Entre
raios, água e trovões
Por
Alessandra Leles Rocha
Não
há como negar a beleza enigmática que se esconde por detrás de uma tempestade a
se formar no horizonte. Por alguns
instantes o dia se transforma em noite e as nuvens não parecem suficientemente capazes
para resistir ao peso que agregam; a força das águas na decomposição das
partículas elétricas a recortar o infinito e explodir no eco tenebroso dos
trovões.
Se
por um lado tal fenômeno é assustador, por outro ele nos hipnotiza e acalma. O
destempero da natureza nos reconforta as mais silenciosas inquietações humanas;
no palco da atmosfera exorciza-se o estresse, a pressa, a angústia, a falta de
respostas. Durante a tempestade a vida se resigna a parar!
Na
metamorfose caótica a vida se transforma em
observadora de si mesma; uma contemplação inconsciente absorve os sentidos e
nos impede de fazer mais do que simplesmente pensar. Partindo da sensação de
sermos nesse instante, literalmente, pequeninos grãos de areia a serem lançados
de um lado para o outro se assim desejar a chuva que cai do céu. Na queda
abrupta das gotas de água sobre o solo sentimos respingar por dentro a própria
enxurrada de emoções e sentimentos guardados, estancados por longos períodos;
uma melancolia estranha que resfria o corpo e a alma, como se nos roubasse o
calor fundamental.
Haverá
terapia mais eficaz do que uma tempestade? Momentos para debruçar diante da
janela, com vidros suavemente esfumaçados e molhados, ou sentar no sofá e
degustar uma xicara de café quentinho, ou recostar na cama sob a carícia de uma
coberta aconchegante, ou sentar a mesa e escrever as memórias do dia nas
páginas de um diário. Banal?! Não; elementar. Reencontros com a simplicidade
existencial humana não podem ser jamais considerados banais. Por isso, às
vezes, o choro é inevitável; é preciso lavar por dentro o que a chuva sozinha
não consegue lá fora.
Reflexivamente
perdidos, quanto mais tempo fluir esse movimento simbioticamente catártico,
entre a natureza e o ser humano, melhor. Fazer das trevas tempo de luz não pode
ser tão fácil! Há de existir toda a decomposição do cinza em seus matizes até
ressurgir o céu coroado em arco-íris; como, no mais profundo da alma também
precisa acontecer. Por isso, o relógio nos transmite a sensação de se postar ao
contrário da velocidade costumeira, sem ordens para tal; mas, por livre e
consciente vontade.
Então,
só depois do céu se despir de tamanho peso e reencontrar o equilíbrio
novamente, a vida se desperta. Entretanto, não se pode desconsiderar que tudo
se repita numa fração de tempo curta demais, ou demore dias a perceber a
necessidade em fazê-lo. O importante é que cada despertar seja lento e gradual,
uma readaptação ao já conhecido; mas, naquele momento, sensivelmente
transformado a luz dos olhos físicos e espirituais. Benditas sejam as
tempestades que nos confrontam, que nos confortam e que nos fazem mais humildes
e crédulos diante da magnitude do universo, do encantamento do dia, da magia da
noite, da sedução das estrelas,... enfim, da nossa incapacidade de desafiar ou
explicar esse poder imaterial existente acima de nossas vãs filosofias.