domingo, 18 de abril de 2021

Reduzidos... Encolhidos... Achatados...


Reduzidos... Encolhidos... Achatados...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

A notícia de que a classe média atingiu o mesmo patamar da classe baixa no país, em 2021 1, até certo ponto, não surpreende. Um pouco de atenção e observação quanto ao cotidiano dos cidadãos e as notícias referentes à Economia, para se construir um balizamento a respeito dos rumos da sociedade brasileira, incluindo a sua própria estratificação.

Culpa da Pandemia? Talvez, em parte; mas, não apenas dela. O que acontece é que em uma circunstância tão adversa, como é uma pandemia, a dinâmica da vida se altera para padrões não projetados, muito distantes das perspectivas e expectativas que conduziam os processos de gestão das demandas sociais.

Afinal de contas, um rearranjo das prioridades acontece inevitavelmente e os esforços precisam se concentrar nas garantias da sobrevivência humana. Desacelerando áreas importantes da grande economia mundial, em contrapartida de outras que precisam ser aquecidas e melhor implementadas. Mas, isso é uma discussão que cabe mais apropriadamente aos especialistas do setor econômico, em face da sua imensa complexidade.

Então, decidi propor uma reflexão mais humanista sobre esse “encolhimento” da classe média, porque sobre ele se debruça a desigualdade social. O achatamento dos estratos sociais traz à tona a realidade de uma conjuntura de perdas: de poder aquisitivo, de acessibilidade a bens e serviços, e de manutenção de direitos fundamentais. Em suma, a síntese da reescrita de sua dignidade cidadã.

O dia a dia dessas pessoas, portanto, tende a ser muito mais desafiador. Elas precisam fazer o mesmo com muito menos à sua disposição, então, se submetem a viver sob um regime rígido de contenção de gastos.  Elas sobrevivem no limite do essencial. Elas não sabem o que é o supérfluo; o qual, muitas vezes, nem poderia ser assim classificado. De modo que chega a um determinado ponto em que elas não conseguem mais se manter e decrescem no estrato da sociedade por total incapacidade de suprir as suas demandas, apesar de todos os esforços empenhados nesse sentido.

É aí, que algo chama a atenção, no caso brasileiro. É de conhecimento público que o país optou, na atual gestão, por uma política econômica radicalmente liberal, o que pode ser traduzida por um modo extremo de preterir as parcelas menos favorecidas da população, em nome de beneficiar as mais privilegiadas.

Acontece que a Pandemia do Sars-COV-2 surpreendeu ao mundo. Deu de ombros aos infundados prognósticos de fenômeno passageiro e segue seu curso sem dizer quando vai embora. De modo que, sem maiores surpresas, o estrito planejamento econômico brasileiro foi, então, lentamente indo por água abaixo. Tanto pelas conjunturas globais quanto pela carência de uma estrutura mais flexível e antenada ao curso do mundo contemporâneo. O que em resumo representou uma armadilha para o próprio governo.

Ora, as conjunturas de perdas sociais implicam necessariamente na impossibilidade de sobreviver no cenário das conjunturas econômicas do próprio país, tornando as camadas mais vulneráveis, cada vez mais dependentes das ações das políticas públicas.

Traduzindo em miúdos, não serão apenas mais pessoas dependendo do Sistema Único de Saúde (SUS), porque não conseguem mais arcar com um plano de saúde privado. Ou mais alunos para a rede pública de ensino, porque não conseguem mais pagar as mensalidades na rede particular. Esse “achatamento” social representa, portanto, uma redução exponencial de público para diversos segmentos da indústria, comércio e prestação de serviços.

Uma reação em cadeia de desemprego, de encerramento de atividades, de geração de receita, enfim... Porque, quanto mais desprivilegiados estão os estratos sociais da base da pirâmide, mais se estabelece uma impossibilidade de restauro do equilíbrio traçado para o desenvolvimento do país. Compra quem pode. Possui quem pode. Enfim...

