Quem pode
mais?
Por Alessandra
Leles Rocha
Não, não importa a sua
perspectiva sobre o assunto. Essa breve reflexão, a qual me proponho fazer,
trata de fatos objetivos, ainda que carregue algum traço de subjetividade,
inevitável.
Topo da cadeia biológica, o ser
humano superestima o seu poder de maneira perigosa. Ao longo da sua jornada
histórica e, especialmente, depois do advento da acumulação do capital, ele crê
sim, com todas as suas forças, que o mundo tem que se curvar aos seus pés, tem
que se moldar às suas vontades, tem que oferecer aquilo que ele espera.
E aí, de repente, ele é
brutalmente afrontado por aquilo que a ciência chama de emergência climática. Aliás,
não foi à toa que “Em 2019, o Dicionário Oxford elegeu ‘emergência climática’
como o termo do ano, o qual define ‘uma situação em que ação urgente é
necessária para reduzir ou cessar a mudança do clima e prevenir danos
ambientais potencialmente irreversíveis a ela associados’” 1.
Vejam que curioso! 2019, um ano
antes da pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19) abalar o planeta e revirar a vida de
ponta-cabeça! Já estávamos sob ameaça, então, quando esse diminuto vírus desconhecido
chegou para se somar aos desafios da humanidade. E por longos e tenebrosos
meses, a pandemia proporcionou à raça humana a possibilidade de experimentar a desaceleração
dos impactos ambientais negativos e ver materializado os resultados positivos a
respeito.
Afinal, a emergência climática se
deu em razão de um conjunto de ações antrópicas potencializadas pelo contexto
urbanoindustrial, desenvolvido a partir da segunda metade do século XVIII. Em linhas
gerais, a vaidade desencadeada pelo potencial cognitivo e intelectual humano
possibilitou um desenvolvimento científico-tecnológico, sem se preocupar com os
devidos parâmetros éticos e morais envolvidos.
São, portanto, aproximadamente 300
anos de um frenesi que colocou os desejos humanos acima do bem e do mal,
incompatibilizando a sua própria sobrevivência e ajustamento ao ecossistema
global. Exercendo o seu supremacismo sobre tudo e todos, os seres humanos vêm
colapsando a capacidade de suportar e regenerar, do seu único habitat natural,
a Terra.
Negando os estudos e pesquisas
das ciências socioambientais, abolindo planejamentos, protocolos e legislações,
estabelecendo práxis de produção e consumo cada vez mais selvagens, despreocupando-se
em relação aos níveis de contaminação e poluição global, milhares de seres
humanos apostaram todas as fichas no poder capital, como uma apólice de seguro.
Pois é, nunca houve um plano A,
plano B ou plano C, se caso a realidade saísse fora dos trilhos. Nunca temeram
o imprevisível, o insólito. A arrogância vaidosa do ser humano sempre foi tão
absoluta e tão fundamentada no poder capital que não havia espaços para
incertezas. A dinâmica da vida parece tão certa, tão exata, tão precisa, na
mente de uns e outros, por aí, que pode ser postergada ad aeternum sem
problemas.
E aí, como em um passe de mágica,
um piscar de olhos, a natureza coloca de joelhos o ser humano. Sem aviso prévio,
a realidade é solapada de maneira incontestável e imediata. As decisões e as
ações passam a ser constituídas em meio ao caos, dentro das possibilidades viáveis
ainda existentes.
Quem diria?! De uma hora para
outra o ser humano é apequenado radicalmente, diante de seus próprios olhos. Sem
precisar discutir questões como a sua vaidade narcísica, a sua arrogância, a
sua prepotência, o seu negacionismo, o ser humano é esmagado pela fúria da
natureza através de um silêncio extremamente ruidoso. A caótica realidade é,
então, regida pela orquestra das intempéries naturais, deixando-o perdido sem
saber por onde começar a agir.
Lei do retorno? O feitiço retornando
ao feiticeiro? Castigo divino? ... Bem, pouco importa como explicar ou traçar a
linha histórica das emergências climáticas. É preciso olhar com foco para os
acontecimentos e além deles. Os desafios são muito mais complexos do que imagina
o olhar lançado sobre os escombros, as ruínas. Cada lugar afetado é um lugar. As
tragédias não são iguais, apesar de certas similaridades e congruências.
As emergências climáticas estão
estabelecendo uma nova ordem socioambiental no planeta, com impactos diversos e
severos sobre a economia, a política, a organização socioespacial, a habitação,
a saúde, a educação, o transporte, a segurança. Nada será como antes. O modo de
ser, de agir, de pensar, de viver, terá que ser ressignificado e reconstruído
sobre novas bases e fundamentos. Então, quem pode mais? O ser humano ou a
natureza? A pergunta está posta para a reflexão.