Bondade
também se aprende!
Por
Alessandra Leles Rocha
Em 2011, uma grande indústria de
refrigerantes fez um comercial em que afirmava, de maneira exemplificativa,
como os bons eram maioria no mundo 1. Fiquei tão encantada por aquela iniciativa
que jamais me esqueci! Pouco mais de uma década depois, olhando para a sociedade
contemporânea atual, talvez, os números apresentados não sejam exatamente os
mesmos; mas, apesar de todos os pesares, não creio que os bons deixaram de ser
maioria.
Sim, temos partes de uma
humanidade contaminadas pelo individualismo narcísico, pelo consumismo, pelo
arraigamento odioso, ... No entanto, quando menos se espera, daqui e dali,
emergem milhares de flores de lótus entre os escombros do cotidiano. Gente,
verdadeiramente, do bem. Que não faz de seus gestos uma apoteose para o mundo.
Simplesmente, faz. Segundo suas crenças, suas convicções, seus princípios.
Analisando pela perspectiva da
tragédia socioambiental que se abateu sobre o Rio Grande Sul, essa questão se
torna muito perceptível. O ser humano na sua mais absoluta diversidade e
pluralidade está presente na dinâmica do processo. Portanto, altruístas e
egoístas já apresentaram suas credenciais, e se não temos as estatísticas a seu
respeito, ao menos, podemos decidir a quem nos interessa observar os
movimentos.
E se o recorte temporal da
catástrofe parece bem maior do que, na verdade, é, a legião dos altruístas é
extraordinária. O caos sempre parece distante da razão e empecilho para os
nobres sentimentos. Mas, isso não passa de mera impressão. Os bons estão sempre
prontos, sempre aptos, sempre orientados. De modo que seu desempenho traz à
tona sutilezas impensadas, quando seria, talvez, bem mais natural, que o curso
das atividades se desse de uma maneira muito mais homogeneizada, mais
homogeneizante. Só que não.
Quando cidades inteiras foram
assoladas por um volume de água descomunal das chuvas que impactaram a
geografia hídrica da região. Quando vidas foram ceifadas abruptamente, por essa
conjuntura, e outras tantas estão desparecidas. Quando milhares de seres humanos
perderam sua história material e imaterial pela brutalidade de uma água
lamacenta. ... Os bons parecem luzir pequenos feixes de esperança, de
dignidade, de respeito, de solidariedade. Seja nos abrigos, organizados às
pressas. Seja nos resgates. Seja na mobilização do exercício da doação. Seja em
todas as formas da beneficência, do auxílio, do amparo, do desprendimento.
Em tempos, naturalmente, tão
afeitos a invisibilizar o ser humano, os bons estão de olhos e corações abertos
para enxergar a todos, para reconhecer suas demandas, suas fragilidades, suas
carências. É emocionante descobrir que ninguém passou despercebido! Há
iniciativas contemplando portadores de deficiência, pessoas com autismo,
idosos, doentes com comorbidades diversas ou portadores de doenças raras,
gestantes, puérperas, crianças que se perderam da família durante o resgate,
enfim 2...
E não bastasse atender às pessoas,
os bons também não se esqueceram dos animais. Feridos, assustados, famintos, desacompanhados
ou não, eles estão recebendo o seu quinhão de afeto, de carinho, de cuidados.
Foram abertos espaços para abrigá-los dignamente. O que faz pensar nas palavras
de São Francisco de Assis, “Todas as coisas da criação são filhos do Pai e
irmãos do homem ... Deus quer que ajudemos aos animais, se necessitam de ajuda.
Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito a ser protegida”.
Considerando que o desfecho desse
flagelo está longe de ser estimado, dado o cenário de destruição em curso, o
que os bons estão realizando é incomensurável. Sim, é amor em estado puro! Amor
generoso. Amor abnegado. Amor incondicional. Amor sagrado. Amor que transcende
obstáculos, limites, diferenças, laços, ... Com o único propósito de defender a
vida, ou seja, dispondo-se a reconhecer e respeitar o outro na sua
integralidade, ao mesmo tempo em que é capaz de se colocar no lugar desse e
compreender seus sentimentos.
Pois é, mesmo que as cicatrizes
desse episódio não deixem de existir, que traumas e tristezas não possam ser
efetivamente superados, ainda assim, esse amor tem efeito terapêutico,
curativo. E os bons trazem consigo essa consciência de que “Apenas um raio
de sol é suficiente para afastar várias sombras” (São Francisco de Assis)!
Cada gota de amor aspergida em meio a tanta dor e sofrimento é um bálsamo
encorajador, esperançoso, otimista por dias melhores 3. Razão pela qual, os bons não se cansam
de lançá-las por onde se faz necessário.
Diante desse breve exposto,
independentemente das estatísticas, da mensuração numérica, o que mais importa
em relação aos bons é saber que eles existem, que estão por aí, entre nós,
pelas esquinas da vida. Que para alguns podem ser inspiração, modelo, para
outros podem ser, apenas, um farol. Mas, sobretudo, o que podemos aprender a
partir do olhar que dedicamos a eles. Afinal, bondade também se aprende!
1 https://publicidadeecerveja.com/2011/03/22/novo-comercial-da-coca-cola-razoes-para-acreditar-os-bons-sao-maioria-coro-abra-a-felicidade/
2
Sobrevivente da tragédia da Chapecoense doa cadeiras de rodas para o RS - https://www.youtube.com/watch?v=CIn2FFlQoNE
Exército ajuda no
resgate de idosos atingidos pelas fortes enchentes no RS - https://www.youtube.com/watch?v=tpmA6Uxk4ls
Rock In Rio - Deixa o coração falar - https://www.youtube.com/watch?v=Wcp9OFJM0Cw
3 Dias Melhores (2000) – Jota Quest - https://www.youtube.com/watch?v=9dsUVU7ERK4