Mas, não para por aí. Sob um outro viés, ainda que muitas pessoas insistam em desconsiderar, a saúde pública é outro gargalo seríssimo, como já demonstra a Pandemia. A questão é que os problemas tendem a ser piores, porque as variantes do Sars-COV-2 têm se mostrado mais agressivas e deixado sequelas graves nos sobreviventes. Assim, serviços como fisioterapia, hemodiálise, neurologia, psicologia, precisarão ser expandidos em todo o país para conseguir dar vazão a esse novo contingente de demandas.  

Como escreveu Milton Santos, “ Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão”. Se havia alguma dúvida quanto à importância em se combater a desigualdade, creio que não mais. O empobrecimento não é uma mera questão de descer no estrato social. Quanto mais as pessoas são tratadas indignamente mais recursos serão demandados para alavancar o país.

Nem adianta tentar olhar o mundo do século XXI, com olhos do século XIX ou XX. Enxergando objetos em lugar de seres humanos. Explorando vidas, como quem moi o bagaço da cana em busca do mel. Porque essa pseudorriqueza esvai no sopro do imprevisível que ninguém comanda. Por isso, tenhamos sempre em mente que “... rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando aberto para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é” (Raduan Nassar – Lavoura Arcaica).  

sábado, 17 de abril de 2021

Somos simplesmente seres humanos


Somos simplesmente seres humanos

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Desde que o Sars-COV-2 surgiu e a raça humana foi confrontada com a condição de submissão a uma Pandemia, nada esteve tão diante de nós do que o tênue limite entre a vida e a morte. Mais do que isso, a conjuntura atual abriu um espaço gigantesco para reflexões diversas a respeito. O valor da vida. O significado da existência humana. O impacto da morte. Enfim...

E hoje, 17 de abril de 2021, foi um dia particularmente interessante, se olhado desse ponto de vista, porque estivemos diante de dois fatos muito marcantes. Primeiro, o mundo atingiu a marca de 3 milhões de mortos pela COVID-19. Segundo, porque foi realizado o funeral do Príncipe Philip, marido da Rainha Elizabeth II, em Windsor, na Inglaterra.

A morte sempre foi o lado contrário da moeda da vida. Já nascemos sabendo que um dia ela chegará. Mas, de repente, uma única razão, um vírus, até então, desconhecido, está dilapidando a raça humana sem dó nem piedade. Não foi o caso do Príncipe, que já estava com a saúde muito fragilizada pela própria idade; mas, de, pelo menos, 3 milhões de outros anônimos e famosos, mundo afora.

Entretanto, ambas as situações oportunizam pensar. Nem todo o luxo. Nem toda a riqueza. Nem todo o poder. Nem toda a fama ou glória. Não representam absolutamente nada diante da morte. No máximo um cortejo elegante, manifestações de condolências, coroas fúnebres, uma liturgia religiosa especial. Mas, nada que possa efetivamente trazer aquele ser humano de volta aos braços de seus entes e amigos queridos.

No caso da Pandemia, quando todo o rito de despedida foi brutalmente transformado pelo distanciamento e as medidas sanitárias impostas, a morte foi ainda mais cruel na impossibilidade da plenitude do luto, independentemente da condição social das pessoas. A dor, a perda, o sofrimento, tudo foi amordaçado pela realidade; contido de um modo que a morte passou a se decompor em ondas de tristeza sem fim.

Talvez, por isso, muito do desconforto que paira no ar, nesse momento, seja justamente pela tomada de consciência de que a ideia do “amanhã” não é verdadeira.  A vida não conta para ninguém o dia da sua partida. Pode ser hoje, amanhã, daqui a um mês, ... E agora, temos visto, bem de perto, o quanto isso é assustador.

