados hoje (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população desocupada chegou a 11,1 milhões de pessoas, aumentando 22,2% (2 milhões de pessoas), em relação ao número de desempregados do período imediatamente anterior (outubro a dezembro de 2015). No confronto com igual trimestre do ano passado, o número de desemprego subiu 39,8%, o que significa um aumento de 3,2 milhões de pessoas desocupadas. Os dados do IBGE indicam que, no trimestre encerrado em março último, a população ocupada do país estava em 90,6 milhões de pessoas, apresentando uma redução de 1,7%, quando comparada com o trimestre de outubro a dezembro de 2015. Em comparação com igual trimestre do ano passado, houve queda de 1,5% na população ocupada, representando menos 1,4 milhão de pessoas2 .
É preciso parar de desqualificar os fatos, de minimizar a gravidade da situação, de colocar na conta de uma eventual ‘ausência de pró-atividade’ o que acontece nas relações de trabalho. Estamos falando de relações humanas, de ações que refletem na sobrevivência da nossa espécie. Estamos tratando de questões jurídicas e administrativas; mas, sobretudo, de valores éticos e morais. Portanto, reflita e não se esqueça dessas palavras de José Saramago, no livro Ensaio sobre a Cegueira: “Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira?”.