O tsunâmi
da desfaçatez
Por
Alessandra Leles Rocha
Em plena crise ética e moral,
pela qual transita o país, a desfaçatez de alguns dos nobres legisladores da
República deveria segurar a sua onda. Aproveitando o frenesi do momento, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, aprovou sem
maiores alardes a proposta que restringe o aborto legal no país.
O que significa uma ausência de
total respeito pela vida e a dignidade humana, considerando que essa aprovação
afronta o Código Penal brasileiro, o qual permite a interrupção da gestação em
três casos: quando há risco para a vida da gestante; quando a gestação é fruto
de estupro; e, nos casos de anencefalia do feto.
Isso significa que elementos do
parlamento brasileiro estão voluntariamente exercendo o desserviço de não
proteger a dignidade humana e, nem tampouco, a vida. A previsão do Código Penal
para o assunto, e sustentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), busca evitar
que vidas humanas de milhares de meninas, adolescentes e mulheres, país afora,
sejam submetidas à situação de risco extremo ou de reverberação da violência
social.
Enquanto esses parlamentares
estão absortos pelas limitações de seu conservadorismo hipócrita e descabido,
se esquecem de atentar para outras situações, as quais não só contrariam o
estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n.º 8.069, de
13/07/1990), como apontam para a deterioração dos valores e princípios educacionais
e éticos, no país. Haja vista a seguinte matéria publicada: “Menores
desdenham da educação e dizem ganhar mais do que médico vendendo curso para ser
influencer” 1 .
É preciso entender que não há
proteção à vida sem que haja a superação das desigualdades sociais, no país.
Expor qualquer ser humano à privação cotidiana dos seus direitos sociais
básicos – educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e
assistência aos desamparados (art. 6º, CF de 1988), deveria ser o objeto
principal de luta e defesa do parlamento brasileiro.
Porque são as desigualdades que
estabelecem as distorções sociais, como as retratadas na referida matéria
jornalística. Lamentavelmente, o país que aceita, em pleno século XXI, a
existência de recorrentes episódios de trabalho análogo à escravidão, está,
também, permitindo a existência da monetização e da mercantilização infantil,
através do trabalho no ambiente virtual.
Tentando dissociar o ordenamento
jurídico nacional do mundo real do virtual, no sentido de estabelecer uma nova
interpretação, idealizada e oportuna aos seus interesses, pais, responsáveis e
as mídias sociais infringem às leis sem quaisquer constrangimentos e
responsabilizações. Sequer fazem questão de ocultar as suas atitudes e
comportamentos. É simplesmente estarrecedor!
O que se pode, então, esperar das
futuras gerações diante desse espetáculo dantesco? Relembrando a Declaração dos
Direitos da Criança (1959), em seu 9º princípio, “A criança gozará de proteção
contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. [...] Não será
permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma
forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou
emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu
desenvolvimento físico, mental ou moral”. Contudo, crianças e
adolescentes brasileiros estão assumindo, precocemente, responsabilidades que
deveriam estar a cargo de seus pais ou responsáveis, sem que haja qualquer
preocupação ou interesse das autoridades nacionais.
É por essas e por outras que Jesus
Cristo falou: “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! Vocês são como
sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de
todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas
por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mateus 23: 27-28). Façamos,
portanto, uma reflexão urgente a respeito!