Décadas e décadas dedicadas a levar a vida no ritmo acelerado do mundo moderno e, depois, contemporâneo. Preocupados em cumprir e bater metas de produtividade e consumo, para ostentar as maravilhas de ser bem-sucedido, entre os pares. De modo que sobrou bem pouco tempo para SER. Para amar. Para conviver. Para cuidar. Para tecer relações humanas em quantidade e qualidade suficientes, o bastante, para não se arrepender depois.

Muito engraçado, porque vivíamos como se a vida fosse acabar no minuto seguinte; mas, acreditávamos que haveria sempre o tal “amanhã”. Amanhã eu faço. Amanhã eu vou. Amanhã eu resolvo. E assim por diante. Cotidiano, família, trabalho, amigos, ... tudo acabava embrulhado no mesmo pacote que fazíamos questão de postergar. Até que, de repente ...

A vida decidiu abrir mão dos protocolos que vinha utilizando, há tempos, para emitir nota de alerta de que o prazo de sobrevivência estaria por um fio. Uma doença sinistra, com muitas variantes se disseminando, matando impiedosamente em questão de horas, poderia abreviar a vida, a história, os sonhos, as esperanças, as expectativas de quem se descuidasse por um minuto sequer.

O pior é que ela tem cumprido o aviso; ainda, que alguns teimem em insistir e persistir confrontando-a, indisciplinadamente, por aí, com aglomerações e negacionismo à Ciência. Sem contar que a imunização, pelo fato de ser uma Pandemia, esbarrou no óbvio, a quantidade de vacinas disponíveis. De modo que o processo se arrasta heterogêneo pelo mundo, dadas as especificidades da gestão implementada por cada país.

Nada tem conseguido conter o avanço da morte. Se apenas a COVID-19 já computou 3 milhões, imagina acrescer os dados de milhares de outras causas? Estamos sim, flertando muito mais próximo com a morte do que queremos supor; mas, sem conseguir enxergar o papel da vida no sentido da contenção desse processo.

Porque quem está vivo tem um papel fundamental na redução das causas que podem levar pessoas a óbito. Não só o Sars-COV-2; mas, as violências. A miséria. A subnutrição. Os outros agentes biológicos. A radiação. As poluições. ...

Assim, de uma forma bem clara e objetiva, a morte tem mostrado para a humanidade que não há posição social capaz de blindar ou neutralizar os seus efeitos sobre ninguém. Somos todos a “bola da vez”; todos vulneráveis. Não importa quem somos, onde moramos, quanto temos na carteira, que aspirações acalentam nossa alma, ... As mudanças no censo demográfico global, impostas pelas atuais conjunturas, terão desdobramentos e consequências drásticas para a coletividade, em todos os campos da vida durante o processo de reconstrução do mundo no Pós-Pandemia. Afinal de contas, a verdade é que somos simplesmente seres humanos.


sexta-feira, 16 de abril de 2021

Medo da violência ou a violência do medo?


Medo da violência ou a violência do medo?

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Mais um “lobo solitário” tira a vida de 8 pessoas, nos EUA, e depois se mata 1. Uma tristeza que propõe uma reflexão profunda e imediata sobre a violência e o significado da vida.

Já escrevi várias vezes que a violência não tem uma única forma e direção; são muitas. Particularmente, em relação aos norte-americanos, os movimentos impetrados por franco atiradores obedecem a características que os contextualizam a partir da conjuntura social.

O que quero dizer é que não se pode analisar as violências pelas violências. É fundamental ir a fundo na busca pela verdadeira motivação. No caso dos EUA, o fato de o porte de armas ser constitucionalmente autorizado não sustenta sozinho as razões que levam a ocorrência de episódios letais. Nem mesmo a quantidade de armas por cidadão justificaria robustamente essas ações.

Mas, certamente, as armas de fogo são um facilitador para a exacerbação da violência. O indivíduo de posse de uma delas simplesmente age, no sentido de resolver uma situação sem que necessite dizer uma só palavra, ou manifestar-se de outra forma.

