Medo
da violência ou a violência do medo?
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais um “lobo solitário” tira a vida de 8 pessoas, nos EUA, e depois se
mata 1. Uma tristeza que propõe uma reflexão
profunda e imediata sobre a violência e o significado da vida.
Já escrevi várias vezes que a
violência não tem uma única forma e direção; são muitas. Particularmente, em
relação aos norte-americanos, os movimentos impetrados por franco atiradores
obedecem a características que os contextualizam a partir da conjuntura social.
O que quero dizer é que não se
pode analisar as violências pelas violências. É fundamental ir a fundo na busca
pela verdadeira motivação. No caso dos EUA, o fato de o porte de armas ser
constitucionalmente autorizado não sustenta sozinho as razões que levam a
ocorrência de episódios letais. Nem mesmo a quantidade de armas por cidadão
justificaria robustamente essas ações.
Mas, certamente, as armas de fogo
são um facilitador para a exacerbação da violência. O indivíduo de posse de uma
delas simplesmente age, no sentido de resolver uma situação sem que necessite
dizer uma só palavra, ou manifestar-se de outra forma.
Tudo é rápido e prático, na mente
do atirador. O que chama atenção é que, em muitos casos, os atiradores têm
cometido suicídio após a barbárie. Me parece difícil acreditar que seria,
simplesmente, para não sofrer as punições da lei.
Na verdade, esse tipo de atitude
tende a sinalizar que as raízes do desconforto, da angústia, da inaptidão
social, são muito mais profundas do que se poderia imaginar. Expressar a
violência através da arma de fogo não parece suficiente para aplacar
definitivamente a questão. Esses indivíduos só enxergam uma maneira, então, de
fazê-lo, ou seja, morrer.
Cada pessoa tem um limite
existencial que baliza as suas convivências e coexistências no mundo. Mas, há
tempos, a realidade contemporânea tem tornado essas relações mais difíceis de
acontecer e de se manter. Sem se darem conta, os seres humanos tornaram-se
peças na dinâmica da sociedade tecnológica urbanoindustrial, o que significa
que passam mais tempo dedicadas a produzir e consumir do que a tecer as suas
relações sociais.
O nível de exposição a que são
submetidos no seu cotidiano é estarrecedor; sobretudo, porque esse é um
mecanismo de controle social. Ao dissecarem gostos, informações pessoais,
aquisições, conquistas, o mundo tecnológico alimenta as arenas de competitividade
humana. Todos querem ser … Todos
querem ter ... Todos querem poder ... Todos querem pertencer ... E quando não
conseguem satisfazer as suas metas de consumo se defrontam com uma frustração
irremediável, que pode acabar desaguando nas violências.
Antes mesmo da Pandemia se
instalar no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já se preocupava com o
aumento exponencial do suicídio no planeta 2.
Geralmente, a exacerbação dessas violências é direcionada para o próprio
indivíduo, especialmente em sociedades mais rígidas e conservadoras. Onde o
nível de cobrança social é demasiadamente intenso dados os parâmetros de
referência em relação ao que se entende por sucesso, status etc.
Mas, agora, diante da Pandemia,
as manifestações da violência estão visivelmente mais intensas. Não só pelas
circunstâncias impostas pelo vírus, como o distanciamento social, as restrições
de deslocamento, a preocupação mais acentuada com as medidas de higiene, a
convivência mais íntima em família; mas, pela total imprevisibilidade em
relação ao Pós-Pandemia.
O mundo literalmente parou. Todos
os esforços e sentidos voltaram-se para a Pandemia. Portanto, a realidade
econômica que ditava as regras e comportamentos da sociedade foi abruptamente
impactada. Salários foram reduzidos. Cargas horárias de trabalho foram
estabelecidas. O home office foi
instituído para diversos setores. Milhares de pessoas foram demitidas, em razão
de milhares de empresas obrigadas a encerrarem suas atividades.
O poder de compra caiu. A fome se
instalou em diversos lares. A produção de vacinas e a imunização populacional,
ainda, não atingiu o globo terrestre na expectativa necessária. A educação em
suspenso ou em total desorganização para constituir um aprendizado qualitativo
e quantitativamente eficiente. Enfim... Depois de um ano inteiro, a Pandemia
persiste e resiste desafiando o planeta.
Então, imagina como está a cabeça
de centenas de milhares de pessoas acostumadas a um ritmo existencial, o qual,
de repente, deixou de existir. Se a morte é um potencializador do medo, a
incerteza pode ser muito mais.
Pessoas com medo tendem a ser
perigosas e violentas, porque é uma maneira que encontram para lidar com as
suas insatisfações, as suas inabilidades diante da vida. Às vezes elas começam
a ressignificar esse processo pelo outro e, quando percebem que não adiantou
nada, elas se voltam para si mesmas. Daí a imensa preocupação que se deve ter.
Há uma tendência inegável de que
se estabeleça uma epidemia de violências no mundo, dadas as conjunturas
pandêmicas. Afinal, temos muito mais perguntas do que respostas respondidas em
relação ao que será da sociedade ao final desse processo sem data para
terminar.
O que significa que o medo está
nos rondando, está à espreita, e fomentando uma tensão inconsciente capaz de
explodir em qualquer lugar, a qualquer momento. Como bem alertou Zygmunt
Bauman, “foi provado, além de qualquer
dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte
inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa
intolerância, se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada”.
Nesse contexto, é claro que as armas de fogo produzirão um resultado muito mais dramático e previsível. Sendo assim, que não se dispense a devida atenção ao que acontece no hoje, ao invés de aguardar para ventilar pelo mundo os arrependimentos tardios e sua total ineficiência.