quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O tsunâmi da desfaçatez

O tsunâmi da desfaçatez

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em plena crise ética e moral, pela qual transita o país, a desfaçatez de alguns dos nobres legisladores da República deveria segurar a sua onda. Aproveitando o frenesi do momento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, aprovou sem maiores alardes a proposta que restringe o aborto legal no país.

O que significa uma ausência de total respeito pela vida e a dignidade humana, considerando que essa aprovação afronta o Código Penal brasileiro, o qual permite a interrupção da gestação em três casos: quando há risco para a vida da gestante; quando a gestação é fruto de estupro; e, nos casos de anencefalia do feto.

Isso significa que elementos do parlamento brasileiro estão voluntariamente exercendo o desserviço de não proteger a dignidade humana e, nem tampouco, a vida. A previsão do Código Penal para o assunto, e sustentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), busca evitar que vidas humanas de milhares de meninas, adolescentes e mulheres, país afora, sejam submetidas à situação de risco extremo ou de reverberação da violência social.

Enquanto esses parlamentares estão absortos pelas limitações de seu conservadorismo hipócrita e descabido, se esquecem de atentar para outras situações, as quais não só contrariam o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n.º 8.069, de 13/07/1990), como apontam para a deterioração dos valores e princípios educacionais e éticos, no país. Haja vista a seguinte matéria publicada: “Menores desdenham da educação e dizem ganhar mais do que médico vendendo curso para ser influencer” 1 .

É preciso entender que não há proteção à vida sem que haja a superação das desigualdades sociais, no país. Expor qualquer ser humano à privação cotidiana dos seus direitos sociais básicos – educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados (art. 6º, CF de 1988), deveria ser o objeto principal de luta e defesa do parlamento brasileiro.

Porque são as desigualdades que estabelecem as distorções sociais, como as retratadas na referida matéria jornalística. Lamentavelmente, o país que aceita, em pleno século XXI, a existência de recorrentes episódios de trabalho análogo à escravidão, está, também, permitindo a existência da monetização e da mercantilização infantil, através do trabalho no ambiente virtual. 

Tentando dissociar o ordenamento jurídico nacional do mundo real do virtual, no sentido de estabelecer uma nova interpretação, idealizada e oportuna aos seus interesses, pais, responsáveis e as mídias sociais infringem às leis sem quaisquer constrangimentos e responsabilizações. Sequer fazem questão de ocultar as suas atitudes e comportamentos. É simplesmente estarrecedor!

O que se pode, então, esperar das futuras gerações diante desse espetáculo dantesco? Relembrando a Declaração dos Direitos da Criança (1959), em seu 9º princípio, “A criança gozará de proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. [...] Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral”. Contudo, crianças e adolescentes brasileiros estão assumindo, precocemente, responsabilidades que deveriam estar a cargo de seus pais ou responsáveis, sem que haja qualquer preocupação ou interesse das autoridades nacionais.

É por essas e por outras que Jesus Cristo falou: “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mateus 23: 27-28). Façamos, portanto, uma reflexão urgente a respeito!