A construção
do poder dos pseudotiranos
Por Alessandra
Leles Rocha
Rui Barbosa, na atemporalidade de
suas palavras, escreveu: “O povo não tem representante porque as maiorias
partidárias, reunidas nas duas casas do Congresso, distribuem a seu bel-prazer
as cadeiras de uma e de outra casa, conforme os interesses das facções a que
pertencem. O povo sabe que não tem justiça; o povo tem certeza de que não pode
contar com os tribunais; o povo vê que todas as leis lhe falham como abrigo no
momento em que delas precise, porque os governos seduzem os magistrados, os governos
os corrompem, e, quando não podem dominar e seduzir, os desrespeitam, zombam
das suas sentenças, e as mandam declarar inaplicáveis, constituindo-se desta
arte no juiz supremo, no tribunal da última instância, na última corte de
revisão das decisões da justiça brasileira” 1.
Veja, caro (a) leitor (a), se não
é essa a melhor definição para o confronto que se estabeleceu entre o
Legislativo Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um grupo de
pseudotiranos, legisladores da República, tentam construir um poder absoluto,
no país, desconstruindo quaisquer possibilidades para o contraditório, a divergência,
a discordância, o antagonismo. Quem não se lembra da personagem Rainha de Copas,
no filme Alice no País das Maravilhas (2010), dirigido por Tim Burton? Nada mais
nada menos do que a personificação do autoritarismo opressor.
Exatamente o que pretendem
manifestar certos legisladores, no Congresso Nacional. Tomados pelo ideário ultradireitista,
com suas expressões ultraconservadoras, tirânicas, ufanistas, anticomunistas e
nativistas, eles almejam consolidar seus poderes atuando contra quaisquer
forças opositoras, inclusive, se necessário, alterando a legislação vigente,
segundo os seus interesses e propósitos.
Por isso, seus alvos
preferenciais são as instituições e a mídia, na medida em que podem exercer, a
partir do seu papel social, uma resistência importante contra as suas
arbitrariedades, a sua rejeição às regras do jogo democrático. A ultradireita
tem como um de seus pilares principais a constante contestação do sistema, porque
seu objetivo maior é implantar uma realidade idealizada, segundo suas crenças,
valores e princípios.
Mas, apesar de todo o burburinho
que vem causando essa queda de braços entre o Legislativo Federal e o Supremo
Tribunal Federal (STF), a capacidade de tornar a deliberação parlamentar uma
realidade factual não se sustenta, pelo fato de ferir a constitucionalidade e a
independência dos Poderes. No entanto, o midiatismo que envolve a situação
representa, para os parlamentares, algum benefício em termos de popularidade e
visibilidade.
Na era dos recortes, eles fazem
da sua participação parlamentar um instrumento de mobilização dos seus
seguidores, nas mídias sociais, reverberando o assunto e contribuindo para
eventuais distorções e manipulação discursiva. De modo que eles contribuem para
uma formação de opinião desvirtuada da realidade, acentuando o radicalismo e o
extremismo das posições político-partidárias polarizadas. O que demonstra um visível
descompromisso com a ordem e a civilidade; sobretudo, em relação ao Estado
Democrático de Direito.
Pablo Neruda já dizia, “Você é
livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Pena,
que muitos se esquecem disso! Daí a necessidade de uma análise mais crítica e
reflexiva da população brasileira em relação às suas escolhas representativas. Votar
é coisa muito séria. O voto é a legitimação dessas pessoas e, por consequência,
de suas intenções e pretensões. É uma carta branca outorgada pelo eleitor.
Assim, prestemos atenção às seguintes
palavras de Bertolt Brecht, “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não
aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade
desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar”.