Tudo é rápido e prático, na mente do atirador. O que chama atenção é que, em muitos casos, os atiradores têm cometido suicídio após a barbárie. Me parece difícil acreditar que seria, simplesmente, para não sofrer as punições da lei.

Na verdade, esse tipo de atitude tende a sinalizar que as raízes do desconforto, da angústia, da inaptidão social, são muito mais profundas do que se poderia imaginar. Expressar a violência através da arma de fogo não parece suficiente para aplacar definitivamente a questão. Esses indivíduos só enxergam uma maneira, então, de fazê-lo, ou seja, morrer.

Cada pessoa tem um limite existencial que baliza as suas convivências e coexistências no mundo. Mas, há tempos, a realidade contemporânea tem tornado essas relações mais difíceis de acontecer e de se manter. Sem se darem conta, os seres humanos tornaram-se peças na dinâmica da sociedade tecnológica urbanoindustrial, o que significa que passam mais tempo dedicadas a produzir e consumir do que a tecer as suas relações sociais.

O nível de exposição a que são submetidos no seu cotidiano é estarrecedor; sobretudo, porque esse é um mecanismo de controle social. Ao dissecarem gostos, informações pessoais, aquisições, conquistas, o mundo tecnológico alimenta as arenas de competitividade humana. Todos querem ser Todos querem ter ... Todos querem poder ... Todos querem pertencer ... E quando não conseguem satisfazer as suas metas de consumo se defrontam com uma frustração irremediável, que pode acabar desaguando nas violências.

Antes mesmo da Pandemia se instalar no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já se preocupava com o aumento exponencial do suicídio no planeta 2. Geralmente, a exacerbação dessas violências é direcionada para o próprio indivíduo, especialmente em sociedades mais rígidas e conservadoras. Onde o nível de cobrança social é demasiadamente intenso dados os parâmetros de referência em relação ao que se entende por sucesso, status etc.

Mas, agora, diante da Pandemia, as manifestações da violência estão visivelmente mais intensas. Não só pelas circunstâncias impostas pelo vírus, como o distanciamento social, as restrições de deslocamento, a preocupação mais acentuada com as medidas de higiene, a convivência mais íntima em família; mas, pela total imprevisibilidade em relação ao Pós-Pandemia.

O mundo literalmente parou. Todos os esforços e sentidos voltaram-se para a Pandemia. Portanto, a realidade econômica que ditava as regras e comportamentos da sociedade foi abruptamente impactada. Salários foram reduzidos. Cargas horárias de trabalho foram estabelecidas. O home office foi instituído para diversos setores. Milhares de pessoas foram demitidas, em razão de milhares de empresas obrigadas a encerrarem suas atividades.

O poder de compra caiu. A fome se instalou em diversos lares. A produção de vacinas e a imunização populacional, ainda, não atingiu o globo terrestre na expectativa necessária. A educação em suspenso ou em total desorganização para constituir um aprendizado qualitativo e quantitativamente eficiente. Enfim... Depois de um ano inteiro, a Pandemia persiste e resiste desafiando o planeta.

Então, imagina como está a cabeça de centenas de milhares de pessoas acostumadas a um ritmo existencial, o qual, de repente, deixou de existir. Se a morte é um potencializador do medo, a incerteza pode ser muito mais.

Pessoas com medo tendem a ser perigosas e violentas, porque é uma maneira que encontram para lidar com as suas insatisfações, as suas inabilidades diante da vida. Às vezes elas começam a ressignificar esse processo pelo outro e, quando percebem que não adiantou nada, elas se voltam para si mesmas. Daí a imensa preocupação que se deve ter.

Há uma tendência inegável de que se estabeleça uma epidemia de violências no mundo, dadas as conjunturas pandêmicas. Afinal, temos muito mais perguntas do que respostas respondidas em relação ao que será da sociedade ao final desse processo sem data para terminar.

