Não basta
enxergar. É preciso ver.
Por Alessandra
Leles Rocha
Há alguns anos eu tive a
oportunidade de assistir ao filme QUASE DOIS IRMÃOS 1
(2005), dirigido por Lucia Murat. Imerso no enredo do filme está um apontamento
para o surgimento das grandes facções criminosas nacionais, na perspectiva do
presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, nos anos 70. E a partir dessa obra ficcional se tem uma
ideia em relação ao papel do Estado brasileiro, a partir de um modelo de
segurança pública obsoleto e falido.
E por que motivo falar sobre
isso? Ora, na semana em que os dois prisioneiros fugitivos de um presídio federal,
considerado de máxima segurança, foram capturados após 50 dias 2 e uma mobilização intensa do governo, o
falatório da direita e de seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas,
merece no mínimo uma reflexão. Afinal, esse é um assunto demasiadamente
complexo para passar despercebido, por quem quer que seja.
Bom, o Brasil aprendeu a lidar
com os delitos, as violências e a criminalidade, a partir de um modelo
punitivista e encarcerador, desde os seus tempos coloniais. Inspirados nas
masmorras absolutistas europeias, o modo de resolver as questões ditas como de
segurança pública era lançar os indivíduos à prisão.
Mas, quem eram os bandidos, em
questão? Curiosamente, o mesmo perfil daqueles que se encontram presos na
contemporaneidade. Sim, em sua maioria, gente pertencente às camadas mais
desprivilegiadas da sociedade. Sem poderes e recursos para se defenderem das
acusações do Estado, sua sina era amargar os dias em prisões inadequadas, à
mercê do abandono social, misturados sem quaisquer critérios de análise
criminal.
E como provam os séculos, visto
que o Brasil já completou mais de cinco, o modelo empregado não resolveu. Os
delitos, as violências e a criminalidade continuam a pleno vapor no país,
constituindo uma população carcerária de mais de 800 mil presos. Nem mesmo as condições desumanas, abjetas, de
uma parcela significativa das instituições onde são recolhidos, age como fator
inibidor das transgressões sociais.
Mas, por que isso acontece? A verdade
é que esse cenário mostra como o sistema se retroalimenta e, por isso, não se
vê sinais de melhora ou solução. O regime
fechado, no Brasil, ao contrário de recuperar o indivíduo, para o convívio social
harmônico e equilibrado, funciona como “universidade da bandidagem”.
Haja vista que a fragilidade na
aplicação de penas de encarceramento, inclusive, do ponto de vista da ausência de
análise criminal, quanto ao tipo de delito cometido, favorece imensamente ao fortalecimento
das facções criminosas e a consolidação de pontes com o mundo exterior aos presídios.
As chances daqueles que ingressam, pela
primeira vez, no sistema, de serem coaptados pelas facções criminosas são
imensas. Um panorama interessante a respeito é mostrado no filme SALVE GERAL 3 (2009), do diretor Sergio Rezende.
Então, tem-se, no momento, a
direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, vociferando
contra o gasto de aproximadamente R$6 milhões para a recaptura dos dois
prisioneiros fugitivos de um presídio federal. De fato, é um montante
significativo. Contudo, não é esse o ponto para reflexão. Eles falam dos
gastos; mas, não olham para o curso da história e, nem tampouco, apontam
soluções para a segurança pública nacional.
Sabe-se que “No Brasil, o
gasto com polícias nos estados é 4 mil vezes maior do que os custos com
políticas para egressos do sistema prisional. Para cada R$4.389 gastos com
policiamento nos estados, R$1.050 são destinados para o sistema penitenciário e
somente R$1 para políticas que garantam os direitos dos egressos” 4. Desse modo, gasta-se muito. Gasta-se
mal. Não há planejamento. O Estado só faz alimentar a voracidade dos delitos, das
violências e da criminalidade, sem resolver absolutamente nada.
Então, quando o país gasta em
torno de R$40 milhões para construir uma prisão federal de segurança máxima, e
temos 5 unidades em funcionamento, para conter elementos das maiores facções
criminosas nacionais, eventuais fugas desconstroem o discurso existente em
torno da segurança pública e lustram o ego da criminalidade.
Afinal, ela não reclama dos seus
gastos bilionários para manter ativas as suas ações delituosas, porque ela
enxerga o retorno positivo disso. As facções criminosas estão cada vez mais
ricas, mais poderosas, mais articuladas, graças, em grande parte, pela
fragilidade e visão equivocada e deturpada do Estado. Não é à toa que foram
necessários 50 dias para recapturar os dois fugitivos.
Basta observar que as grandes
mobilizações e incursões policiais contra o crime-organizado, no país, matam
elementos ligados (ou não) às facções; mas, que são pertencentes à base dessa pirâmide
social. Os grandes chefes, as lideranças, essas permanecem à margem desse tipo
de resposta do Estado. Dentro ou fora dos presídios, eles permanecem
demonstrando que tem vez e voz.
Talvez, seja o grande momento, da
classe político-partidária nacional; sobretudo, o segmento da direita e seus
matizes, mais ou menos radicais e extremistas, exercer a reflexão sobre o que
realmente importa. Especialmente, quanto ao papel que tem desempenhado no
exercício da sua função pública e das suas responsabilidades, éticas e morais,
no cumprimento das suas obrigações. É hora de o Estado brasileiro fazer
mea-culpa, não somente em relação à segurança pública; mas, à garantia da suficiência
e da eficiência de todos os direitos sociais previstos na Constituição Federal
de 1988.
Enquanto isso não acontecer, a
bandidagem irá continuar humilhando o Estado, com fugas surreais, como a que
aconteceu recentemente. Expondo a total ausência de planejamento das
instituições carcerárias, da vigilância, do controle, do rigor contra a
corrupção, enfim... Não cabe questionar a recaptura dos fugitivos, sob nenhum
aspecto. Eles foram submetidos ao rigor das leis e condenados, devendo cumprir
suas penas em regime fechado. Só não podemos pensar que a recaptura exauri a
questão.