As aparências
enganam...
Por Alessandra
Leles Rocha
A atipicidade antidemocrática que
afetou o Brasil nos últimos anos comprometeu a percepção real dos
acontecimentos. A crença de que o país havia se pacificado e restaurado a
Democracia depois dos longos Anos de Chumbo, entre 1964 e 1985, parecia
verdadeira.
Afinal, a brutalidade daqueles 21
anos foi tamanha que conseguiu agregar sob a bandeira da defesa democrática,
uma Frente Ampla formada por políticos, artistas, intelectuais e gente do povo.
Tomados pela exaustão sofrida, o senso comum os uniu.
Acontece que os Anos de Chumbo,
na verdade, não expressavam necessariamente os interesses representativos daquele
recorte temporal; mas, de uma herança bem mais antiga, iniciada nos tempos
coloniais.
O que se entende como as elites nacionais
refere-se à descendência direta de uma monarquia e de uma burguesia que firmou
moradia, por aqui, instaurando um modelo social voltado à manutenção de suas
regalias e privilégios.
Portanto, esse período histórico
teve como pano de fundo a defesa dos interesses dos descendentes dessas elites,
com base no suporte das forças militares. Quaisquer ameaças a essa estabilidade
histórica deveria ser repelida a qualquer preço.
De modo que o encerramento de tal
período não foi bem recebido por muitos. O gosto amargo do fim acirrou os ânimos,
no sentido de recrudescer a vigilância quanto às eventuais tentativas de
afirmação das correntes progressistas, no país.
E esse tipo de sentimento
arraigado não desaparece com o passar do tempo. Então, esse é o ponto de
partida para a reflexão. Afinal, desde 1985, queiram admitir ou não, a
democracia brasileira se equilibra diante das afrontas e investidas da Direita
e de seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Nesse contexto, entre 2019 e
2022, pode-se dizer que o país viveu o ápice da antidemocracia. A tal ponto que
a sucessão presidencial se viu seriamente ameaçada, exigindo, então, da
oposição progressista, uma base de apoio mais abrangente, como se viu no
Movimento das Diretas Já.
Apesar de uma ideia interessante,
o cenário conjuntural brasileiro era completamente diferente. Membros,
apoiadores e simpatizantes da Direita e de seus matizes; sobretudo, os mais
radicais e extremistas, ruminavam saudosistas e inconformados, há 37 anos, pelo
fim dos Anos de Chumbo.
E na tentativa de conter o
sucesso eleitoral da oposição progressista, em 2022, alguns deles decidiram se
unir ao projeto de uma Frente Ampla. Era, simplesmente, uma maneira de não se
distanciarem do poder e de não permitirem uma reafirmação do ideário
progressista.
Algo que ficou claramente
evidenciado, já na formação do governo eleito. De certa forma, essa Frente
Ampla tornou-se uma ponte com o Legislativo federal, o qual, em sua maioria, consiste
em membros da Direita e de seus matizes. O que naturalmente dificulta a
implantação das propostas do governo eleito.
A crença de que o país havia se
pacificado e restaurado a Democracia ruiu. De fato, em política não há amigos.
Há, no máximo, aliados eventuais. E nesse rol está o atual Ministro da Defesa 1, que desde sua escolha, não deixa
dúvidas quanto à sua parcialidade simpatizante aos interesses da Direita e de
seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Em discurso 2
recente, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), ele cruza a ética hierárquica
do governo e tece flagrantes contestações às decisões do Presidente da
República, alicerçadas por posicionamentos diplomáticos em relação a Israel.
O referido Ministro é exatamente
um elemento, dentro da ideia da Frente Ampla de 2022, na medida em que ele é a
ponte para que as forças militares, envolvidas nas manifestações
antidemocráticas, que culminaram no 8 de janeiro de 2023, não se distanciem do
poder e não sejam punidas ou responsabilizadas por sua participação em tais
eventos.
Seu papel não é de pacificador de
coisa alguma. Ele foi recebido sem reclamações pelas forças militares, porque
ele está no papel de atender aos interesses da Direita e de seus matizes. E
isso é muito grave, considerando que a realidade brasileira é, ainda, um monte
de brasas encobertas por cinza.
Lamento, mas as palavras
discursadas não traduzem plenamente a dimensão do papel que o Ministro tem
desempenhado nos bastidores do governo. Elas me parecem apenas a ponta de um
imenso iceberg, que pode causar sérios estragos ao país, a qualquer momento. Como
dizia Nicolau Maquiavel, “Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem
o que você realmente é” (O Príncipe, 1532).