segunda-feira, 20 de maio de 2024

Poder. Morte. Vida. E muitas reflexões.


Poder. Morte. Vida. E muitas reflexões.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada é mais surreal do que assistir o ser humano na busca da sua autodestruição, em nome do poder. Infelizmente, esse é o movimento que se vê em franca expansão pelo mundo. Embora, devo admitir que tudo isso me intriga há muitos anos, na incompreensão das razões que levavam jovens das periferias a se enveredarem na disputa pela liderança do tráfico de drogas nas suas comunidades. O poder conquistado era tão efêmero que não resistia à própria violência.

Desse modo, minhas reflexões não tratam somente das guerras, das violências, da beligerância geopolítica. Elas vão muito além. Meu desconforto e incompreensão, também, abarcam o negacionismo científico, que abre espaço para um ataque sistemático, sob diferentes vieses, a tudo que é importante para a sobrevivência e a manutenção da vida.

Os motivos que levam ao desenvolvimento de drogas sintéticas, que destroem o ser humano de dentro para fora, transformando-o em um zumbi, uma criatura inanimada que vagueia sem rumo e sem consciência. Mas, que somadas às muitas outras, inclusive, algumas consideradas lícitas, têm impactado o tecido social contemporâneo de maneira avassaladora e inimaginada.  

A todas as práxis que promovem a exacerbação das desigualdades, expondo milhões de seres humanos ao adoecimento, à fome e à miséria. O que inclui a precarização do trabalho, a má distribuição de renda, a inacessibilidade habitacional e a infraestrutura urbana digna, a formação educacional insuficiente e ineficiente, ...

Afinal de contas, o trânsito da humanidade pela contramão da vida, também, mata o poder. Embora cause estranhamento, essa é a mais pura verdade! O poder só existe mediante a existência do planeta e de sua população. Portanto, afrontar a vida é colocar em risco o poder, seja ele de qual tipo for. Institucional. Capital. Ideológico. Político. Cultural. ... Daí o grande paradoxo contemporâneo!

Vamos e convenhamos que a realidade é bastante franca ao nos mostrar a dimensão do desinteresse e da negligência em relação às medidas preventivas. Estamos sempre remediando, aqui e ali. Enxugando gelo. Assistindo o caos, o desespero, a dor e o sofrimento, abstendo-se de pensar a respeito do que poderia ter sido feito, ter sido evitado. De modo que todo esse redemoinho de tragédias, de calamidades, de absurdos, se torna pretexto para alimentar a sanha do poder, em suas diferentes instâncias.  

Ora, as tratativas dão sempre conta da superficialidade dos fatos. Em tese, são feitos investimentos expressivos; mas, sem um caráter efetivamente resolutivo. Porque o poder está cada vez mais dissociado da vida. Quando a morte se transforma em contingência dos acontecimentos, é sinal de que as relações humanas estão verdadeiramente corrompidas, deterioradas, desprestigiadas. Como se a única coisa importante fosse o poder.

Por isso, a sensação que se tem é de andar continuamente em círculos. Dentro de uma verdadeira espiral de loucura e de desumanidade. Mais de 8 bilhões de seres humanos, habitando o planeta, e ao contrário do que possam imaginar, à mercê da própria sorte! Sim, quem está a guiá-los não é a vida! São os interesses do poder, expressos no sucesso das lógicas numéricas; sobretudo, do capital. A importância e a desimportancia da vida, em todos os seus aspectos, traduzida pelo dinheiro e riquezas.  

Daí a necessidade de acordar desse torpor social. Não, não é uma questão de ignorância, ou de desconhecimento, ou de desinformação. Para qualquer lado que se vire, as pessoas dão sim, conta dos males que as afligem cotidianamente. Discorrem listas de exemplos dos infortúnios ao longo de sua história de vida. A grande questão é que ninguém se dispõe a agir no cerne dos problemas, como se estivessem sob o domínio absoluto do poder.

Já passou da hora de questionar, com mais profundidade, o que acontece no mundo. Em maior ou menor escala. Como dizia Eduardo Galeano, “A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la”. Bem, quando um sapato lhe machuca os pés, você o retira. Assim, deve ser, em todas as situações, na vida. Romper com o que nos faz mal, nos adoece, nos enlouquece, nos desconforta, nos machuca, nos degrada, ... é demonstrar o quanto a vida nos importa.

Não se pode permitir ou aceitar que a alienação promovida pelo poder nos destitua de nossa dignidade existencial, de nossa identidade humana, de nossa vida. Não são os outros que determinam a nossa importância no mundo. Somos nós. Martha Medeiros escreveu, em Divã (2002), a seguinte reflexão: “O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia”. Então, como pergunta uma antiga canção, “Meu amor / O que você faria se só te restasse esse dia / Se o mundo fosse acabar / Me diz o que você faria ...” 1 .



1 O último dia (1996) – Paulinho Moska / Billy Brandão - https://www.youtube.com/watch?v=ls0_PS2VHAE