Da teoria
à prática
Por Alessandra
Leles Rocha
Quando um dos filhos do
ex-Presidente da República se permitiu falar publicamente, em 2018, ano que
elegeu o seu pai, que para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) bastaria um
Cabo e um Soldado, o recurso golpista já era uma intenção; mas, apenas como uma
carta na manga diante de alguma eventualidade.
Afinal, até aquele momento, a
engenharia das tramas tecidas nos bastidores da República nacional pareciam
suficientes para sustentar as pretensões de poder da Direita brasileira e seus matizes;
sobretudo, os mais radicais e extremistas.
A primeira Presidente eleita no
país havia sido afastada. A operação Lava Jato fazia luzir os olhos desavisados
dos defensores ardorosos do combate à corrupção. Alguns membros da justiça
brasileira figuravam como verdadeiros paladinos desse processo. Havia se
conseguido prender o principal oponente nas eleições, ainda que sem provas. Enfim...
Tudo parecia estável e favorável,
quando, de repente, o castelo de cartas começou a ruir. As entrelinhas dessa
construção nefasta, para se chegar ao topo do poder nacional, tornaram-se visíveis
à população. Consumidos pelo excesso de certezas e vaidades, as verdades
indigestas da República vieram à tona e macularam as “boas intenções”
direitistas, fazendo com que houvesse um abalo na solidez da opinião pública. Portanto,
era fundamental conter os estragos.
Foi, então, que a rispidez tomou
conta da relação entre o governo e qualquer um que representasse algum tipo de
entrave ou obstáculo às suas pretensões. Caso o nível das pressões e das
tensões sobre o governo alcançasse um patamar insustentável, para garantir a
viabilidade de permanência do projeto eleito, as linhas gerais do recurso
golpista já eram uma realidade. O que significa que da teoria para a prática
seria, em tese, um piscar de olhos.
Haja vista que, após o processo
de redemocratização brasileiro, esse foi o governo mais militarizado que se
teve notícia. Conhecendo os caminhos que culminaram na eleição de 2018, esse
tipo de intimidação era um recurso valioso. Relembrar velhas e dolorosas
memórias da historicidade nacional, seria algo útil, na percepção deles.
Embora, um aspecto parecesse
estranho nessa construção, ou seja, a aliança de um ex-militar e as forças de
segurança do país. Com um currículo considerado desonroso pelos militares, o
que se pode pensar a respeito, é que ele foi uma ponte útil para o regresso delas
ao poder.
Apesar da anistia, ampla, geral e
irrestrita, concedida em 1979, havia entre muitos militares um sentimento de
insatisfação a respeito. Havia quem temesse algum tipo de retaliação, depois
dos longos anos de opressão e violência instituídos no país.
De modo que era perceptível o viés
ideológico antidemocrático, manifestado por certos indivíduos, e sua reverberação
pelas décadas seguintes. Razão pela qual, uma oportunidade de retornar ao poder
não poderia ser desperdiçada a fim de garantir-lhes alguma paz e segurança, ou
seja, fosse definitivamente esquecido aquele recorte incômodo da história.
Portanto, as descobertas
decorrentes dos processos de investigação da Polícia Federal (PF), gerados a
partir de sucessivos episódios de ações antidemocráticas, traçam uma linha
temporal que mostra a evolução da consolidação dessa intenção golpista.
Inclusive, destacando-se momentos de extrema beligerância, meticulosamente, planejados.
Aliás, nenhum dos envolvidos se
preocupou em não deixar rastros das suas intenções. No entanto, boa parte da
população preferiu desacreditar os discursos, as atitudes e os comportamentos, lançando-os
ao rol da fanfarronice. Fizeram pouco de uma questão gravíssima!
Agora, muitos desses estão
perplexos, estupefatos, diante do tênue limite que o país esteve de um novo
golpe de Estado. O grau de engenhosidade da trama golpista é surpreendente. Nada
aconteceu ao acaso. Tudo foi devidamente pensado.
No entanto, como em outros
momentos da história, a ausência de unanimidade, de profunda coesão, entre os
militares, impediu a execução. O país ficou, então, submetido às ameaças, às
depredações do patrimônio público, à selvageria de uma massa de manobra
popular, enfim ... a todo tipo de comportamentos antidemocráticos e
anticidadãos, sem, no entanto, efetivar o plano golpista em si.
O que seria do Brasil se esse
plano tivesse obtido o sucesso almejado? Melhor nem pensar. Certamente, estaríamos
mergulhados na escuridão da privação dos direitos humanos, retrocedidos no
tempo e no espaço, tendo como base o que já se sabe das investigações da PF.
Que o cidadão brasileiro preste mais atenção e não se deixe levar pelo seu imediatismo de conveniência, sua credulidade oportunista, sua superficialidade analítica, sua displicência alienante. Como escreveu Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.