Nós e as
crises ...
Por
Alessandra Leles Rocha
É legítima qualquer indignação
diante do fato de que a ultradireita brasileira está aproveitando a crise
climática no Rio Grande Sul para surfar a sua onda. Pressão do mercado
econômico e Fake News são alguns dos exemplos desse movimento insano. Acontece
que esse é o mesmo expediente que foi empregado durante a pandemia da COVID-19!
Pois é, somos frágeis, indefesos,
susceptíveis, destrutíveis, mortais. De uma hora para outra, tudo pode mudar. Qualquer
um poder ter uma virose. Pode passar por uma cirurgia. Pode sofrer um acidente.
... E aí a vulnerabilidade nos pega de jeito e redefine a vida.
Lamento; mas, as emergências
climáticas são só mais um desafio nesse enigmático jogo do imprevisível. Elas
chegam para potencializar o que é óbvio na existência dos seres vivos e chamar
atenção para o que realmente é prioridade para a sobrevivência das espécies,
incluindo os seres humanos.
Daí que, em outros tempos, eu até
me permitiria ficar muita irritada; mas, se tem uma coisa que o tempo vem me
ensinando é que as conjunturas da vida funcionam sob uma lógica imperiosa, bem mais
interessante e diferente das vontades e quereres de quem quer que seja.
Não, não temos que nos espantar
que o comportamento ultradireitista nacional se repita. Eles estão sendo quem
são. Além disso, há de se considerar que estão irremediavelmente irritados com
as conjunturas atuais, mais uma vez. Ora, novamente foram surpreendidos de calças
curtas por uma situação estarrecedora que interferiu na dinâmica dos seus
interesses. Por isso, eles estão indóceis.
Todas as vozes que eles têm
tentado calar, nas últimas décadas, através do seu negacionismo, estão ativas e
atuantes. Dessa vez, é a turma das ciências socioambientais que está diante dos
holofotes, dando entrevistas, participando de debates e fóruns, no verdadeiro
centro das atenções.
Afinal de contas, só essas
pessoas podem elucidar os acontecimentos e trazer à luz explicações e soluções,
efetivamente pautadas em anos de pesquisa e conhecimento científico. Pois é, a
ciência está vencendo! Porque não há mais espaço para achismos e casuísmos,
para tomar decisões com base em interesses próprios. Insistir no caos é uma
sentença de destruição! E não há mentira ou distorção da realidade que dê jeito
nisso!
Desde a última sexta-feira, 10 de
maio, tenho acompanhado entrevistas e debates com os nomes mais relevantes das
diferentes áreas que compõem a ciência socioambiental, e todos trazem
contribuições extremamente válidas para o enfrentamento que acontecerá quando
as águas abaixarem 1.
Nada de medidas da noite para o
dia. De placebos. De truques de mágica. Será necessário tempo, muito tempo. Muita
análise científica dos escombros geográficos remanescentes. Muita disposição e
seriedade para entender a dimensão dessa tragédia.
Até lá, um ponto em comum a todas
essas falas é o fato de que se não forem estancados os processos deflagradores
e fomentadores das emergências climáticas, quaisquer medidas tomadas serão em
vão. Daí não se poder falar em reconstrução, nos moldes que alguns esperam.
Quando as águas abaixarem, e só nesse momento, será o início de uma nova Era,
uma nova Ordem Socioambiental.
Infelizmente, não será possível
manter as práxis e esperar por um comportamento da natureza, ou do clima,
diferente do que se está experenciando. A repetição, a intensificação, dos
fenômenos, já deixam claro que a palavra de ordem vigente é o recrudescimento,
ou seja, o agravamento, a exacerbação, o aumento, das crises, tornando cada novo
episódio, superior ao que aconteceu anteriormente.
Assim, esse contexto não só
retira a possibilidade da ultradireita de culpabilizar indivíduos ou segmentos
sociais, como costuma fazer com as minorias, os refugiados, os desempregados,
como afronta as suas ações dizimatórias, exploratórias e devastadoras do espaço
geográfico, as quais fazem parte do seu ambicioso projeto de enriquecimento e
poder.
Pois é, a natureza colocou a
ultradireita e todos seus apoiadores e simpatizantes em xeque-mate. Tão
acostumados a nutrir o ódio, a beligerância, o desrespeito humano e ambiental, agora,
estão acuados, pressionados pela materialização nefasta do seu discurso
negacionista, com as suas digitais definitivamente marcadas nesse processo.
Sim, ao que tudo indica, se nada
for feito a esse respeito a destruição será rápida. Não serão precisas décadas
e décadas. Meses serão o suficiente para construção de cenários cada vez mais
apocalípticos e hostis. De mais mortos. Mais desparecidos. Mais feridos. Mais
desabrigados e desalojados. De mais insalubridade. Enfim ...
Acontece que seres humanos
expostos a tais conjunturas, não têm a mínima disposição e paciência para
discursos retóricos vazios. Como escreveu Mia Couto, “Somos madeira que
apanhou chuva. Agora não acendemos nem damos sombra. Temos que secar à luz de
um sol que ainda não há. Esse sol só pode nascer dentro de nós” (O último voo
do flamingo).
Isso significa que o seu ânimo, a
sua esperança, a sua expectativa, depende única e exclusivamente de soluções
práticas e factuais. Para fazer brilhar esse sol, é preciso um mínimo de
segurança em meio ao caos. Porque esse sol não brota do ódio, da beligerância, do
desrespeito socioambiental, ou qualquer coisa que o valha. Ele brota do
instinto de sobrevivência. É isso o que fala mais alto!
O que não quer dizer que as
atitudes da ultradireita e de seus apoiadores e simpatizantes não mereçam uma resposta
mais contundente do Estado brasileiro, no que diz respeito aos vieses
criminosos, delituosos, que elas representam. Não é possível tratar de maneira
infantilizada aquilo que não é infantil!
O sistema jurisdicional
brasileiro precisa se fazer respeitar.
Inclusive, pelo fato de que o não fazer implica em uma permissividade
socialmente assimétrica e injusta. Ou todos estão submetidos ao mesmo
regramento jurídico ou não estão. Não há meio termo!
Sem contar que isso, também,
compromete a credibilidade e a respeitabilidade, do país, no cenário
internacional. A impressão de terra de ninguém é muito nociva e degradante;
pois, faz parecer que o equilíbrio, o bom senso, o respeito, por aqui, estão
constantemente sob ameaça de interesses escusos.
Vejam bem, já temos uma
emergência climática instalada, de modo que não precisamos de outras crises.
Estamos sob um céu de incertezas tão gigantesco que não é possível se dar ao
luxo de brincar com coisa séria. Por enquanto é o Rio Grande do Sul que concentra
as atenções, as preocupações, ... Mas, só por enquanto. Só por hoje. E amanhã?
Essa breve reflexão nos faz pensar
ou, pelo menos, deveria fazer, como anda o nosso senso cidadão, a nossa ética,
a nossa humanidade. Afinal de contas, segundo Martin Luther King Jr., “A
verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos
de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e
desafio”.
1
Cidades-esponja: conheça conceito que usa ciência para prevenir tragédias como
a do RS - https://globoplay.globo.com/v/12590689/
Cidades e soluções – André Trigueiro - 11 de maio
de 2024 - https://canaisglobo.globo.com/assistir/globonews/cidades-e-solucoes/v/12590122/
Gestão da cidade precisa mudar para não sucumbirmos às frequentes ondas de calor - https://www.youtube.com/watch?v=KvB3falzPW8