O que significa que o medo está nos rondando, está à espreita, e fomentando uma tensão inconsciente capaz de explodir em qualquer lugar, a qualquer momento. Como bem alertou Zygmunt Bauman, “foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa intolerância, se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada”.

Nesse contexto, é claro que as armas de fogo produzirão um resultado muito mais dramático e previsível. Sendo assim, que não se dispense a devida atenção ao que acontece no hoje, ao invés de aguardar para ventilar pelo mundo os arrependimentos tardios e sua total ineficiência.  

quinta-feira, 15 de abril de 2021

E a Cúpula do Clima, hein?!


E a Cúpula do Clima, hein?!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Sei que este é só o 4º mês de 2021; mas, arrisco sim, a pensar que a palavra deste ano para o Brasil será CAOS. Observando com bastante atenção o fluxo do cotidiano, ela parece preencher, com perfeição, os requisitos para descrever os descaminhos do país. Está clara a possibilidade de o caos ser o princípio norteador de um planejamento, na medida em que ele garanta os resultados para os objetivos delineados.

Às vésperas da Cúpula do Clima, a ser realizada nos EUA, o Brasil está tão desconectado da realidade ambiental do mundo contemporâneo, que sua presença faria mais sentido se estivesse desembarcando na Europa, nos áureos tempos do Colonialismo, quando os modelos de exploração dos recursos naturais faziam as grandes Metrópoles estremecerem de felicidade.  

Infelizmente, o que o Brasil diz não se escreve. Todos já deveriam, pelo menos, saber disso. Porque são décadas de acordos e tratados relacionados as questões socioambientais que não são cumpridos. Não passam de promessas estatísticas vãs, em relação a redução das áreas de desflorestamento, das queimadas, da mineração ilegal em terras indígenas, etc.etc.etc.

Lançar sobre os documentos milhares de metas é muito fácil. Mas, quando se olha para o arcabouço de legislações, normatizações e planos de manejo sustentável, os quais deveriam ser desenvolvidos especificamente para as demandas de cada um dos biomas nacionais, a realidade é outra. O próprio sistema institucional de gestão do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis e não renováveis foi desestruturado e desconfigurado, a partir de 2019, incluindo uma redução drástica de recursos financeiros para o setor.

Portanto, não precisa ser nenhum gênio do ambientalismo para constatar que as metas e promessas que o Brasil discursa não podem ser alcançadas, diante da insuficiência logística e fragilidade jurídica em que operam os responsáveis. Tudo não passa de uma falsa aparência de engajamento com as questões ambientais, com vistas a conseguir fundos internacionais.

Afinal, há uma corrente no país, que defende fragorosamente a exploração dos recursos naturais como solução para alavancar a economia nacional, em detrimento de todos os estudos e apontamentos das ciências relacionadas ao Meio Ambiente em todo o mundo. De modo que as pressões de ordem econômica tentam suplantar, de todas as maneiras, as demandas socioambientais.

E não é dizer que os impactos negativos disso já não estejam sendo sentidos, porque estão. As áreas de mineração ilegais, por exemplo, têm feito milhares de vítimas do mercúrio despejado nos rios da Bacia Amazônica. O desmatamento e as queimadas têm afetado o regime pluviométrico em todo o país e, por consequência, as expectativas do agronegócio nacional, o qual resiste como elemento de destaque para a balança comercial favorável.

Sem contar que o uso e a ocupação dos biomas têm promovido não só o deslocamento de espécies animais para os centros urbanos, como, também, favorecido a ampla disseminação de doenças infectocontagiosas, tais como a Malária, a Doença de Chagas, a Febre Amarela e a Leishmaniose Visceral e Tegumentar, entre a população urbanizada. Muitas dessas doenças são transmitidas pelos chamados “arbovírus”, ou seja, vírus transmitidos por hospedeiros vertebrados a partir da picada de vetores artrópodes (mosquitos, moscas, carrapatos, pulgas, triatomíneos). 

