COLONIALISMO
- Histórias e perspectivas
Por
Alessandra Leles Rocha
Há algumas décadas, pessoas ao
redor do mundo, especialmente aquelas cujos países de origem foram diretamente
impactados pelo Colonialismo, têm se dedicado a estudar, ressignificar e
reescrever a história, a partir da perspectiva do colonizado e não do
colonizador.
Não é sem razão, portanto, que
tem sido possível assistir a um embate cada vez mais acirrado em torno de
questões como o racismo, a aculturação, dizimação e abandono dos povos indígenas,
a intolerância religiosa, a utilização de métodos profundamente degradantes e
exploratórios na contramão das diretrizes do desenvolvimento socioambiental
sustentável.
Afinal, chegamos ao século XXI
marcados por todas essas feridas históricas, as quais, de tão profundas, não
foram devidamente curadas pelas gerações que sucederam ao Sistema Colonial. É claro, que estes são apenas alguns tópicos
dentre tantos outros, às vezes mais específicos para alguns lugares do que para
outros; mas, de suma importância ao que se espera para o futuro global.
Porque, colocando o devido reparo
na realidade, as mazelas contemporâneas não representam mais do que a
reverberação dos passados longínquos da civilização, quando a permissividade
humana ultrapassou as raias do bom senso, da dignidade e do próprio instinto de
sobrevivência. A verdade é que a sociedade do século XXI tornou-se vítima de
suas antecessoras, ainda que, não tenha se dado conta desse processo histórico.
Dizem que “quem conta um conto aumenta um ponto”; mas, quando o assunto é a história
da humanidade, mais do que pontos acrescidos, temos muitos pontos brutalmente
distorcidos. Abriram-se diversos precedentes para justificar fatos injustificáveis,
a fim de exaltar a importância e o poder de alguns poucos em detrimento da invisibilização
e subalternidade de milhares de outros. Quem detinha o acesso aos registros, as
informações, ao letramento eram, justamente, os poderosos; de modo que, a história
ficou enviesada.
Só após o fim do Colonialismo,
com a proclamação da independência das ex-colônias, é que as gerações de
colonizados puderam empenhar seus esforços para contar a sua versão da história
e trazer luz sobre discursos e narrativas sombrias que teimam em povoar o
inconsciente coletivo em vários lugares do planeta.
É um trabalho de luta e
dedicação, inclusive, na preservação do que restou da própria cultura ancestral,
no que diz respeito às crenças, as religiões, as festas, a organização social,
as línguas e as linguagens.
Sim, porque o Colonialismo dizimou
tribos indígenas e tribos africanas inteiras, no afã de utilizá-las como
mão-de-obra escrava nas colônias. Vendidos como mercadorias. Explorados como objetos.
Açoitados até a morte na sua resistência e insubordinação. O que explica porque
o fim do Colonialismo não apresentou nenhuma manifestação de desagravo público
a esses indivíduos.
Ao contrário, eles foram
novamente invisibilizados e não computados no contexto histórico, dentro da sua
importância e dignidade. Restando-lhes as migalhas e as esmolas que os governos
acharam por bem lhes oferecer. Relatados como gente de “segunda classe” nas páginas
dos livros e documentos.
A mudança de regime
governamental, portanto, não mudou a organização social do mundo. O fim do
Colonialismo não impactou a vida dos brancos. Eles continuaram a se perceber mandatários,
figuras de maior relevância, proprietários de espaços geográficos e lugares de
fala, ditando regras e costumes.
Razão pela qual, os velhos hábitos
colonialistas continuarem persistindo, só que repaginados nos tempos das tecnologias
e do mundo virtual, graças as classes A e B consumidas pelos valores da
política de direita. O que significa uma defesa ardorosa da hierarquia social,
das desigualdades, do conservadorismo e dos direitos naturais.
Porém, as chamadas minorias sociais,
incluindo aquelas que viveram diretamente o Colonialismo, fazem uma contraposição,
também, muito aguerrida, a esse comportamento. Fato que eleva as tensões na
sociedade contemporânea, pela busca do espaço, da inclusão, do lugar de fala, por
quem foi obrigado a passar, séculos, à margem da própria história. O importante
é que eles têm conseguido assegurar a legitimidade e a legalidade nesse
movimento ao mesmo tempo contestador e reivindicatório.
A relevância de todo esse
processo, então, é que ele fundamenta o surgimento de uma identidade muito mais
consistente para o país. As ex-colônias padeceram, durante um longo tempo, o
fantasma de uma “identidade caricata”
da sua ex-Metrópole, na medida em que negavam as suas origens verdadeiras. Haja
vista, o Brasil indígena que precedeu a chegada dos Portugueses, em 1500.
Segundo historiadores conseguiram
apurar, eram aproximadamente 3,5 milhões de indígenas, distribuídos entre 4
grupos linguísticoculturais principais, os Tupi, os Jê, os Aruaque e os
Caraíba. Depois, pelas próprias práticas colonialistas, nos tornamos uma
mistura de brancos, índios e negros; algo bem distante do padrão europeu
caucasiano que aportou aqui nas caravelas.
De modo que não há razões que
sustentem a hipocrisia colonialista, em pleno século XXI. Essa gente diferente,
para quem, muitos, torcem o nariz está em nós, na nossa essência, no nosso DNA,
de um jeito ou de outro. Ninguém aqui pode se considerar “leite pasteurizado”, raça pura, “made in” algum país de primeiro mundo qualquer. Somos, portanto, o
resultado dessa reunião antropológica, sociológica e filosófica de raças. Somos
plurais diversas vezes em nós mesmos.
Assim, o que todas essas
considerações e reflexões trazidas pelas correntes pós-colonialistas querem nos
dizer é: “não acredite em algo simplesmente
porque ouviu. Não acredite em algo porque todos falam a respeito. Não acredite
em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos. Não acredite
em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite
em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de
muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que
conduz ao bem e benefício de todos, aceite-o e viva-o” (Buda – Sidarta Gautama).
Porque, queira você admitir ou não, a história tem sempre mais de uma
perspectiva.