Somos
simplesmente seres humanos
Por
Alessandra Leles Rocha
Desde que o Sars-COV-2 surgiu e a
raça humana foi confrontada com a condição de submissão a uma Pandemia, nada
esteve tão diante de nós do que o tênue limite entre a vida e a morte. Mais do
que isso, a conjuntura atual abriu um espaço gigantesco para reflexões diversas
a respeito. O valor da vida. O significado da existência humana. O impacto da
morte. Enfim...
E hoje, 17 de abril de 2021, foi
um dia particularmente interessante, se olhado desse ponto de vista, porque
estivemos diante de dois fatos muito marcantes. Primeiro, o mundo atingiu a
marca de 3 milhões de mortos pela COVID-19. Segundo, porque foi realizado o
funeral do Príncipe Philip, marido da Rainha Elizabeth II, em Windsor, na
Inglaterra.
A morte sempre foi o lado
contrário da moeda da vida. Já nascemos sabendo que um dia ela chegará. Mas, de
repente, uma única razão, um vírus, até então, desconhecido, está dilapidando a
raça humana sem dó nem piedade. Não foi o caso do Príncipe, que já estava com a
saúde muito fragilizada pela própria idade; mas, de, pelo menos, 3 milhões de
outros anônimos e famosos, mundo afora.
Entretanto, ambas as situações
oportunizam pensar. Nem todo o luxo. Nem toda a riqueza. Nem todo o poder. Nem toda
a fama ou glória. Não representam absolutamente nada diante da morte. No máximo
um cortejo elegante, manifestações de condolências, coroas fúnebres, uma
liturgia religiosa especial. Mas, nada que possa efetivamente trazer aquele ser
humano de volta aos braços de seus entes e amigos queridos.
No caso da Pandemia, quando todo
o rito de despedida foi brutalmente transformado pelo distanciamento e as
medidas sanitárias impostas, a morte foi ainda mais cruel na impossibilidade da
plenitude do luto, independentemente da condição social das pessoas. A dor, a
perda, o sofrimento, tudo foi amordaçado pela realidade; contido de um modo que
a morte passou a se decompor em ondas de tristeza sem fim.
Talvez, por isso, muito do desconforto
que paira no ar, nesse momento, seja justamente pela tomada de consciência de
que a ideia do “amanhã” não é verdadeira. A vida não conta para ninguém o dia da sua
partida. Pode ser hoje, amanhã, daqui a um mês, ... E agora, temos visto, bem
de perto, o quanto isso é assustador.
Décadas e décadas dedicadas a
levar a vida no ritmo acelerado do mundo moderno e, depois, contemporâneo. Preocupados
em cumprir e bater metas de produtividade e consumo, para ostentar as
maravilhas de ser bem-sucedido, entre os pares. De modo que sobrou bem pouco
tempo para SER. Para amar. Para conviver. Para cuidar. Para tecer relações
humanas em quantidade e qualidade suficientes, o bastante, para não se
arrepender depois.
Muito engraçado, porque vivíamos como
se a vida fosse acabar no minuto seguinte; mas, acreditávamos que haveria
sempre o tal “amanhã”. Amanhã eu faço. Amanhã eu vou. Amanhã eu resolvo. E
assim por diante. Cotidiano, família, trabalho, amigos, ... tudo acabava
embrulhado no mesmo pacote que fazíamos questão de postergar. Até que, de
repente ...
A vida decidiu abrir mão dos
protocolos que vinha utilizando, há tempos, para emitir nota de alerta de que o
prazo de sobrevivência estaria por um fio. Uma doença sinistra, com muitas
variantes se disseminando, matando impiedosamente em questão de horas, poderia
abreviar a vida, a história, os sonhos, as esperanças, as expectativas de quem
se descuidasse por um minuto sequer.
O pior é que ela tem cumprido o
aviso; ainda, que alguns teimem em insistir e persistir confrontando-a,
indisciplinadamente, por aí, com aglomerações e negacionismo à Ciência. Sem contar
que a imunização, pelo fato de ser uma Pandemia, esbarrou no óbvio, a
quantidade de vacinas disponíveis. De modo que o processo se arrasta heterogêneo
pelo mundo, dadas as especificidades da gestão implementada por cada país.
Nada tem conseguido conter o
avanço da morte. Se apenas a COVID-19 já computou 3 milhões, imagina acrescer
os dados de milhares de outras causas? Estamos sim, flertando muito mais próximo
com a morte do que queremos supor; mas, sem conseguir enxergar o papel da vida
no sentido da contenção desse processo.
Porque quem está vivo tem um
papel fundamental na redução das causas que podem levar pessoas a óbito. Não só
o Sars-COV-2; mas, as violências. A miséria. A subnutrição. Os outros agentes biológicos.
A radiação. As poluições. ...
Assim, de uma forma bem clara e
objetiva, a morte tem mostrado para a humanidade que não há posição social
capaz de blindar ou neutralizar os seus efeitos sobre ninguém. Somos todos a “bola da vez”; todos vulneráveis. Não
importa quem somos, onde moramos, quanto temos na carteira, que aspirações
acalentam nossa alma, ... As mudanças no censo demográfico global, impostas
pelas atuais conjunturas, terão desdobramentos e consequências drásticas para a
coletividade, em todos os campos da vida durante o processo de reconstrução do
mundo no Pós-Pandemia. Afinal de contas, a verdade é que somos simplesmente
seres humanos.