Torna-se visível, então, como essa visão arcaica de exploração ambiental reflete de maneira significativa na dinâmica da saúde nacional. Seja pelo favorecimento ao adoecimento involuntário da população; sobretudo, as parcelas mais vulneráveis, que não dispõem de conhecimento suficiente para compreender os efeitos do desequilíbrio ambiental e para saber como se protegerem deles, mitigando seus efeitos, quando possível. Seja pela ampliação indiscriminada das demandas pelos serviços de saúde, não somente de atenção básica; mas, também, de média e alta complexidade, dependendo do grau de acometimento das doenças. Seja pela junção dos impactos dessas patologias com a própria fragilidade e carência de infraestrutura de saneamento básico no país, que tanto expande a vulnerabilização social.

Carl Edward Sagan, um grande divulgador científico e ativista norte-americano, faleceu em 1996; mas, ele já lançava a seguinte pergunta: “A nossa geração tem que escolher o que ela valoriza mais: lucros de curto prazo ou habitabilidade de longo prazo no nosso lar planetário? ”. Bem, em nome do TER o Brasil omite e inivisibiliza ao SER; isso significa que não há pretensões concretas do país em operar as ações ambientais no caminho do desenvolvimento sustentável.

E nem se trata, de uma compreensão restrita a gestão dos biomas. Basta olhar para as cidades e centros urbanos para perceber o quão distantes suas gestões estão da inclusão, da segurança e da sustentabilidade, propriamente ditas. A insalubridade ambiental está materializada por resíduos descartados por todos os lados, pelo desperdício de alimentos, pela presença maciça de insetos e roedores ... Não há padrões de consumo e produção sustentáveis. Não há controle na emissão de gases tóxicos e poluentes, na formação das ilhas de calor, na eliminação e/ou restrição das áreas arborizadas, ...

Sendo assim, se nada for feito na contramão dessa desordem institucionalizada, a qual cada vez encontra mais caminhos para sustentar a sua “legitimidade legalizada”, o caos nos fará vítimas indefesas nas tramas das suas teias. Não nos esqueçamos do que bem escreveu o antropólogo francês Gustave Le Bon, em 1911, “a humanidade só saiu da barbárie mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e não temeu mais o poder dos taumaturgos, dos oráculos e dos feiticeiros. Os ocultistas de todos os séculos não descobriram nenhuma verdade ignorada, ao passo que os métodos científicos fizeram surgir do nada um mundo de maravilhas. Abandonemos às imaginações mórbidas essa legião de larvas, de espíritos, de fantasmas e de filhos da noite – e que, no futuro, uma luz suficiente os dissipe para sempre”. Porque atentar contra a natureza é atentar contra si mesmo. Simples assim.


quarta-feira, 14 de abril de 2021

O caos e sua espiral...


O caos e sua espiral...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Qualquer ser humano, em bom estado de lucidez, sabe que apagar incêndio com gasolina não é um bom negócio. E não é de ontem, quando algumas notícias internacionais trataram do Brasil, que já temos sido avisados que o país está fora do mapa mundi. A Pandemia é o fiel da balança nesse momento, por isso não adianta dobrar a aposta sobre a sua má gestão. Inclusive, porque isso não deixa de ser um balizador para outras áreas do governo, além da própria Saúde.

Portanto, ameaças veladas de caos sobre o caos são de uma estupidez sem precedentes. O que mais o país quer perder? Vidas humanas estão sendo perdidas a rodo. Credibilidade ambiental, também. Ascensão econômica, melhor nem comentar. ... Podem, até não admitir, mas o consenso de que o Brasil já é um pária internacional circula entre as altas rodas do poder mundial. E tudo o que o mundo civilizado pretende nesse momento é reunir esforços para superar os efeitos catastróficos que a Pandemia impôs a todos. A paciência com desvarios alheios está fora de cogitação.

