Reduzidos...
Encolhidos... Achatados...
Por
Alessandra Leles Rocha
A notícia de que a classe média
atingiu o mesmo patamar da classe baixa no país, em 2021 1,
até certo ponto, não surpreende. Um pouco de atenção e observação quanto ao
cotidiano dos cidadãos e as notícias referentes à Economia, para se construir
um balizamento a respeito dos rumos da sociedade brasileira, incluindo a sua própria
estratificação.
Culpa da Pandemia? Talvez, em
parte; mas, não apenas dela. O que acontece é que em uma circunstância tão
adversa, como é uma pandemia, a dinâmica da vida se altera para padrões não projetados,
muito distantes das perspectivas e expectativas que conduziam os processos de
gestão das demandas sociais.
Afinal de contas, um rearranjo
das prioridades acontece inevitavelmente e os esforços precisam se concentrar
nas garantias da sobrevivência humana. Desacelerando áreas importantes da
grande economia mundial, em contrapartida de outras que precisam ser aquecidas
e melhor implementadas. Mas, isso é uma discussão que cabe mais apropriadamente
aos especialistas do setor econômico, em face da sua imensa complexidade.
Então, decidi propor uma reflexão
mais humanista sobre esse “encolhimento” da classe média, porque sobre ele se
debruça a desigualdade social. O achatamento dos estratos sociais traz à tona a
realidade de uma conjuntura de perdas: de poder aquisitivo, de acessibilidade a
bens e serviços, e de manutenção de direitos fundamentais. Em suma, a síntese da
reescrita de sua dignidade cidadã.
O dia a dia dessas pessoas,
portanto, tende a ser muito mais desafiador. Elas precisam fazer o mesmo com
muito menos à sua disposição, então, se submetem a viver sob um regime rígido de
contenção de gastos. Elas sobrevivem no
limite do essencial. Elas não sabem o que é o supérfluo; o qual, muitas vezes,
nem poderia ser assim classificado. De modo que chega a um determinado ponto em
que elas não conseguem mais se manter e decrescem no estrato da sociedade por
total incapacidade de suprir as suas demandas, apesar de todos os esforços
empenhados nesse sentido.
É aí, que algo chama a atenção,
no caso brasileiro. É de conhecimento público que o país optou, na atual
gestão, por uma política econômica radicalmente liberal, o que pode ser
traduzida por um modo extremo de preterir as parcelas menos favorecidas da
população, em nome de beneficiar as mais privilegiadas.
Acontece que a Pandemia do
Sars-COV-2 surpreendeu ao mundo. Deu de ombros aos infundados prognósticos de fenômeno
passageiro e segue seu curso sem dizer quando vai embora. De modo que, sem
maiores surpresas, o estrito planejamento econômico brasileiro foi, então,
lentamente indo por água abaixo. Tanto pelas conjunturas globais quanto pela carência
de uma estrutura mais flexível e antenada ao curso do mundo contemporâneo. O que
em resumo representou uma armadilha para o próprio governo.
Ora, as conjunturas de perdas
sociais implicam necessariamente na impossibilidade de sobreviver no cenário
das conjunturas econômicas do próprio país, tornando as camadas mais vulneráveis,
cada vez mais dependentes das ações das políticas públicas.
Traduzindo em miúdos, não serão apenas
mais pessoas dependendo do Sistema Único de Saúde (SUS), porque não conseguem
mais arcar com um plano de saúde privado. Ou mais alunos para a rede pública de
ensino, porque não conseguem mais pagar as mensalidades na rede particular. Esse
“achatamento” social representa, portanto, uma redução exponencial de público
para diversos segmentos da indústria, comércio e prestação de serviços.
Uma reação em cadeia de
desemprego, de encerramento de atividades, de geração de receita, enfim... Porque,
quanto mais desprivilegiados estão os estratos sociais da base da pirâmide,
mais se estabelece uma impossibilidade de restauro do equilíbrio traçado para o
desenvolvimento do país. Compra quem pode. Possui quem pode. Enfim...
Mas, não para por aí. Sob um
outro viés, ainda que muitas pessoas insistam em desconsiderar, a saúde pública
é outro gargalo seríssimo, como já demonstra a Pandemia. A questão é que os
problemas tendem a ser piores, porque as variantes do Sars-COV-2 têm se
mostrado mais agressivas e deixado sequelas graves nos sobreviventes. Assim, serviços
como fisioterapia, hemodiálise, neurologia, psicologia, precisarão ser expandidos
em todo o país para conseguir dar vazão a esse novo contingente de demandas.
Como escreveu Milton Santos, “ Consumismo e competitividade levam ao
emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da
visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a
figura do consumidor e a figura do cidadão”. Se havia alguma dúvida quanto à
importância em se combater a desigualdade, creio que não mais. O empobrecimento
não é uma mera questão de descer no estrato social. Quanto mais as pessoas são
tratadas indignamente mais recursos serão demandados para alavancar o país.
Nem adianta tentar olhar o mundo
do século XXI, com olhos do século XIX ou XX. Enxergando objetos em lugar de
seres humanos. Explorando vidas, como quem moi o bagaço da cana em busca do
mel. Porque essa pseudorriqueza esvai no sopro do imprevisível que ninguém
comanda. Por isso, tenhamos sempre em mente que “... rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com
o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições,
não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando aberto
para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores
e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo,
e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr
nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o
que não é” (Raduan Nassar – Lavoura Arcaica).