quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Da teoria à prática


Da teoria à prática

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quando um dos filhos do ex-Presidente da República se permitiu falar publicamente, em 2018, ano que elegeu o seu pai, que para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) bastaria um Cabo e um Soldado, o recurso golpista já era uma intenção; mas, apenas como uma carta na manga diante de alguma eventualidade.

Afinal, até aquele momento, a engenharia das tramas tecidas nos bastidores da República nacional pareciam suficientes para sustentar as pretensões de poder da Direita brasileira e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

A primeira Presidente eleita no país havia sido afastada. A operação Lava Jato fazia luzir os olhos desavisados dos defensores ardorosos do combate à corrupção. Alguns membros da justiça brasileira figuravam como verdadeiros paladinos desse processo. Havia se conseguido prender o principal oponente nas eleições, ainda que sem provas. Enfim...

Tudo parecia estável e favorável, quando, de repente, o castelo de cartas começou a ruir. As entrelinhas dessa construção nefasta, para se chegar ao topo do poder nacional, tornaram-se visíveis à população. Consumidos pelo excesso de certezas e vaidades, as verdades indigestas da República vieram à tona e macularam as “boas intenções” direitistas, fazendo com que houvesse um abalo na solidez da opinião pública. Portanto, era fundamental conter os estragos.

Foi, então, que a rispidez tomou conta da relação entre o governo e qualquer um que representasse algum tipo de entrave ou obstáculo às suas pretensões. Caso o nível das pressões e das tensões sobre o governo alcançasse um patamar insustentável, para garantir a viabilidade de permanência do projeto eleito, as linhas gerais do recurso golpista já eram uma realidade. O que significa que da teoria para a prática seria, em tese, um piscar de olhos.

Haja vista que, após o processo de redemocratização brasileiro, esse foi o governo mais militarizado que se teve notícia. Conhecendo os caminhos que culminaram na eleição de 2018, esse tipo de intimidação era um recurso valioso. Relembrar velhas e dolorosas memórias da historicidade nacional, seria algo útil, na percepção deles.

Embora, um aspecto parecesse estranho nessa construção, ou seja, a aliança de um ex-militar e as forças de segurança do país. Com um currículo considerado desonroso pelos militares, o que se pode pensar a respeito, é que ele foi uma ponte útil para o regresso delas ao poder.  

Apesar da anistia, ampla, geral e irrestrita, concedida em 1979, havia entre muitos militares um sentimento de insatisfação a respeito. Havia quem temesse algum tipo de retaliação, depois dos longos anos de opressão e violência instituídos no país.

De modo que era perceptível o viés ideológico antidemocrático, manifestado por certos indivíduos, e sua reverberação pelas décadas seguintes. Razão pela qual, uma oportunidade de retornar ao poder não poderia ser desperdiçada a fim de garantir-lhes alguma paz e segurança, ou seja, fosse definitivamente esquecido aquele recorte incômodo da história.

Portanto, as descobertas decorrentes dos processos de investigação da Polícia Federal (PF), gerados a partir de sucessivos episódios de ações antidemocráticas, traçam uma linha temporal que mostra a evolução da consolidação dessa intenção golpista. Inclusive, destacando-se momentos de extrema beligerância, meticulosamente, planejados.

Aliás, nenhum dos envolvidos se preocupou em não deixar rastros das suas intenções. No entanto, boa parte da população preferiu desacreditar os discursos, as atitudes e os comportamentos, lançando-os ao rol da fanfarronice. Fizeram pouco de uma questão gravíssima!

Agora, muitos desses estão perplexos, estupefatos, diante do tênue limite que o país esteve de um novo golpe de Estado. O grau de engenhosidade da trama golpista é surpreendente. Nada aconteceu ao acaso. Tudo foi devidamente pensado.

No entanto, como em outros momentos da história, a ausência de unanimidade, de profunda coesão, entre os militares, impediu a execução. O país ficou, então, submetido às ameaças, às depredações do patrimônio público, à selvageria de uma massa de manobra popular, enfim ... a todo tipo de comportamentos antidemocráticos e anticidadãos, sem, no entanto, efetivar o plano golpista em si.

O que seria do Brasil se esse plano tivesse obtido o sucesso almejado? Melhor nem pensar. Certamente, estaríamos mergulhados na escuridão da privação dos direitos humanos, retrocedidos no tempo e no espaço, tendo como base o que já se sabe das investigações da PF.

Que o cidadão brasileiro preste mais atenção e não se deixe levar pelo seu imediatismo de conveniência, sua credulidade oportunista, sua superficialidade analítica, sua displicência alienante. Como escreveu Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.