Os três Villas Bôas: Leonardo, Orlando e Cláudio - 1956
A história desses três irmãos lendários começa em 1941. Orlando, Cláudio e Leonardo moravam em São Paulo: o primeiro era escriturário na Esso, o segundo entregava avisos da Prefeitura e o terceiro era funcionário de uma empresa distribuidora de gás para geladeira. Orlando tinha 27 anos, Cláudio, 25 e Leonardo, 23. De uma família de onze filhos, pai fazendeiro de café, os três tiveram de interromper os estudos na adolescência, depois que o pai ficou doente, vendeu a fazenda e trouxe todos para São Paulo. No ano de 1941 o pai morre e, cinco meses depois, a mãe. Os três deixam o casarão que a família ocupava no bairro de Pinheiros, alugam uma casa menor para os irmãos e vão para uma pensão na Vila Buarque, bairro no centro de São Paulo. Criados no interior, não viam futuro na cidade grande. À noite, na pensão, liam e conversavam sobre o sertão, Cláudio abrindo grandes mapas do Brasil sobre os quais os três se debruçavam, deixando o sonho correr livre. Até que em 1943 ficam sabendo que o governo federal acabara de criar a Expedição Roncador-Xingu, com o objetivo principal de “conhecer e desbravar as áreas que aparecem em branco nos mapas”. O país contava então 43 milhões de habitantes. Sem imaginar que iriam passar 40 anos na selva, Orlando, Cláudio e Leonardo decidem inscrever-se. Procuram a Fundação Brasil Central, criada na mesma ocasião para orientar e administrar os trabalhos da Expedição Roncador-Xingu. São recusados. Por ordem superior, só eram aceitos “sertanejos”, porque “têm mais resistência que gente da cidade”. Os três resolveram então ir diretamente para Barra do Garças, onde estava sendo montada a base da Expedição. Vão disfarçados de “sertanejos” e ganham o emprego: Cláudio e Leonardo, na enxada; Orlando, auxiliar de pedreiro. O encarregado de montar a base da Expedição, único que não era sertanejo ali, não tinha com quem discutir ou dividir os problemas. Até que um dia um avião atola no campo da base e são chamados para ajudar no desencalhe os dois trabalhadores que estão mais próximos. Eram Cláudio e Leonardo. Na conversa, revelam-se educados e alfabetizados. No dia seguinte, Cláudio é nomeado chefe do pessoal, Leonardo chefe do almoxarifado e Orlando secretário da base. Daí em diante começará a epopéia, que Orlando e Cláudio narram num diário detalhado, no livro que batizaram de
A Marcha para o Oeste. Orlando está hoje com 84 anos. Cláudio morreu em 1998 e Leonardo em 1961. Essa aventura, sem paralelo na história do país e com contorno de ficção, deixou números impressionantes: 1.500 quilômetros de picadas abertas, 1.000 quilômetros de rios percorridos, 43 vilas e cidades nascidas no roteiro da marcha, 19 campos de pouso, sendo que quatro se tornaram bases militares e pontos de apoio de rotas aéreas internacionais, 5 mil índios contatados. E a criação do Parque Nacional do Xingu, uma “Sociedade de nações”, como disseram os Villas Bôas, onde vivem atualmente 6 mil índios falando dez línguas diferentes. Em suas 18 aldeias, o Parque abriga cuicuros, calapalos, nauquás, matipuís, meinacos, auetis, uaurás, iualapitis, camaiurás, trumaís, txicãos, suiás, jurunas, caiabis, metotires, mencragnontires e crenacarores. Tudo isso valeu aos irmãos quatro comendas estrangeiras, onze nacionais, seis títulos e diplomas de honra ao mérito, inclusão no Who’s Who, indicação para o Prêmio Nehru da Paz e para o Nobel da Paz. Valeu também, a Orlando e a Cláudio, 200 malárias para cada um. Até aqui, Orlando e Cláudio escreveram doze livros, extraídos de sua experiência indigenista, e fizeram (Orlando ainda faz) inúmeras conferências, depois da aposentadoria em 1978, quando deixaram o Parque Nacional do Xingu e vieram morar em São Paulo, como assessores da presidência da Fundação Nacional do Índio. A última obra dos irmãos,
A Marcha para o Oeste, é simplesmente um relato de tudo o que foi vivido pela Expedição Roncador-Xingu, sem preocupação especial com a pesquisa científica, mesmo porque não era o caso e porque ao longo da marcha sempre abrigaram e orientaram os estudiosos que foram ao seu encontro. No entanto, com sábia humildade, deixaram implícita a preocupação científica, e entregam ao país um documento de inestimável proveito para o seu autoconhecimento.
Sérgio de Souza é jornalista e editor da revista Caros Amigos.
Sérgio de Souza