Poder.
Morte. Vida. E muitas reflexões.
Por Alessandra
Leles Rocha
Nada é mais surreal do que
assistir o ser humano na busca da sua autodestruição, em nome do poder. Infelizmente,
esse é o movimento que se vê em franca expansão pelo mundo. Embora, devo
admitir que tudo isso me intriga há muitos anos, na incompreensão das razões
que levavam jovens das periferias a se enveredarem na disputa pela liderança do
tráfico de drogas nas suas comunidades. O poder conquistado era tão efêmero que
não resistia à própria violência.
Desse modo, minhas reflexões não
tratam somente das guerras, das violências, da beligerância geopolítica. Elas
vão muito além. Meu desconforto e incompreensão, também, abarcam o negacionismo
científico, que abre espaço para um ataque sistemático, sob diferentes vieses, a
tudo que é importante para a sobrevivência e a manutenção da vida.
Os motivos que levam ao desenvolvimento
de drogas sintéticas, que destroem o ser humano de dentro para fora, transformando-o
em um zumbi, uma criatura inanimada que vagueia sem rumo e sem consciência. Mas,
que somadas às muitas outras, inclusive, algumas consideradas lícitas, têm impactado
o tecido social contemporâneo de maneira avassaladora e inimaginada.
A todas as práxis que promovem a
exacerbação das desigualdades, expondo milhões de seres humanos ao adoecimento,
à fome e à miséria. O que inclui a precarização do trabalho, a má distribuição
de renda, a inacessibilidade habitacional e a infraestrutura urbana digna, a formação
educacional insuficiente e ineficiente, ...
Afinal de contas, o trânsito da
humanidade pela contramão da vida, também, mata o poder. Embora cause
estranhamento, essa é a mais pura verdade! O poder só existe mediante a existência
do planeta e de sua população. Portanto, afrontar a vida é colocar em risco o
poder, seja ele de qual tipo for. Institucional. Capital. Ideológico. Político.
Cultural. ... Daí o grande paradoxo contemporâneo!
Vamos e convenhamos que a
realidade é bastante franca ao nos mostrar a dimensão do desinteresse e da
negligência em relação às medidas preventivas. Estamos sempre remediando, aqui
e ali. Enxugando gelo. Assistindo o caos, o desespero, a dor e o sofrimento, abstendo-se
de pensar a respeito do que poderia ter sido feito, ter sido evitado. De modo
que todo esse redemoinho de tragédias, de calamidades, de absurdos, se torna
pretexto para alimentar a sanha do poder, em suas diferentes instâncias.
Ora, as tratativas dão sempre
conta da superficialidade dos fatos. Em tese, são feitos investimentos
expressivos; mas, sem um caráter efetivamente resolutivo. Porque o poder está
cada vez mais dissociado da vida. Quando a morte se transforma em contingência
dos acontecimentos, é sinal de que as relações humanas estão verdadeiramente
corrompidas, deterioradas, desprestigiadas. Como se a única coisa importante
fosse o poder.
Por isso, a sensação que se tem é
de andar continuamente em círculos. Dentro de uma verdadeira espiral de loucura
e de desumanidade. Mais de 8 bilhões de seres humanos, habitando o planeta, e
ao contrário do que possam imaginar, à mercê da própria sorte! Sim, quem está a
guiá-los não é a vida! São os interesses do poder, expressos no sucesso das
lógicas numéricas; sobretudo, do capital. A importância e a desimportancia da
vida, em todos os seus aspectos, traduzida pelo dinheiro e riquezas.
Daí a necessidade de acordar
desse torpor social. Não, não é uma questão de ignorância, ou de
desconhecimento, ou de desinformação. Para qualquer lado que se vire, as
pessoas dão sim, conta dos males que as afligem cotidianamente. Discorrem
listas de exemplos dos infortúnios ao longo de sua história de vida. A grande
questão é que ninguém se dispõe a agir no cerne dos problemas, como se estivessem
sob o domínio absoluto do poder.
Já passou da hora de questionar,
com mais profundidade, o que acontece no mundo. Em maior ou menor escala. Como dizia
Eduardo Galeano, “A primeira condição para modificar a realidade consiste em
conhecê-la”. Bem, quando um sapato lhe machuca os pés, você o retira. Assim,
deve ser, em todas as situações, na vida. Romper com o que nos faz mal, nos
adoece, nos enlouquece, nos desconforta, nos machuca, nos degrada, ... é
demonstrar o quanto a vida nos importa.
Não se pode permitir ou aceitar
que a alienação promovida pelo poder nos destitua de nossa dignidade
existencial, de nossa identidade humana, de nossa vida. Não são os outros que
determinam a nossa importância no mundo. Somos nós. Martha Medeiros escreveu,
em Divã (2002), a seguinte reflexão: “O que não faz você mover um músculo, o
que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua
biografia”. Então, como pergunta uma antiga canção, “Meu amor / O que você
faria se só te restasse esse dia / Se o mundo fosse acabar / Me diz o que você
faria ...” 1 .
1 O último dia (1996) – Paulinho Moska / Billy Brandão - https://www.youtube.com/watch?v=ls0_PS2VHAE