Cada
um por si...
Por
Alessandra Leles Rocha
Confesso que é de revirar o estômago,
de qualquer um, a desfaçatez com a qual alguns (muitos) membros da classe
política nacional demonstram o seu descaso e desrespeito com a população. Talvez,
não tarde o dia em que saiam estampando por aí um sonoro “Cada um por si e Deus por todos”, em uma reafirmação explícita da
maneira acintosa como compreendem a sua participação no cenário do poder.
Sei que não é de hoje, que a
política nacional cria lobos em peles de cordeiro capazes de desenvolver uma
habilidade incontestável em equilibrarem-se em cima dos muros. Nem sim, nem
não, muito pelo contrário. Assim, vão eles empurrando com a barriga os seus
mandatos recheados de regalias, privilégios e ostentações mil, enquanto se
esquecem temporariamente os caminhos e as gentes que os fizeram chegar até lá.
O país, enquanto
microrrepresentação do mundo, padece o pior momento sanitário da sua história. Mais
de 350 mil mortos por um vírus, o Sars-COV-2, e suas variantes, potencialmente
contagiosas e letais. Mas, se fosse
possível mensurar o nível de preocupação da nossa classe política entre as
ações de prevenção e combate à Pandemia e os seus instintos naturais de sobrevivência
no cargo para o qual se elegeram, ficaríamos deveras estupefatos com o
resultado.
O que retira o sono, a paz e a
tranquilidade dos nobres representantes do povo brasileiro são seus interesses
políticos. Depois de eleitos, tudo muda.
Palavras se perdem no tempo, no vento, no espaço. De modo que as promessas podem
ser guardadas para serem requentadas em outro pleito. Ora, reside na alma
política nacional uma convicção, reafirmada secularmente, de que a memória do
eleitor é fraca e diante de tantas mazelas cronificadas, ele acaba se rendendo
a esperança de acreditar que “dessa vez
vai ser diferente”.
Vejam que os dias se arrastam em
cortejos fúnebres, que o caos nos hospitais atenta contra quaisquer limites
toleráveis pela dignidade humana, que a vacinação soluça os seus avanços e
retrocessos por falta de insumos, que a economia exibe o seu desempenho pífio em
contraste com a tendência global, e o que efetivamente fez a classe política
brasileira a respeito? Não conheço gente que gosta tanto de falar, de discursar,
de se reunir; mas, tão pouco, de colocar a mão na massa e agir.
Essa não é uma situação qualquer.
Ela não se parece em nada com o que o mundo e o país estavam acostumados a
conviver. São tempos de ação real e imediata. De respostas práticas que caibam
dentro das demandas que urgem. Mas só vemos conversas que não chegam a nenhum
denominador comum. Pessoas “pisando em
ovos” para não perturbar, não desagradar, não se indispor com uns e outros.
Que desviam de foco, de propósito, pelo simples prazer de postergar e fazer
prosperar a inação. Que tentam inutilmente acobertar as irresponsabilidades, as
negligências, as incompetências.
Que triste! É assim que Vossas
Senhorias escrevem seus nomes na história! Sobre o desalento, o infortúnio, o morticínio
de seus ingênuos e crédulos eleitores. Ao defenderem pautas particulares e
partidárias em detrimento daquelas que clamam o país, vocês descumprem seu
compromisso constitucional e constrangem os cidadãos locais, perante o resto do
mundo. Talvez, nem todos porque há pessoas que compartilham desse mesmo
sentimento de desprezo nacional. Por sorte uma minoria.
No entanto, não posso deixar de
reiterar que essa é uma conjuntura totalmente atípica. Por isso é importante
que a classe política compreenda que ao estar presa inconscientemente a um modus operandi arcaico, ela se abstém de
perceber o tamanho da imprevisibilidade que pode alcançá-la; suas atitudes
podem não ter os resultados, os quais ela se acostumou a obter.
Aliás, tomando por simples exemplo,
a quantidade de parlamentares que vieram a óbito por conta da Pandemia, já
seria o suficiente para iniciar uma reflexão desconstrutiva sobre o lugar de
poder que pensam ocupar. A política, por si só, foi incapaz de fornecer-lhes quaisquer
blindagens contra o vírus. Permaneceram mortais, falíveis, como quaisquer cidadãos
comuns.
De algum modo, isso já é uma
sinalização, a todos, de que o mundo no Pós-Pandemia tenderá a caminhar rumo a
construção de uma nova ordem para suas relações sociais, políticas, econômicas,
ambientais, humanitárias. O que significa que as mesquinharias e as politicagens
estão com os dias contados, para ceder lugar a uma relação franca, objetiva, plural,
capaz de atender verdadeiramente as demandas das populações atuais e futuras. Afinal,
como manifestou José Saramago, “Não são
os políticos os que governam o mundo. Os lugares de poder, além de serem
supranacionais, multinacionais, são invisíveis”. Nunca somos nada; apenas,
estamos.