Se o Brasil quer chamar, ainda mais, a atenção do mundo para o seu modo “sui generis” de governar, está escolhendo a maneira errada. Quaisquer desarranjos internos no país que coloquem em risco a seguridade sanitária internacional terão respostas diplomáticas a contento. Ninguém vai assistir de camarote a um eventual curto circuito do país e permitir que novas variantes do Sars-COV-2 se espalhem rapidamente pelo planeta.

Principalmente, porque lá fora os governos não se fiam em conversinhas de corredor. As relações diplomáticas e comerciais acontecem pautadas por aspectos técnicos, de ações práticas, passiveis de comprovação in loco. Não é à toa que as últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI têm contribuído tão intensamente para o contínuo desenvolvimento de processos de monitoramento via satélite.

Mais do que o trabalho imprescindível da imprensa, na comunicação e informação de tudo o que acontece no mundo; a verdade é que há milhares de olhos cibernéticos a vigiar a Terra a partir da imensidão azul do espaço sideral. E eles não deixam dúvidas sobre o que acontece de micro e de macro aqui embaixo, tornando certas verdades, muito mais, incontestáveis.

Não é hora de valentia bravateira! A conjuntura do agora é de seriedade, de austeridade. Seja para pessoas. Seja para governos. Esse é um momento de aprender a ser dentro de um panorama totalmente novo. E se ajustar as transformações, especialmente quando elas são abruptas demais, não é uma tarefa simples. Ainda que muitos não admitam; mas, a população está fragilizada, confusa, perdida diante dos acontecimentos. Ela precisa de um norte, de uma liderança que seja capaz de guiá-la por caminhos menos difíceis e tortuosos.

Alguém que possa entender exatamente o significado do que disse o empreendedor e palestrante motivacional, Jim Rohn, ou seja, “o desafio da liderança é ser forte, mas não rude; ser gentil, mas não fraco; ser ousado, mas não um valentão; ser humilde, mas não tímido; ser orgulhoso, mas não arrogante; que tenha humor, mas sem loucura”. Em suma, alguém que se permita conduzir pelo diálogo e o bom senso; pois, “infeliz a nação que precisa de heróis” (Bertold Brecht – “A vida de Galileu”, cena 12, p.115, 1938).

Portanto, a necessidade de uma figura como descrita acima é porque urge a presença de alguém que assuma a responsabilidade, em agir com habilidade e competência suficientes, para mudar a direção dos fatos. Afinal de contas, até aqui, o que vigora nas entrelinhas dos acontecimentos é que esta “não é uma questão se a guerra é real ou não é. A vitória não é possível. A guerra não é destinada para ser ganha. É destinada para ser contínua. Uma grande sociedade arcaica só é possível às custas da pobreza e da ignorância” (George Orwell – escritor e jornalista inglês).


terça-feira, 13 de abril de 2021

Cada um por si...


Cada um por si...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Confesso que é de revirar o estômago, de qualquer um, a desfaçatez com a qual alguns (muitos) membros da classe política nacional demonstram o seu descaso e desrespeito com a população. Talvez, não tarde o dia em que saiam estampando por aí um sonoro “Cada um por si e Deus por todos”, em uma reafirmação explícita da maneira acintosa como compreendem a sua participação no cenário do poder.

Sei que não é de hoje, que a política nacional cria lobos em peles de cordeiro capazes de desenvolver uma habilidade incontestável em equilibrarem-se em cima dos muros. Nem sim, nem não, muito pelo contrário. Assim, vão eles empurrando com a barriga os seus mandatos recheados de regalias, privilégios e ostentações mil, enquanto se esquecem temporariamente os caminhos e as gentes que os fizeram chegar até lá.

