Instinto
de sobrevivência...
Por Alessandra
Leles Rocha
Certas questões como benevolência,
bondade, justiça, paciência, sinceridade, responsabilidade, comprometimento, sabedoria,
... têm transitado por uma percepção, bastante equivocada, da sociedade contemporânea.
Na maioria das vezes, são tratadas como via de mão única de ações
comportamentais em relação aos outros, quando, na verdade, há em todas elas um caráter
de via dupla, que nos associa diretamente nesse processo.
Assim, quando pensamos a respeito
de generosidade, de solidariedade, de altruísmo, de fraternidade, de empatia ou
de compaixão, por exemplo, deveríamos estar conscientes de que o fato de agirmos
movidos por esses sentimentos é um sinal claro de que, no fundo, o fazemos mediante a consciência de que isso nos diz respeito, direta ou indiretamente,
também.
Acontece que, na maioria das
vezes, esse movimento se dá de maneira prática e sob um olhar temporal
seletivo. Como se esses sentimentos estivessem atrelados, basicamente, ao imediatismo
do agora. O que significa o impulso do agir, do fazer, do tentar
resolver o mais rápido e possível. Sem nos dar oportunidade de uma reflexão
mais ampla, mais profunda, mais inteira, do processo em si.
Então, diante dos acontecimentos
recentes, da tragicidade socioambiental que se abateu sobre o estado do Rio Grande
do Sul, essa reflexão me pareceu fundamental. Aliás, gostaria de salientar que o
fato de não estarmos lá, presentes, não significa estarmos à margem dos
acontecimentos, eles não nos são indiferentes. Sob o céu de incertezas que a vida
nos impõe, aliadas aos prognósticos fundamentados cientificamente a respeito
das mudanças climáticas e seus desdobramentos, qualquer um pode sim, ser a próxima
bola da vez.
O que significa que nossa benevolência,
bondade, justiça, paciência, sinceridade, responsabilidade, comprometimento, sabedoria,
generosidade, solidariedade, altruísmo, fraternidade, empatia, compaixão, ...
não podem se prender pelo olhar exclusivista do momento atual. Na verdade, todos
esses sentimentos precisam abrigar um recorte histórico-temporal que vai muito além
do que se possa imaginar.
Infelizmente, não basta o exercício
desses sentimentos no ápice da crise, quando milhares de seres humanos estão frágeis,
vulneráveis, desprotegidos. É preciso que eles nos movam em direção às lutas que
precisam ser empenhadas para dar-lhes a sua verdadeira materialidade. É preciso
que eles nos façam pensar no processo da crise.
Por que fomos tão benevolentes e
permissivos? Por que nos desviamos dos caminhos da justiça? Por que nos abstivemos das nossas
responsabilidades cidadãs? Por que concordamos em abdicar da sabedoria científica?
... Por que? É preciso responder, dar a
devida vazão a todas essas perguntas. Não se pode silenciar, negar, declinar,
diante delas ou de outras tantas.
Percebem, agora, como nossas
virtudes precisam extrapolar certas limitações? Benevolência, bondade, justiça,
paciência, sinceridade, responsabilidade, comprometimento, sabedoria, generosidade,
solidariedade, altruísmo, fraternidade, empatia, compaixão, ... demandam inteireza
na sua manifestação, por cada indivíduo. Não dá para se abster das situações, quando
elas se agigantam, parecem mais difíceis e/ou insolúveis, lançando-as sobre os
ombros de quem possa interessar.
Basta lembrar que viver em
sociedade pressupõe que os indivíduos, em todas as suas singularidades, sejam capazes
de uma convivência conjunta, ordenada e organizada, consciente e coletivamente,
em prol de um denominador comum. Difícil? Sim; mas, não impossível. A verdade é
que a compreensão em torno do papel das virtudes é uma voz social extremamente
potente.
Quem nunca ouviu falar sobre o
peso da opinião pública em assuntos importantes ou fundamentais? Ora, trata-se
do impulso delas, levando milhares de pessoas a se manifestar (individual e
coletivamente), em favor de algo ou alguém. Haja vista, por exemplo, uma onda
de descontentamento entre jovens norte-americanos que tem culminado em
manifestações nos campi universitários, nos EUA, contra a guerra em Gaza 1; ou, o caso em que um “Tribunal
decide que Suíça violou direitos de idosas ao não conter mudanças climáticas”
2.
O mundo precisa de benevolência,
bondade, justiça, paciência, sinceridade, responsabilidade, comprometimento,
sabedoria, generosidade, solidariedade, altruísmo, fraternidade, empatia,
compaixão, ... em tempo integral. Precisa de reflexão, de análise, de vozes e
ações, no contexto do hoje, do amanhã, do depois. Simplesmente, porque é disso
que depende a minha, a sua, a nossa sobrevivência e de todos os demais seres
vivos. Nossas virtudes dizem respeito às
nossas expectativas e perspectivas em torno da vida.