sexta-feira, 16 de abril de 2021

Medo da violência ou a violência do medo?


Medo da violência ou a violência do medo?

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Mais um “lobo solitário” tira a vida de 8 pessoas, nos EUA, e depois se mata 1. Uma tristeza que propõe uma reflexão profunda e imediata sobre a violência e o significado da vida.

Já escrevi várias vezes que a violência não tem uma única forma e direção; são muitas. Particularmente, em relação aos norte-americanos, os movimentos impetrados por franco atiradores obedecem a características que os contextualizam a partir da conjuntura social.

O que quero dizer é que não se pode analisar as violências pelas violências. É fundamental ir a fundo na busca pela verdadeira motivação. No caso dos EUA, o fato de o porte de armas ser constitucionalmente autorizado não sustenta sozinho as razões que levam a ocorrência de episódios letais. Nem mesmo a quantidade de armas por cidadão justificaria robustamente essas ações.

Mas, certamente, as armas de fogo são um facilitador para a exacerbação da violência. O indivíduo de posse de uma delas simplesmente age, no sentido de resolver uma situação sem que necessite dizer uma só palavra, ou manifestar-se de outra forma.

Tudo é rápido e prático, na mente do atirador. O que chama atenção é que, em muitos casos, os atiradores têm cometido suicídio após a barbárie. Me parece difícil acreditar que seria, simplesmente, para não sofrer as punições da lei.

Na verdade, esse tipo de atitude tende a sinalizar que as raízes do desconforto, da angústia, da inaptidão social, são muito mais profundas do que se poderia imaginar. Expressar a violência através da arma de fogo não parece suficiente para aplacar definitivamente a questão. Esses indivíduos só enxergam uma maneira, então, de fazê-lo, ou seja, morrer.

Cada pessoa tem um limite existencial que baliza as suas convivências e coexistências no mundo. Mas, há tempos, a realidade contemporânea tem tornado essas relações mais difíceis de acontecer e de se manter. Sem se darem conta, os seres humanos tornaram-se peças na dinâmica da sociedade tecnológica urbanoindustrial, o que significa que passam mais tempo dedicadas a produzir e consumir do que a tecer as suas relações sociais.

O nível de exposição a que são submetidos no seu cotidiano é estarrecedor; sobretudo, porque esse é um mecanismo de controle social. Ao dissecarem gostos, informações pessoais, aquisições, conquistas, o mundo tecnológico alimenta as arenas de competitividade humana. Todos querem ser Todos querem ter ... Todos querem poder ... Todos querem pertencer ... E quando não conseguem satisfazer as suas metas de consumo se defrontam com uma frustração irremediável, que pode acabar desaguando nas violências.

Antes mesmo da Pandemia se instalar no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já se preocupava com o aumento exponencial do suicídio no planeta 2. Geralmente, a exacerbação dessas violências é direcionada para o próprio indivíduo, especialmente em sociedades mais rígidas e conservadoras. Onde o nível de cobrança social é demasiadamente intenso dados os parâmetros de referência em relação ao que se entende por sucesso, status etc.

Mas, agora, diante da Pandemia, as manifestações da violência estão visivelmente mais intensas. Não só pelas circunstâncias impostas pelo vírus, como o distanciamento social, as restrições de deslocamento, a preocupação mais acentuada com as medidas de higiene, a convivência mais íntima em família; mas, pela total imprevisibilidade em relação ao Pós-Pandemia.

O mundo literalmente parou. Todos os esforços e sentidos voltaram-se para a Pandemia. Portanto, a realidade econômica que ditava as regras e comportamentos da sociedade foi abruptamente impactada. Salários foram reduzidos. Cargas horárias de trabalho foram estabelecidas. O home office foi instituído para diversos setores. Milhares de pessoas foram demitidas, em razão de milhares de empresas obrigadas a encerrarem suas atividades.

O poder de compra caiu. A fome se instalou em diversos lares. A produção de vacinas e a imunização populacional, ainda, não atingiu o globo terrestre na expectativa necessária. A educação em suspenso ou em total desorganização para constituir um aprendizado qualitativo e quantitativamente eficiente. Enfim... Depois de um ano inteiro, a Pandemia persiste e resiste desafiando o planeta.

Então, imagina como está a cabeça de centenas de milhares de pessoas acostumadas a um ritmo existencial, o qual, de repente, deixou de existir. Se a morte é um potencializador do medo, a incerteza pode ser muito mais.

Pessoas com medo tendem a ser perigosas e violentas, porque é uma maneira que encontram para lidar com as suas insatisfações, as suas inabilidades diante da vida. Às vezes elas começam a ressignificar esse processo pelo outro e, quando percebem que não adiantou nada, elas se voltam para si mesmas. Daí a imensa preocupação que se deve ter.

Há uma tendência inegável de que se estabeleça uma epidemia de violências no mundo, dadas as conjunturas pandêmicas. Afinal, temos muito mais perguntas do que respostas respondidas em relação ao que será da sociedade ao final desse processo sem data para terminar.

O que significa que o medo está nos rondando, está à espreita, e fomentando uma tensão inconsciente capaz de explodir em qualquer lugar, a qualquer momento. Como bem alertou Zygmunt Bauman, “foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa intolerância, se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada”.

Nesse contexto, é claro que as armas de fogo produzirão um resultado muito mais dramático e previsível. Sendo assim, que não se dispense a devida atenção ao que acontece no hoje, ao invés de aguardar para ventilar pelo mundo os arrependimentos tardios e sua total ineficiência.