sábado, 4 de maio de 2024

Quem pode mais?


Quem pode mais?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não importa a sua perspectiva sobre o assunto. Essa breve reflexão, a qual me proponho fazer, trata de fatos objetivos, ainda que carregue algum traço de subjetividade, inevitável.

Topo da cadeia biológica, o ser humano superestima o seu poder de maneira perigosa. Ao longo da sua jornada histórica e, especialmente, depois do advento da acumulação do capital, ele crê sim, com todas as suas forças, que o mundo tem que se curvar aos seus pés, tem que se moldar às suas vontades, tem que oferecer aquilo que ele espera.

E aí, de repente, ele é brutalmente afrontado por aquilo que a ciência chama de emergência climática. Aliás, não foi à toa que “Em 2019, o Dicionário Oxford elegeu ‘emergência climática’ como o termo do ano, o qual define ‘uma situação em que ação urgente é necessária para reduzir ou cessar a mudança do clima e prevenir danos ambientais potencialmente irreversíveis a ela associados’” 1.

Vejam que curioso! 2019, um ano antes da pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19) abalar o planeta e revirar a vida de ponta-cabeça! Já estávamos sob ameaça, então, quando esse diminuto vírus desconhecido chegou para se somar aos desafios da humanidade. E por longos e tenebrosos meses, a pandemia proporcionou à raça humana a possibilidade de experimentar a desaceleração dos impactos ambientais negativos e ver materializado os resultados positivos a respeito.

Afinal, a emergência climática se deu em razão de um conjunto de ações antrópicas potencializadas pelo contexto urbanoindustrial, desenvolvido a partir da segunda metade do século XVIII. Em linhas gerais, a vaidade desencadeada pelo potencial cognitivo e intelectual humano possibilitou um desenvolvimento científico-tecnológico, sem se preocupar com os devidos parâmetros éticos e morais envolvidos.

São, portanto, aproximadamente 300 anos de um frenesi que colocou os desejos humanos acima do bem e do mal, incompatibilizando a sua própria sobrevivência e ajustamento ao ecossistema global. Exercendo o seu supremacismo sobre tudo e todos, os seres humanos vêm colapsando a capacidade de suportar e regenerar, do seu único habitat natural, a Terra.

Negando os estudos e pesquisas das ciências socioambientais, abolindo planejamentos, protocolos e legislações, estabelecendo práxis de produção e consumo cada vez mais selvagens, despreocupando-se em relação aos níveis de contaminação e poluição global, milhares de seres humanos apostaram todas as fichas no poder capital, como uma apólice de seguro.

Pois é, nunca houve um plano A, plano B ou plano C, se caso a realidade saísse fora dos trilhos. Nunca temeram o imprevisível, o insólito. A arrogância vaidosa do ser humano sempre foi tão absoluta e tão fundamentada no poder capital que não havia espaços para incertezas. A dinâmica da vida parece tão certa, tão exata, tão precisa, na mente de uns e outros, por aí, que pode ser postergada ad aeternum sem problemas.

E aí, como em um passe de mágica, um piscar de olhos, a natureza coloca de joelhos o ser humano. Sem aviso prévio, a realidade é solapada de maneira incontestável e imediata. As decisões e as ações passam a ser constituídas em meio ao caos, dentro das possibilidades viáveis ainda existentes.

Quem diria?! De uma hora para outra o ser humano é apequenado radicalmente, diante de seus próprios olhos. Sem precisar discutir questões como a sua vaidade narcísica, a sua arrogância, a sua prepotência, o seu negacionismo, o ser humano é esmagado pela fúria da natureza através de um silêncio extremamente ruidoso. A caótica realidade é, então, regida pela orquestra das intempéries naturais, deixando-o perdido sem saber por onde começar a agir.

Lei do retorno? O feitiço retornando ao feiticeiro? Castigo divino? ... Bem, pouco importa como explicar ou traçar a linha histórica das emergências climáticas. É preciso olhar com foco para os acontecimentos e além deles. Os desafios são muito mais complexos do que imagina o olhar lançado sobre os escombros, as ruínas. Cada lugar afetado é um lugar. As tragédias não são iguais, apesar de certas similaridades e congruências.

As emergências climáticas estão estabelecendo uma nova ordem socioambiental no planeta, com impactos diversos e severos sobre a economia, a política, a organização socioespacial, a habitação, a saúde, a educação, o transporte, a segurança. Nada será como antes. O modo de ser, de agir, de pensar, de viver, terá que ser ressignificado e reconstruído sobre novas bases e fundamentos. Então, quem pode mais? O ser humano ou a natureza? A pergunta está posta para a reflexão.