quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Os eventos socioambientais extremos fora da pauta eleitoral

Os eventos socioambientais extremos fora da pauta eleitoral

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não foi surpresa; mas, foi decepcionante que as campanhas eleitorais municipais, esse ano, não tenham dado nenhuma atenção à realidade dos eventos socioambientais extremos. Afinal, já alcançamos um patamar em que se torna impossível permanecer dissociando esse assunto das demais questões cotidianas. 

Tudo é atravessado pelo meio ambiente, na medida em que nos apropriamos dele, enquanto civilização, para construir a dinâmica da nossa existência planetária. Fazemos o uso e a ocupação dos espaços geográficos. Produzimos cidades. Estabelecemos planos de gestão urbanística. Desapropriamos terras e imóveis. Garantimos a existência de grandes latifúndios. Enfim...

No entanto, a historicidade desse processo não veio acompanhada da preservação e conservação ambiental. Ao contrário, como topo de cadeia, o ser humano se arvorou do direito de escolher e decidir, sem levar em consideração o meio ambiente, no que diz respeito aos recursos naturais e ao equilíbrio dos ecossistemas. E deu no que deu, essa era antropocêntrica!

Queiramos ou não admitir, o grau de tensionamento imposto pelas ações antrópicas sobre o meio ambiente vem desencadeando uma crise de fenômenos extremos, numa escalada vertiginosamente ameaçadora à sobrevivência humana. Bem, sem o ser humano não há cidades, comércios, indústrias, escolas, espaços de cultura e lazer, empregos, ...

O que significa que as discussões socioambientais deveriam ser imprescindíveis para os gestores públicos. Sobretudo, os gestores municipais que são a ponta de lança das ações imediatas; pois, estão mais próximos das ocorrências e da população. Mas, isso não aconteceu, pelo menos, não da maneira que deveria!

Plantar árvores, investir no tratamento de água e esgoto, fazer coleta seletiva, instituir a educação ambiental nas escolas, promover a gestão de resíduos sólidos e efluentes, ... são medidas básicas e obrigatórias de qualquer gestão pública contemporânea.

A frustração advém do fato da não existência de projetos e planejamentos socioambientais capazes de auxiliar na prevenção e na mitigação dos eventos extremos que vêm ocorrendo. Começando pelo diagnóstico ambiental, o qual consiste em identificar todos os impactos possíveis e prováveis de ocorrência nas cidades.

Feito isso, estabelecer os objetivos e metas, ou seja, determinar de maneira realista e alcançável as ações a serem empreendidas. Em seguida, priorizar as medidas preventivas, as quais contemplam práticas de cautela em relação aos impactos socioambientais. Só assim, é possível desenvolver o plano de ações proposto, considerando os custos, o prazo de execução das metas e a responsabilidade técnica para cada atribuição.

Por fim, se chega à implementação e ao monitoramento, a fim de avaliar por meio de indicadores e análises estatísticas, o progresso do planejamento em si. O que significa, então, identificar eventuais problemas ou desafios, propondo ajustes e melhorias que possibilitem uma reformulação e/ou atualização do plano. Distante desse cenário não existe, portanto, uma discussão efetiva sobre eventos socioambientais extremos.

Acontece que negar, invisibilizar ou omitir a realidade, não muda o que está acontecendo. Embora, seja difícil precisar, tudo pode acontecer no contexto da realidade contemporânea. Tornados. Enchentes. Incêndios. Seca. Inundações. Deslizamentos de terra. Escassez hídrica. Assoreamento dos cursos d’água. Amplitudes térmicas extremas. Calor demasiado. ...

Daí a necessidade de planejamentos estratégicos estabelecidos pela consciência de que a governança, a partir de agora, tem que se ajustar preventivamente às crises que possam se instalar e não, ao contrário.  Sobretudo, do ponto de vista orçamentário.

É preciso reconhecer que o tempo tem nos dado, cada vez menos, oportunidade de persistir errando quanto as escolhas das nossas prioridades. A sobrevivência humana é um bom exemplo! Garantir que possamos estar vivos dignamente, amanhã, deveria estar no topo da lista. Só que não. Nossos gestores estão preocupados com juros, inflação, redução de gastos e investimentos, conchavos, disputas de poder, ... De modo que o essencial se perde nesse redemoinho.

Enquanto isso, o mundo vai girando, rodopiando, deslizando silenciosamente na imensidão azul, tentando se moldar aos eventos socioambientais extremos, que nos colocam em uma iminente corda bamba sem redes proteção, sem um pacto fechado com o futuro.

Assim, reflita sobre as palavras de Paulo Coelho, “O guerreiro da luz aprendeu que Deus usa a solidão para ensinar a convivência. Usa a raiva para mostrar o infinito valor da paz. Usa o tédio para ressaltar a importância da aventura e do abandono. Deus usa o silêncio para ensinar sobre a responsabilidade das palavras. Usa o cansaço para que se possa compreender o valor do despertar. Usa a doença para ressaltar a benção da saúde. Deus usa o fogo para ensinar sobre a água. Usa a terra para que se compreenda o valor do ar. Usa a morte para mostrar a importância da vida1.



1 COELHO, P. Manual do Guerreiro da Luz. Rio de Janeiro:  Ed. Objetiva, 1997.