O país, enquanto microrrepresentação do mundo, padece o pior momento sanitário da sua história. Mais de 350 mil mortos por um vírus, o Sars-COV-2, e suas variantes, potencialmente contagiosas e letais. Mas, se fosse possível mensurar o nível de preocupação da nossa classe política entre as ações de prevenção e combate à Pandemia e os seus instintos naturais de sobrevivência no cargo para o qual se elegeram, ficaríamos deveras estupefatos com o resultado.

O que retira o sono, a paz e a tranquilidade dos nobres representantes do povo brasileiro são seus interesses políticos.  Depois de eleitos, tudo muda. Palavras se perdem no tempo, no vento, no espaço. De modo que as promessas podem ser guardadas para serem requentadas em outro pleito. Ora, reside na alma política nacional uma convicção, reafirmada secularmente, de que a memória do eleitor é fraca e diante de tantas mazelas cronificadas, ele acaba se rendendo a esperança de acreditar que “dessa vez vai ser diferente”.

Vejam que os dias se arrastam em cortejos fúnebres, que o caos nos hospitais atenta contra quaisquer limites toleráveis pela dignidade humana, que a vacinação soluça os seus avanços e retrocessos por falta de insumos, que a economia exibe o seu desempenho pífio em contraste com a tendência global, e o que efetivamente fez a classe política brasileira a respeito? Não conheço gente que gosta tanto de falar, de discursar, de se reunir; mas, tão pouco, de colocar a mão na massa e agir.  

Essa não é uma situação qualquer. Ela não se parece em nada com o que o mundo e o país estavam acostumados a conviver. São tempos de ação real e imediata. De respostas práticas que caibam dentro das demandas que urgem. Mas só vemos conversas que não chegam a nenhum denominador comum. Pessoas “pisando em ovos” para não perturbar, não desagradar, não se indispor com uns e outros. Que desviam de foco, de propósito, pelo simples prazer de postergar e fazer prosperar a inação. Que tentam inutilmente acobertar as irresponsabilidades, as negligências, as incompetências.

Que triste! É assim que Vossas Senhorias escrevem seus nomes na história! Sobre o desalento, o infortúnio, o morticínio de seus ingênuos e crédulos eleitores. Ao defenderem pautas particulares e partidárias em detrimento daquelas que clamam o país, vocês descumprem seu compromisso constitucional e constrangem os cidadãos locais, perante o resto do mundo. Talvez, nem todos porque há pessoas que compartilham desse mesmo sentimento de desprezo nacional. Por sorte uma minoria.

No entanto, não posso deixar de reiterar que essa é uma conjuntura totalmente atípica. Por isso é importante que a classe política compreenda que ao estar presa inconscientemente a um modus operandi arcaico, ela se abstém de perceber o tamanho da imprevisibilidade que pode alcançá-la; suas atitudes podem não ter os resultados, os quais ela se acostumou a obter.

Aliás, tomando por simples exemplo, a quantidade de parlamentares que vieram a óbito por conta da Pandemia, já seria o suficiente para iniciar uma reflexão desconstrutiva sobre o lugar de poder que pensam ocupar. A política, por si só, foi incapaz de fornecer-lhes quaisquer blindagens contra o vírus. Permaneceram mortais, falíveis, como quaisquer cidadãos comuns.

De algum modo, isso já é uma sinalização, a todos, de que o mundo no Pós-Pandemia tenderá a caminhar rumo a construção de uma nova ordem para suas relações sociais, políticas, econômicas, ambientais, humanitárias. O que significa que as mesquinharias e as politicagens estão com os dias contados, para ceder lugar a uma relação franca, objetiva, plural, capaz de atender verdadeiramente as demandas das populações atuais e futuras. Afinal, como manifestou José Saramago, “Não são os políticos os que governam o mundo. Os lugares de poder, além de serem supranacionais, multinacionais, são invisíveis”. Nunca somos nada; apenas, estamos.


ARTIGO - AS ARTES NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA: UMA RELAÇÃO DE RELEVÂNCIA ENTRE O MULTILETRAMENTO E O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA